23 Abril 2024
No seminário dos Missionários do Sagrado Coração em Manila, nas Filipinas, milhares de garrafas plásticas podem ser encontradas em toda parte. Elas estão debaixo das árvores, ao redor dos jardins, na igreja. E, em alguns casos, estão até dentro das paredes. Justamente onde os padres em formação as colocaram.
A reportagem é de Brian Roewe, publicada por National Catholic Reporter, 22-04-2024.
Ao invés de poluir o campus, as garrafas e outros plásticos foram reutilizados em ecobricks, tijolos ecológicos, que servem de materiais de construção para projetos ao redor do escolasticado dos Missionários do Sagrado Coração. Além da construção, os inovadores tijolos de garrafa servem de lembretes ubíquos da prevalência dos plásticos no mundo e das iniciativas para rejeitar a cultura do descarte que o Papa Francisco condena regularmente.
"Devemos cuidar de nossa casa comum. E os plásticos destroem a criação", disse o missionário do sagrado coração, Pe. James Espuerta. Reitor do seminário de 2018 a 2023, o padre, 53 anos, liderou por anos turmas de seminaristas na fabricação dos ecobricks.
Cada tijolo começa com uma garrafa plástica vazia de 1,5 litros, depois outros plásticos são cortados em pedaços menores e pressionados na garrafa com um bastão de bambu. Todos os plásticos são limpos primeiro e às vezes pintados para um visual mais artístico. O processo pode ser demorado, com um único tijolo às vezes levando um dia inteiro para ser feito.
Os missionários frequentemente utilizam os ecobricks prontos e cimento para construir caixas de plantio ao redor das árvores, cercas de proteção para os jardins e as bases de mesas e cadeiras de concreto ao ar livre. Dentro de sua igreja, eles formaram suportes para flores na frente do altar, assim como um presépio para uma cena de Natal.
Reprodução: Missionários do Sagrado Coração
O programa de ecobricks dos Missionários do Sagrado Coração faz parte de sua iniciativa dentro da campanha Semeando Esperança para o Planeta, que promove ações ecologicamente sustentáveis entre as congregações e ordens religiosas masculinas e femininas ao redor do mundo. A ordem filipina também está inscrita na Plataforma de Ação Laudato Si', uma iniciativa vaticana em que instituições católicas criam planos de sustentabilidade de sete anos no espírito da encíclica de 2015 do Papa Francisco Laudato Si', sobre o cuidado da Casa Comum".
"Os seres humanos não são os únicos habitantes do mundo. Também temos nossas irmãs criaturas, e precisamos cuidar delas", disse Espuerta. "Ser responsável pelo uso do plástico pode ser uma boa forma de salvar nosso ambiente".
Os tijolos ecológicos dos Missionários do Sagrado Coração são um exemplo das formas como pessoas e comunidades em todo o mundo estão tentando lidar com o gigantesco problema que o lixo plástico e a poluição plástica representam para o planeta e a saúde de humanos, espécies e ecossistemas.
Segundo o Programa Ambiental das Nações Unidas (UNEP), o mundo produz 430 milhões de toneladas métricas de plásticos a cada ano, com dois terços descartados logo após o uso. Cerca de 11 milhões de toneladas métricas de plásticos entram nos oceanos a cada ano, o equivalente a um caminhão de lixo por minuto, de acordo com o Ocean Conservancy. Isso é além das 200 milhões de toneladas métricas já circulando.
As Filipinas são responsáveis sozinhas por mais de um terço do lixo plástico que entra nos oceanos — de longe o maior dentre os países e o triplo do segundo colocado, a Índia. Os vastos níveis de lixo plástico lá são atribuídos em parte à "economia das embalagens", onde bens em pequenas embalagens seladas são comprados em quantidades menores e mais baratas. As embalagens representam mais da metade do fluxo residual de lixo plástico do país, de acordo com um relatório da Global Alliance for Incinerator Alternatives (GAIA), rede de entidades que defendem questões de desperdício zero, plástico e clima.
O UNEP projeta que a produção de plástico triplicará globalmente até 2060 sem uma mudança de curso.
Além de poluir terras e águas, os plásticos representam sérias ameaças à saúde de humanos e outras espécies. Mais de 13.000 produtos químicos foram identificados na produção de plásticos, com pelo menos 2.300 rotulados como "produtos químicos de preocupação", incluindo carcinógenos e desreguladores endócrinos.
Os plásticos não se biodegradam e, em vez disso, se fragmentam em microplásticos cada vez menores que foram encontrados nos estômagos de pássaros, peixes, outras espécies marinhas, animais domésticos e mais, assim como em humanos, incluindo dentro de fetos e bebês. Alguns produtos químicos usados na produção de plásticos foram relacionados ao câncer, doenças cardíacas, infertilidade e podem interferir no desenvolvimento cerebral, especialmente em crianças e bebês.
Embora existam esforços para incentivar a reciclagem de plásticos há décadas — uma campanha iniciada pela indústria de plásticos — hoje apenas 9% dos plásticos em todo o mundo são realmente reciclados, e muitas formas de plásticos não podem ser recicladas de forma alguma.
O Dia da Terra (22 de abril) deste ano tem se concentrado em "Planeta vs. Plásticos", com ênfase na eliminação dos plásticos, incluindo uma redução de 60% na produção até 2040. Esta semana, os países se reunirão em Ottawa, capital canadense, para a penúltima sessão de negociações sobre um tratado internacional de plásticos que se espera seja concluído até o fim de 2024.
Como papa, Francisco tem repreendido repetidamente a cultura do descarte que inclui plásticos de uso único e chamou de "criminoso" jogar plásticos no mar e uma ação que "mata" a biodiversidade e a Terra.
"A terra, nossa casa, está começando a parecer cada vez mais como um imenso monte de sujeira", observou Francisco em Laudato Si'.
Além de abordar o desperdício, o papa instou o mundo a acabar com o uso de combustíveis fósseis, que junto com o impulsionamento das mudanças climáticas está no cerne do problema da poluição plástica. A grande maioria, 98%, dos plásticos é produzida a partir de petróleo e gás. O UNEP estima que o ciclo de vida dos plásticos represente 3,4% das emissões globais de gases de efeito estufa, e espera-se que cresça para 19% até 2040 sob as tendências atuais.
Para limitar a quantidade de plástico produzido, pessoas e comunidades estão buscando formas de lidar com os milhões e milhões de toneladas de plásticos que poluem a vida cotidiana e muitas vezes sujam terras e águas. Para os Missionários do Sagrado Coração, fazer ecobricks tem representado alguma esperança.
"Se temos plásticos, em vez de jogá-los fora ou no lixo, é melhor mantê-los e então organizar a fabricação de ecobricks", disse Espuerta ao site EarthBeat.
A ideia de ecobricks remonta ao povo Igorot do norte das Filipinas e seu conceito de ayyew, o processo de estar em harmonia com os ciclos ecológicos da vida. A partir dessa perspectiva, o plástico não é visto como lixo, mas como um material que pode ser usado de novas formas. A partir desse ponto de partida, a criação e o uso de ecobricks se espalharam para outras partes do mundo, incluindo países da América do Sul e da África.
A Global Ecobricks Alliance é uma organização sem fins lucrativos que estabelece padrões para a fabricação de tijolos ecológicos. Ela oferece treinamento e fornece informações sobre o porquê e como transformar plásticos em materiais de construção. Foi fundada em 2015, vários anos após um de seus cofundadores, Russell Maier, ter experimentado fazer tijolos de garrafas plásticas como forma de desviar plásticos de entrar no Rio Chico nas terras Igorot no Vale de Sabangan.
Os Missionários do Sagrado Coração se envolveram com os ecobricks em 2019 depois de realizarem um fórum sobre o programa na Faculdade Teológica Mary Hill, em Manila.
Desde então, eles expandiram a fabricação de ecobricks para mais de uma dúzia de paróquias que lideram em toda as Filipinas. Na Paróquia de Santo Nino, na Ilha de Camotes, em Cebu, eles construíram uma capela em parte com ecobricks. Em alguns lugares, os missionários também operam bancos de plástico, onde pessoas com dificuldades financeiras recebem alimentos em troca de plásticos que coletam de suas casas e das ruas.
Espuerta disse que os paroquianos e os padres têm sido receptivos aos ecobricks, vendo-os como parte da solução para o uso excessivo de plásticos. "Há uma esperança com esse problema do uso excessivo de plásticos, que pode ser minimizado", disse ele.
Grupos que trabalham para acabar com a poluição plástica dizem que, embora os ecobricks possam oferecer uma abordagem de curto prazo para o problema dos plásticos existentes, eles não abordam o problema principal — a produção — enquanto apresentam desafios adicionais.
O relatório da GAIA examinou várias formas de reutilizar plásticos, incluindo através dos ecobricks. Seus autores levantaram preocupações de que os plásticos eventualmente se degradarão, especialmente quando expostos à luz solar, e então liberarão substâncias tóxicas no solo e nas fontes de água. Eles também levantaram questões sobre o que acontece com os ecobricks no final de sua vida útil, já que a mistura de vários tipos de plásticos tornaria a reciclagem ainda mais difícil.
"Esses tipos de projetos são soluções transitórias até que políticas e investimentos de longo prazo estejam em vigor, incluindo políticas e investimentos para uma transição justa", disse Mayang Azurin, vice-diretora da GAIA Ásia-Pacífico, ao EarthBeat por e-mail.
A Global Ecobricks Alliance não desconsidera os impactos prejudiciais que os plásticos têm nos ecossistemas e afirma que seus padrões para a construção de tijolos mantêm o plástico ao reduzir significativamente a quantidade de superfície de plástico exposta aos elementos. A aliança acredita que os tijolos fazem parte da transição para longe dos plásticos e dizem que eles evitam a energia, despesas e emissões de gases de efeito estufa associadas à reciclagem, despejo ou queima dos plásticos.
Outros grupos que trabalham para acabar com a poluição plástica dizem que a atenção precisa se concentrar menos em soluções paliativas e mais em interromper os plásticos no ponto de produção, incluindo através de leis e ações como o tratado internacional de plásticos.
"Cada modelo científico único que investigou como reduzir significativamente a poluição plástica descobriu que precisamos começar reduzindo a quantidade de plásticos que estamos fabricando e usando em primeiro lugar", disse Anja Brandon, diretora associada de política de plásticos dos EUA, durante uma coletiva de imprensa em 10 de abril sobre o tratado de plásticos.
"Infelizmente, resolver a poluição plástica vai exigir muito mais do que encontrar formas de lidar com o lixo plástico pós-consumidor", disse Melissa Valiant, diretora de comunicações da Beyond Plastics, dos EUA, ao EarthBeat. "A crise da poluição plástica nunca será mitigada sem reduções drásticas na produção e uso de plásticos — este é um problema que precisa ser interrompido na fonte."
Os Missionários do Sagrado Coração não têm ilusões de que os ecobricks resolvam o problema da poluição plástica.