O que o Espírito diz às paróquias

Foto: Cathopic

09 Junho 2021

 

"Quando um grupo de pessoas compartilha uma visão de Igreja e um estilo de evangelização, com o tempo pode modificar um âmbito da vida paroquial (por exemplo, a caritas ou a iniciação cristã) e, assim, tornar-se um sinal para toda a comunidade da mudança que está ocorrendo", escrevem Ivo Seghedoni e Fabrizio Rinaldi, em artigo publicado por Settimana News, 04-06-2021. A tradução é de Luisa Rabolini.

 

Eis o artigo.

 

O período de pandemia e a consequente redução das atividades pastorais tradicionais foram uma oportunidade para muitos agentes pastorais, ministros ordenados e leigos dedicarem tempo e energia à reflexão, à formação, ao debate sobre as mudanças que afetam o corpo eclesial.

 

Um caminho dentro de uma ampla efervescência

 

Ao longo do inverno e da primavera italiana, sete paróquias das dioceses de Florença (quatro paróquias), Pescia (duas paróquias), Reggio Emilia (uma unidade pastoral) estiveram envolvidas em um percurso de discernimento das práticas pastorais em curso: nove encontros de reflexão sobre as experiências pastorais individuais, das quais resultou um quadro mais geral sobre a situação das paróquias na Itália hoje.

 

Trata-se do Projeto Paróquia - 1: um título que quer assumir a necessidade de partir, num caminho de renovação, da leitura teológico-pastoral da vivência de comunidade, da história "ordinária" e das escolhas feitas nas últimas décadas, e que estão por baixo do rosto que as paróquias mostram hoje.

 

O grupo, composto por sete párocos e alguns leigos corresponsáveis na atividade pastoral, nasceu espontaneamente a partir do convite dirigido pelo ISSR da Toscana e pelo ISSR da Emília a algumas paróquias; o trabalho de pesquisa e de debate foi acompanhado por uma equipe de coordenação, liderada por Serena Noceti e Marco Giovannoni e por uma equipe de especialistas, professores dos dois Institutos envolvidos, que definiram etapas, método, instrumentos para o percurso comum.

 

A ideia-chave em torno da qual o projeto se desenvolveu é acompanhar a transição das paróquias de um modelo ainda parcialmente "tridentino" para uma presença missionária na região, acolhendo a visão eclesiológica do Papa Francisco.

 

Este percurso, compartilhado entre Toscana e Emília, insere-se num interesse mais amplo e vivo pelo estudo do "estado de saúde" da paróquia que está passando, nesta mudança de época, por profundas transformações. Mudanças que exigem uma interpretação e orientações se quisermos devolver às paróquias "a capacidade de se reformar e adaptar constantemente" para que continuem a ser "a própria Igreja que vive no meio das casas dos seus filhos e das suas filhas" (EG 28).

 

Esta proposta, de fato, acompanha o que está nascendo, com diferentes metodologias e sujeitos envolvidos, na Região de Puglia, por determinação da Conferência Episcopal de Puglia (com um projeto que envolve todas as 19 dioceses; no final de julho haverá três dias de formação em Santa Cesarea Terme para os animadores do projeto), e na zona do Trivêneto, por decisão de um grupo de professores do ISSR San Pietro Martire de Verona (no final de agosto haverá três dias de formação em Asiago para os formadores).

 

Libertar o Espírito, mas com método

 

Acolhendo as perspectivas formativas do Projeto Segundo Anúncio, animado pelo frei Enzo Biemmi e por uma equipe de especialistas (Santa Cesarea Terme, 2013-2018, documentado nas publicações intituladas Il Secondo Annuncio, EDB), o Projeto Paróquia - 1 colocou no centro as narrativas da vida comunitária e na sua interpretação. Um relato, uma grade de interpretação, um método de trabalho em grupo: três instrumentos necessários para ativar um discernimento pastoral eficaz e significativo.

 

O trabalho foi realizado em três etapas: a primeira, vivida nas comunidades paroquiais, conduziu à elaboração do “relato pensado” da experiência; a segunda e a terceira, organizadas online (respectivamente sete encontros, um encontro final, cada um com três horas de trabalho), visavam interpretar os relatos compartilhados e identificar critérios comuns para a renovação da práxis.

 

Com base na grade de discernimento, elaborada pelo grupo de especialistas, as sete paróquias envolvidas fizeram, em primeiro lugar, um breve relato escrito da sua experiência comunitária, tomando como ponto de horizonte a Evangelii gaudium e o desafio de evangelização que a exortação entrega.

 

Em alguns casos, o pároco envolveu o conselho pastoral, em outros alguns agentes pastorais, em uma paróquia foi distribuído um questionário que envolveu algumas centenas de pessoas.

 

O relato recolheu, segundo uma abordagem diacrónica, as etapas fundamentais da vida paroquial, relembrou as figuras mais significativas (a começar pelos párocos) e alguns eventos - muitas vezes dolorosos - que afetaram a evolução do modelo paroquial, citou as atividades mais significativa, identificou os fatores de mudança, os recursos e os problemas presentes.

 

Na segunda etapa essas narrativas foram apresentadas aos demais participantes, que integraram a coleta de dados com perguntas e elaboraram uma interpretação crítica para apreender qual figura de comunidade havia se delineado naquela paróquia, destacando o modelo de evangelização, as dinâmicas de comunicação e de decisão, presença no território. Da escuta da experiência e do trabalho coletivo de interpretação se traçaram alguns elementos paradigmáticos ou critérios norteadores válidos para as paróquias no contexto italiano.

 

De 8 de março a 10 de maio, foram realizados sete encontros de escuta das histórias: o fato de ocorrer online, por um lado, permitiu a presença de todos os participantes e, por outro, pediu a cada um certa criatividade na narração (também realizado através slides e imagens) e um respeito rigoroso pelos tempos.

 

O método escolhido incluiu também, para cada narração, a produção de textos escritos: a "história", redigida pela comunidade paroquial e enviada a todos antes do encontro, e um resumo geral das interpretações, escrito por um membro da equipe dos especialistas, à luz das contribuições que surgiram no encontro.

 

Superada a aparente rigidez da grade - que, como todo instrumento, no começo parece atrapalhar, enquanto na realidade orienta a dar passos ordenados e compartilhados - os participantes aprenderam progressivamente um modo de proceder que lhes permitiu entrar na vivência das paróquias examinadas e compreender os seus desafios e recursos.

 

Foi uma surpresa perceber-se libertado de tantas “portas fechadas” através da chave do discernimento, para tornar eloquente uma vivência muitas vezes confusa e complexa de interpretar. Dar o nome a aquele “algo que não vai bem” permitiu aos párocos e colaboradores pastorais se abrirem a um futuro que parece talvez menos “glorioso” do que o passado mitificado pela memória, mas não menos promissor.

 

Os pontos centrais que surgiram e os desafios a enfrentar

 

O terceiro e último passo foi o da verificação crítica da experiência vivida e da reunião de alguns pontos centrais das práxis pastorais, de alguns percursos face à mudança almejada, de alguns critérios transformadores que os participantes desejam adotar em um futuro próximo.

 

Assim a vida das sete paróquias foi abordada não na forma "estática" de um instantâneo, mas na perspectiva dinâmica de uma leitura das mudanças já em curso, que o Espírito está operando no tecido vivo das comunidades, também através de resistências, esforços, problemas.

 

O que, então, o Espírito diz às igrejas?

 

Os participantes do Projeto Paróquia - 1 recolheram cinco pontos, considerados essenciais para a reforma das paróquias nos passos da Evangelii gaudium e coerentes com o convite a "fazer Sínodo" para ser Igreja.

 

- De uma identidade paroquial já dada, à qual procura-se homologar os indivíduos, a uma identidade pensada na relação com o outro.

 

O primeiro ponto central transformativo refere-se à necessidade de um diálogo criativo com o território, em forte evolução, contra a tentação de “sempre foi feito assim” (EG 33). Já não é mais possível proceder segundo um esquema pré-estabelecido do que “a” paróquia, cada paróquia deve fazer, ou numa perspectiva de tipo centrípeto, do “tentar trazer as pessoas para a paróquia”.

 

É necessário perceber a profunda mudança ligada à imigração, ao novo quadro demográfico e econômico, à difusão de uma cultura que percebe a participação nas instituições (inclusive as eclesiais) de uma forma muito diferente do passado. Um diálogo real com o território exige um estilo de inclusividade para com todos, com a proposta de múltiplos e diferentes percursos de fé - em termos de linguagem e forma – em relação ao que se costuma propor.

 

A proposta deve admitir até mesmo pertenças parciais e valorizar a profundidade humana e vital da busca cotidiana de sentido (o Evangelho do Reino vem antes daquele da Igreja!), bem como a liberdade de arriscar novas traduções da Palavra, especialmente entre os adultos, que se tornaram finalmente sujeito protagonista, abandonando assim uma catequese infantilizante, de enquadramento doutrinal, que segue um esquema descendente nocional, tão típica do modelo formativo da paróquia pós-tridentina.

 

O tema aparece com mais força ainda junto aos jovens: deve-se rejeitar a tentação de homologá-los para manter práxis e estruturas criadas pelas gerações anteriores. Em muitas comunidades paroquiais, agora, jovens e idosos, vivem a percepção de terem se encontrado em um trem que parece ter entrado num desvio sem saída.

 

- Das atividades guiadas por critérios extrínsecos ao primado do testemunho evangélico

 

O Evangelho se expressa em um estilo de cuidado, alegria, beleza, sobriedade que facilmente reconhecemos e que questiona as pessoas sobre sua fé. Mas não raramente as atividades paroquiais respondem principalmente a critérios não evangélicos, como por exemplo, a mera agregação, o prestígio da comunidade ou dos indivíduos, as estruturas a serem mantidas, a ilusão de uma sacramentalização de massa como antídoto para a secularização, as atividades tradicionais (catequese ou devoção) a serem mantidas...

 

Recolocar no centro os caminhos de fé exige que as paróquias sejam abertas à escuta das experiências de vida de quem se aproxima, a promover relações entre pessoas (antes que dos papéis que desempenham na comunidade), a dar mais importância à dimensão pessoal e doméstica da fé em relação ao empenho na a própria paróquia.

 

Por exemplo, perguntamo-nos: na comunidade que símbolos são considerados importantes e que mensagem transmitem? As estruturas são concebidas em função de seu sentido para a comunidade ou, ao contrário, obrigam a comunidade a buscar continuamente voluntários e recursos econômicos para mantê-las?

 

- De uma liderança centrada a uma liderança participada

 

As narrativas das sete paróquias mostraram como é crucial repensar a ministerialidade dos presbíteros, diáconos, leigos, para renovar a paróquia.

 

É necessário que as figuras que exercem uma liderança estejam antes de tudo ao serviço da comunhão e sejam capazes de definir a orientação pastoral geral. Outras funções, embora importantes, como o exercício das atribuições de uma determinada função e ser uma referência afetiva, não devem assumir a primazia.

 

O pároco é obviamente a primeira figura que exerce a liderança na comunidade, mas é necessário reduzir a centralização de poderes na sua pessoa, para partilhar algumas funções com outros (a partir da gestão econômica, mas não só) e valorizar os carismas presentes na comunidade.

 

É necessário também que a paróquia tenha "anticorpos" válidos no que diz respeito ao surgimento de figuras "centralizadoras", sejam elas clérigos, leigos ou políticos (por exemplo, supervisão da diocese, transparência nas comunicações, funcionamento real das unidades pastorais).

 

Por fim, não se pode esconder que, para ter uma liderança mais participada, é necessário mudar as modalidades como a diocese atribui o pároco a uma paróquia, que não pode mais ser unilateral, sem visão e, às vezes, motivada apenas pela “falta de alternativas”.

 

- Do eficientismo como estilo à reconciliação como processo

 

Ser enviado ao mundo "para a remissão dos pecados" (cf. Jo 20, 22-23) exige que a comunidade viva dentro dela processos contínuos de reconciliação. Tanto em relação às feridas de vida que as pessoas carregam, como em referência a vivências eclesiais pouco evangélicas que, por vezes, marcaram a história da própria comunidade.

 

Enfim, em uma comunidade de adultos que com parrésia se confrontam, é inevitável que surjam divergências de ideias e às vezes divisões, que só não se tornam fraturas se a comunidade ativar continuamente percursos de reconciliação fraterna.

 

- Do fechamento no presente/emergência à orientação para o futuro

 

É necessária de uma desmitologização saudável do próprio passado eclesial e de algumas figuras, que devem ser “deixadas para trás”. As paróquias vivem demais de nostalgia! Em vez disso, devem ativar processos sinodais de discernimento para olhar para o futuro, identificando as prioridades.

 

Estas últimas tornam-se reais se não se traduzem apenas em iniciativas isoladas, mais ou menos extemporâneas, mas ativam processos transformativos de longo prazo, graduais, mas incisivos.

 

Quando um grupo de pessoas compartilha uma visão de Igreja e um estilo de evangelização, com o tempo pode modificar um âmbito da vida paroquial (por exemplo, a caritas ou a iniciação cristã) e, assim, tornar-se um sinal para toda a comunidade da mudança que está ocorrendo.

 

Nota do Instituto Humanitas Unisinos – IHU

 

De 04 de junho a 10 de dezembro de 2021, o Instituto Humanitas Unisinos – IHU realiza o XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição, que tem como objetivo debater transdisciplinarmente desafios e possibilidades para o cristianismo em meio às grandes transformações que caracterizam a sociedade e a cultura atual, no contexto da confluência de diversas crises de um mundo em transição.

 

XX Simpósio Internacional IHU. A (I)Relevância pública do cristianismo num mundo em transição

 

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