“A desigualdade não é inevitável, é uma escolha política”. Entrevista com Gabriela Bucher

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08 Fevereiro 2021

Heba Shalan é mãe de cinco filhos e enfermeira. Vive no campo de refugiados de Jabalia, ao norte da Faixa de Gaza. “Ter que viver dessa forma é angustiante. Você teme por sua vida e pela vida de seus pacientes ao mesmo tempo”, disse a mulher de 40 anos à Oxfam Internacional.

Os centros médicos em Gaza, com fundos extremamente insuficientes, estão lutando para enfrentar a alta demanda por serviços, muitas vezes incapazes de fornecer aos seus funcionários o equipamento de proteção individual necessário, um problema que também afeta milhões de pessoas no mundo. Desde o surto na Palestina, onde os casos de COVID-19 se aproximam de 160.000, Heba vive com medo de transmitir o vírus para sua família.

“A mentira de que os mercados livres podem proporcionar assistência sanitária para todos, a ficção de que o trabalho de cuidados não remunerado não é trabalho, o mito de que estamos todos no mesmo barco. Apesar de todos flutuarmos no mesmo mar, é claro que alguns navegam em superiates, enquanto outros se agarram a escombros flutuantes”, afirmou António Guterres, secretário-geral da Organização das Nações Unidas.

E é justamente o que a ONG Oxfam alerta em seu relatório O vírus da desigualdade: A pandemia do coronavírus tem potencial para agravar a desigualdade em praticamente todos os países do mundo, ao mesmo tempo, uma situação sem precedentes desde que existem registros.

Em entrevista, Gabriela Bucher, diretora executiva da Oxfam Internacional, fala sobre como as maiores fortunas do mundo demoraram apenas nove meses para recuperarem seu nível de riqueza, ao passo que as pessoas em situação de maior pobreza poderão precisar de mais de uma década para se recuperar da crise.

Segundo dados da Oxfam, o aumento da fortuna dos 10 bilionários mais ricos do mundo, desde o início da crise, seria o suficiente para evitar que alguém caísse na pobreza por conta da pandemia. Enquanto isso, as áreas mais pobres de países como França, Espanha e Índia têm as maiores taxas de mortalidade e contágio.

A entrevista é de María Paula Ardila, publicada por El Espectador, 03-02-2021. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

Quais são as projeções sobre o impacto da pandemia na pobreza mundial?

Durante a pandemia, e em plena crise econômica global, a riqueza dos bilionários experimentou um enorme crescimento global: 3,9 trilhões de dólares, em nove meses. Isso é porque as bolsas se recuperaram nesse período e a maioria dos bilionários tem suas riquezas lá. No entanto, a economia real está seguindo outro trajeto, empregos estão sendo perdidos e empresas indo à falência, é aí que temos todos os fenômenos de aumento da pobreza.

Se nada for feito, e continuarmos experimentando níveis crescentes de desigualdade, 500 milhões de pessoas no mundo podem chegar a níveis mais elevados de pobreza, e sair dessa pobreza pode demorar mais de 10 anos.

Qual é a relação entre educação e desigualdade?

Em 2020, mais de 180 países fecharam temporariamente suas escolas e, no pior momento, 1,7 bilhão de estudantes deixaram de ir à escola. É provável, por exemplo, que muitas meninas não retornem à escola após a pandemia. Isso porque se dedicaram a outras tarefas e porque as normas sociais e de gênero ainda fazem com que as famílias tenham expectativas diferentes em relação a elas. Em certas partes do mundo, há um grande aumento do casamento precoce, por exemplo, esta é uma das maneiras pelas quais as famílias sobrevivem a situações de crise.

Segundo as estimativas, a pandemia reverterá os avanços alcançados nos últimos vinte anos em relação à educação das meninas, o que se traduzirá em aumento da pobreza e da desigualdade. Existe um retrocesso na inclusão de meninas, e o mesmo ocorre em comunidades marginalizadas por raça ou etnia.

Como a pandemia aprofundou a desigualdade na América Latina?

A desigualdade econômica tem um custo humano imenso, especialmente durante uma pandemia. Cerca de 27% de todas as mortes por COVID-19 ocorreram na América Latina e no Caribe, apesar da região representar apenas 8% da população mundial.

De fato, nos Estados Unidos, a população latina e negra tem maior probabilidade de morrer de COVID-19 do que a população branca. Algo semelhante ocorre no Brasil, onde a população negra tem 40% mais chances de morrer de COVID-19 do que a população branca. E é possível que os mesmos números do Brasil se apliquem à Colômbia, onde se sabe que existem muitas barreiras de acesso ao sistema de saúde para comunidades indígenas e afros.

Quais são algumas soluções para combater a desigualdade na região?

É necessário repensar a economia. Não podemos continuar falando apenas de crescimento econômico porque o benefício é totalmente desigual. Esse mesmo crescimento em um país com maior distribuição de renda gera mais bem-estar geral. E os exemplos são conhecidos há muito tempo e são os países escandinavos onde também existe maior equidade de gênero e onde a economia do cuidado é trabalhada de forma diferente.

É dito que se alguém fala em redistribuição e maior igualdade quer dizer que está contra o sistema, mas este pode funcionar de forma muito mais distributiva para ter um maior investimento nos sistemas de proteção social, acesso à saúde, educação de qualidade e seguro-desemprego.

É necessário ter uma base de arrecadação maior e, de fato, a Colômbia possui uma das menores bases de arrecadação com o sistema atual. A Argentina, por exemplo, optou por introduzir um imposto sobre as grandes fortunas para a recuperação da COVID-19. A desigualdade não é inevitável, mas uma mera escolha política.

Os governos em todo o mundo devem aproveitar esta oportunidade para construir economias mais equitativas e inclusivas que sirvam para proteger o planeta e acabar com a pobreza. Estas medidas não devem ser soluções temporárias que valem apenas em situações de desespero, mas uma nova normalidade para que os nossos modelos econômicos estejam verdadeiramente ao serviço de todos e não apenas de uma minoria privilegiada.

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