05 Setembro 2024
Por mais desagradáveis que sejam, os jogos de guerra estão se multiplicando: simulações de como um confronto armado poderia eclodir, se desenvolver e terminar. Especialmente entre Estados Unidos e China. E também nuclear.
A reportagem é de Danilo Taino, publicada por Corriere della Sera, 04-09-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eles confirmam que o desastre seria imenso e, desse ponto de vista, são úteis. No entanto, Rafael Grossi - o diretor geral da Agência Internacional de Energia Atômica, Iaea, uma agência da ONU - foi mais concreto nos últimos dias e foi além dos jogos de tabuleiro e de computador. Em uma entrevista, argumentou que, pelo menos desde o fim da Guerra Fria, nunca antes países “importantes” falaram abertamente sobre a aquisição de um arsenal nuclear. E que a ordem internacional está sendo revirada pela nova competição entre potências, as proteções e as alianças do passado estão se desfazendo e, na incerteza que se segue, mais de um governo acha que deve garantir para si sua própria arma decisiva para a dissuasão contra possíveis inimigos.
De acordo com Grossi, o resultado é que o Tratado de Não Proliferação Nuclear (TNP), de 1968, corre o risco de se tornar papel rasgado. Até agora, limitou, pelo menos parcialmente, a proliferação de arsenais. Mas qual seria a situação se o número de nações que possuem armas nucleares aumentasse dos atuais nove para 14 ou 15, uma dezena deles fora das limitações do próprio Tratado? Alguns governos estão falando abertamente sobre essa eventualidade, um sinal de que o “grande temor” foi abandonado.
Há países, disse Grossi ao Financial Times, ”que têm discussões públicas sobre isso, o que não acontecia no passado. Falam sobre isso publicamente. Falam na imprensa. Chefes de estado se referem à possibilidade de repensar toda a questão”.
O alto funcionário da ONU não cita nomes. Mas é fácil identificá-los. Atualmente, há nove países com arsenais nucleares. Cinco são os membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU: Estados Unidos, Rússia, Reino Unido, França e China. Os outros quatro não assinaram o TNP e, ao longo dos anos, equiparam-se com a bomba: Índia (1974), Paquistão (1998), Israel (que nunca admitiu isso oficialmente), Coreia do Norte (2006, depois de sair do Tratado). Até hoje, ninguém usou a arma atômica depois de agosto de 1945 no Japão.
Agora, há um país próximo a construir seu próprio arsenal: o Irã. Os especialistas acreditam que, se os aiatolás quisessem, poderiam ter seu primeiro dispositivo em questão de semanas, dado o nível de enriquecimento de urânio que alcançaram. Em outubro de 2003, o líder supremo Ali Khamenei emitiu uma fatwa contra a produção e o uso dessas armas. Mas seus conselheiros dizem que, diante de uma ameaça existencial, mudariam de doutrina. O efeito dominó seria imediato. O príncipe herdeiro saudita, Mohammad bin Salman, deixou claro que se o inimigo Irã conseguir a bomba, a Arábia Saudita também terá que “ter uma”. Isso em um Oriente Médio já inflamado.
Por sua vez, Vladimir Putin e seus amigos ocasionalmente ameaçam o uso de armas nucleares táticas. Enquanto isso, no Oriente, a China está desenvolvendo sua força nuclear em um ritmo acelerado. Atualmente, tem cerca de 500 ogivas (em comparação com as 3.708 dos EUA e as 4.380 da Rússia) e a previsão é que chegue a mil nesta década. Pequim, relutante em participar de negociações para a redução do arsenal, argumenta que o guarda-chuva nuclear que os EUA oferecem a europeus e asiáticos é uma “séria violação” do Tratado de Não Proliferação: mas sem esse guarda-chuva, os europeus e asiáticos teriam que abrir um próprio. Washington não está de braços cruzados: nos últimos dias, foi noticiado que, em março, Joe Biden ordenou que os militares se preparassem para um possível ataque nuclear coordenado entre a China, a Rússia e a Coreia do Norte. A Coreia do Norte sente-se cada vez mais confiante graças à proteção de Moscou e Pequim: a Rússia vetou na ONU a confirmação do monitoramento das sanções contra Pyongyang.
No Extremo Oriente e na bacia do Pacífico, os governos mantêm seus olhos em Pequim e Washington. A China continua a ter comportamentos agressivos e coercitivo com Taiwan e no Mar do Sul da China contra as Filipinas e, nos últimos dias, sobrevoou pela primeira vez os céus do Japão com uma de suas aeronaves militares. Na região, a questão central é o futuro de Taiwan.
Se Pequim conseguisse “conquistá-la”, pacificamente ou pela força, o golpe para a credibilidade dos EUA na região seria enorme: um sinal de que Washington não consegue defender um país ao qual prometeu apoio. A certeza da proteção nuclear dos EUA para os aliados na Ásia seria perdida.
O Japão e a Coreia do Sul estariam sob pressão para adquirir armas atômicas. Já agora, 66% dos sul-coreanos (que sentem a ameaça do Norte) dizem que “apoiam” ou “apoiam fortemente” a formação de um sistema nacional de dissuasão nuclear independente. Essas opiniões são reforçadas pela possibilidade de que uma próxima presidência estadunidense (Donald Trump ou outros) tenda a se desincumbir da área: uma preocupação que também existe em Taiwan, onde uma tentativa de construir a bomba atômica já foi feita nas décadas de 1950 e 1970 pelo então ditador Chiang Kai-shek. A Austrália também consideraria a mesma hipótese se as coisas se complicassem no Indo-Pacífico. Na Europa, está sendo discutida a possibilidade apresentada por Emmanuel Macron de ampliar a dissuasão nuclear francesa a todo o continente. Novos cenários nos “jogos de guerra”.