06 Mai 2025
"Trata-se, portanto, de realizar um avanço significativo no processo de amadurecimento conciliar, que, encorajado por Francisco, encontra hoje um novo ponto de partida naquilo que foi retomado pelo processo sinodal", escreve Rafael Luciani, em artigo publicado por Re-Blog – o post da revista Il Regno, 01-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Rafael Luciani é um leigo venezuelano, doutor em teologia, professor da Universidade Católica Andrés Bello (Venezuela). É especialista do Conselho Episcopal Latino-Americano e do Caribe (CELAM), membro da equipe teológica da Presidência da Confederação Latino-Americana de Religiosos (CLAR) e especialista da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos.
O Documento Preparatório do Sínodo sobre a sinodalidade articula e argumenta que “para ‘caminhar juntos’ é necessário que nos deixemos educar pelo Espírito para uma mentalidade verdadeiramente sinodal, entrando com coragem e liberdade de coração em um processo de conversão sem o qual não será possível aquela reforma perene. Como instituição humana e terrena, a Igreja necessita perpetuamente dessa reforma (Unitatis redintegratio, n. 6; Evangelii gaudium, n. 26)”.
Após um processo de escuta e discernimento de todos os fiéis do Povo de Deus, o Documento para a etapa continental afirma claramente que “caminhar juntos como Povo de Deus exige que reconheçamos a necessidade de uma conversão contínua, individual e comunitária. No plano institucional e pastoral, essa conversão se traduz em uma reforma igualmente contínua da Igreja, de suas estruturas e de seu estilo, na esteira do impulso contínuo à ‘atualização’, precioso legado do Concílio Vaticano II” (n. 101).
A novidade e o frescor do pontificado de Francisco estão no fato de que ele é um filho do Concílio, e não um de seus pais ou um especialista (peritus). Isso significa que seu estilo e visão respondem a uma recepção do Vaticano II que é fruto de um caminho continental que já começou e foi vivenciado. Não se trata de latino-americanizar a Igreja, mas de abrir o caminho para uma Igreja realmente global, na qual se reconhece a existência de múltiplas e diversas formas de recepção do Concílio, de acordo com os contextos, as culturas e as histórias particulares dos povos. Nesse sentido, em comparação com as anteriores, sua primeira bênção Urbi et Orbi, em 13 de março de 2013, não produz uma ruptura, mas marca um novo começo que recria esse caminho de mais de 60 anos, com uma frase emblemática que encarna toda uma figura de Igreja: “comecemos este caminho: bispo e povo”.
Essas palavras se traduzem em um gesto inaugural na Praça São Pedro: “Antes que o bispo abençoe o povo, peço que rezem para que o Senhor me abençoe”. Paradoxalmente, seu pontificado começa pedindo a bênção do povo de Deus e termina concedendo-a a esse mesmo povo, reunido mais uma vez na Praça São Pedro. Mesmo que possa ser lida como uma metáfora, essa circularidade expressa um modo de ser Igreja cujo ponto de partida e de chegada é o povo de Deus (Episcopalis communio), em meio ao qual “os pastores e os demais fiéis estão ligados uns aos outros por uma vinculação comum” (Lumen gentium, nº 32) e são definidos pelo “caminhar juntos”. Igreja constitutivamente sinodal
O desafio da forma eclesiológica dessa recepção conciliar pode ser entendido sobretudo a partir do que emerge da articulação do Documento Conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano reunida em Aparecida (2007), da Exortação Apostólica Evangelii gaudium (2013), do Discurso Comemorativo do 50º aniversário da instituição do Sínodo dos Bispos (2015), da Constituição Apostólica Episcopalis communio (2018) e do Documento Final da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos (2024). Este último é o fruto do caminho do Sínodo (2021-2028), que foi assumido pelo papa como parte integrante de seu magistério ordinário. Todos esses documentos não podem ser lidos isoladamente. De sua totalidade emerge e toma forma uma figura da Igreja como povo de Deus que, como sujeito histórico e comunitário, é constitutivamente sinodal.
Esse legado representou um salto qualitativo na recepção do Concílio Vaticano II, especialmente a partir da centralidade dada ao Capítulo II da Lumen Gentium, que concebe a Igreja como uma totalidade orgânica dos fiéis, e não de alguns (bispos) e um (primado) isolados. A recepção e o impulso dessa linha conciliar, encarnada em uma determinada figura da Igreja, será um dos principais critérios para avaliar qualquer futuro pontificado, pois o que está em jogo não é a ruptura ou a simples continuidade com relação ao legado deixado pelo Concílio Vaticano II, mas seu progresso, amadurecimento e implementação. Nesse contexto, Francisco inaugura uma nova etapa de sua recepção, chamada a seguir um caminho de amadurecimento no âmbito de uma Igreja global e intercultural.
O que é descrito como uma fase “ulterior” da recepção conciliar implica a abertura de um caminho de amadurecimento de uma figura da Igreja, desenvolvida ao longo do processo do Sínodo sobre a sinodalidade. Esse caminho nos deixa critérios e conteúdos essenciais para o discernimento do modelo institucional necessário para a Igreja do terceiro milênio (50º aniversário do Sínodo dos Bispos, 2015). A orientação disso será um dos critérios de avaliação de qualquer futuro pontificado, mas o ponto de partida para entender o que isso implica não pode ser outro senão a voz do povo de Deus, coletada e sintetizada, após um árduo processo com múltiplas instâncias e fases, no Documento Final do Sínodo sobre a Sinodalidade.
Nesse sentido, está em jogo a institucionalização da figura de Igreja articulada nesse documento: “A sinodalidade é o caminhar juntos dos cristãos com Cristo e em direção ao Reino de Deus, em união com toda a humanidade; orientada para a missão, implica o reunir-se em assembleia nos diferentes níveis da vida eclesial, a escuta mútua, o diálogo, o discernimento comunitário, a formação do consenso como expressão da presença de Cristo no Espírito e a tomada de decisão em corresponsabilidade diferenciada. Nessa linha, entendemos melhor o que significa o fato de a sinodalidade ser a dimensão constitutiva da Igreja” (nº 28).
Um novo pontificado, caracterizado pelo amadurecimento e consolidação desse caminho, implica o reconhecimento da autoridade do povo de Deus que falou - já reconhecido pelos Padres Conciliares na Lumen Gentium, nº 12 - pedindo que “bispos e povo” caminhem juntos, porque “o tema da sinodalidade não é um capítulo de um tratado de eclesiologia, nem uma moda, nem um slogan, nem um novo termo a ser usado e instrumentalizado em nossas reuniões. A sinodalidade expressa a natureza da Igreja, sua forma, seu estilo e sua missão” (Francisco à diocese de Roma, 18.9.2021). Consequentemente, não basta discernir o estilo de vida pessoal e as maneiras pelas quais o bispo de Roma se relaciona com o resto dos fiéis em sua vida cotidiana, mas é necessário hoje moldar uma figura sinodal da Igreja que vá além do próprio pontificado, pois recria e redefine a articulação entre “todos” (todo o povo de Deus), “alguns” (os bispos) e “um” (o primado).
Esse processo concretizou-se na segunda sessão da Assembleia Sinodal em outubro de 2024, inserindo o “um” e os “alguns” dentro do “todos”. Esse progresso foi expresso no reconhecimento do caráter deliberativo de todos os membros, agindo juntos como uma totalidade de fiéis, em cuja interação o Espírito fala às Igrejas. Entretanto, isso não significa que uma Igreja sinodal tenha sido plenamente realizada. É uma tarefa inacabada no contexto de um processo mais amplo que a oferece hoje como uma possível realidade de conversão eclesial. Como diz Francisco na encíclica Laudato si': “Na minha exortação Evangelii gaudium, escrevi aos membros da Igreja, a fim de os mobilizar para um processo de reforma missionária ainda pendente” (nº 3).
Esse será o desafio do novo bispo de Roma, cujo mandato será medido por sua capacidade de dar forma estrutural e institucional a essa articulação.
Se as reformas forem entendidas de forma linear, muitos dirão que o pontificado de Francisco não conseguiu institucionalizar muitas coisas. Se, por outro lado, forem concebidas à luz de processos de iniciação, amadurecimento, implementação e consolidação, então estamos em um momento eclesial que deve pensar nas modalidades de implementação que se seguirão e, depois, em sua consolidação na estrutura de uma Igreja que já começou a ser global e intercultural. Em 12 anos, não foi institucionalizado nenhum concílio, muito menos um sínodo. No entanto, entender a mudança qualitativa que representa a eclesiologia articulada nesses 12 anos será crucial para a credibilidade da Igreja, uma vez que deve ser entendida em termos de missão e, portanto, a serviço do povo de Deus que escutou e cujas vozes foram escutadas durante todo o processo sinodal. Uma leitura atual das novas mudanças eclesiais a serem realizadas não pode começar do zero, mas deve fazê-lo em continuidade com o processo sinodal.
Em uma época de mudanças aceleradas, já passamos por várias mudanças profundas sucessivas em menos de 20 anos, e não apenas transformações dentro da mesma época. A época que vivemos antes da pandemia não é mais a mesma que vivemos hoje, marcada por um rearranjo geral da ordem global, e não apenas da ordem eclesial. Por essa razão, a cultura eclesial na qual nos movemos não pode mais ser moldada de acordo com as formas culturais e da época que definiram sua origem e eram válidas naquele momento. Em vez disso, precisa de novas formas e processos de nova criação. Em nível eclesial, a nova época nos confronta com o desafio de realizar a sinodalização de toda a Igreja, um desafio que não pode ser reduzido a uma simples atualização da vida e da forma eclesial herdada. Isso exigirá uma conversão pessoal que esteja aberta à reconversão dos modelos institucionais existentes, dando lugar para uma nova criação, porque não se “deita vinho novo em odres velhos; pois rompem-se os odres, e entorna-se o vinho, e os odres estragam-se; mas deita-se vinho novo em odres novos, e assim ambos se conservam.” (Mt 9,17).
Trata-se, portanto, de realizar um avanço significativo no processo de amadurecimento conciliar, que, encorajado por Francisco, encontra hoje um novo ponto de partida naquilo que foi retomado pelo processo sinodal. É no atual processo sinodal que está se delineando a passagem de uma “nova” para uma “ulterior” recepção conciliar, que deve soldar a memória conciliar com o futuro sinodal de toda a Igreja, na esteira de uma tradição viva, porque “a Tradição, de origem apostólica, progride na Igreja com a assistência do Espírito Santo” (Dei verbum, n. 8) que fala às Igrejas de hoje no contexto de uma Igreja global e intercultural que está começando a despontar e que agora deve gerar uma circularidade na qual a periferia retorna ao centro para transformá-lo, dando espaço a uma diversidade que não rompe a comunhão, mas encontra expressões autênticas nas Igrejas e as concebe como lugares teológicos de revelação. À luz do que foi visto, podemos afirmar que, com um modo sinodal de ser e de proceder, “desse modo se descobrirá o caminho para uma mais profunda adaptação em toda a extensão da vida cristã” (Ad gentes, n. 22), consolidando a “Igreja (Ecclesia tota)” como “comunhão de Igrejas” (Relatório-síntese da primeira sessão da XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, n. 19c).