“As práticas missionárias serão colonizadoras, onde só se pensa em ensinar para os outros e não aprender dos outros”, afirma Pe. Justino, salesiano indígena

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11 Setembro 2020

A ação evangelizadora da Igreja em meio aos povos indígenas deve partir da base daquilo que o Papa Francisco lhes falava no Encontro em Puerto Maldonado: vocês são os Interlocutores principais. Partindo dessa ideia, o padre Justino Sarmento Rezende, salesiano do povo tuyuka, refletia sobre “A Vida Religiosa na perspectiva indígena”, dentro do Seminário Virtual sobre Vida Religiosa y Amazônia, organizado pela CLAR, de 9 a 11 de setembro, que tem por tema: “Amazônia: Novos Caminhos para a Vida Religiosa e uma Ecologia Integral”.

A reportagem é de Luis Miguel Modino.

Segundo o salesiano, “o Papa Francisco fortalece a nova leitura da ação evangelizadora: os indígenas não somos objetos e destinatários da missão da Igreja, mas são sujeitos, protagonistas e interlocutores da missão na Amazônia”. Como indígena do povo tuyuka, ele afirma que “nós povos indígenas possuímos rostos e corações próprios! Esses rostos e corações brotam, nascem e dão muitos frutos. Nós temos raízes profundas desde as nossas ancestralidades. Elas resistem e fortalecem para que nós não deixemos de ser indígenas em contextos atuais”.

Entre os indígenas o cuidado da Casa Comum nasce da ideia de que “para nós indígenas o universo é nossa Casa, construída pelo Criador e Criadora”, a quem eles confiam sua existência, algo que eles aprendem com “os anciãos e anciãs, pois eles detêm sabedorias ancestrais e garantem a sustentabilidade de nossas vidas. São os esteios de nossas Casas”, afirma o religioso indígena. Ele destaca a importância das cerimônias rituais, que “criam conexões entre as nossas espiritualidades, teologias e filosofias com as de outros povos, a interligação entre os diversos patamares do universo, as cerimônias rituais invocam proteções, acalmam e apaziguam os perigos”.

Diante dessa realidade, o padre Justino insiste em que “quem chega de longe e é de outras culturas precisa ter a paciência consigo mesmo e com as pessoas que praticam outras culturas”, insistindo na necessidade de “aprender a escutar e aprender suas línguas indígenas, aprender a conviver”, sabendo que “é um processo lento para algumas pessoas”. Ele reconhece que a Igreja “há algum tempo realiza um doloroso e demorado processo de passar de uma Igreja Colonizadora para a construção de uma Igreja Inculturada e Encarnada”. Segundo o salesiano “teoricamente é um processo fácil, mas na prática é um processo lento, doloroso, pois temos que nos morrer para nascer noutra cultura diferente da nossa”.

Um elemento importante é descobrir que “o Encontro Intercultural é um processo que exige o reconhecimento do Outro como importante, como interlocutor. Ele não é inferior nem superior, nem melhor nem pior”, afirma o perito sinodal. Para isso a Igreja deve “cultivar a Espiritualidade da Escuta, parar, olhar, ter paciência”. A atitude de escuta surge quando consideramos o outro importante, e é por isso que sem isso “nossas atitudes missionárias ainda serão práticas missionárias colonizadoras, onde o missionário e a missionária só pensam ensinar para os outros e não querem aprender dos outros”, afirma o salesiano, que vê preciso “passar por uma profunda conversão de alma, corpo, das atitudes, da mente e da prática missionária”.

Se faz necessário trabalhar juntos com os diferentes, estabelecermos uma aliança de interlocutores, ser uma Igreja Samaritana, próxima das pessoas, estar dispostos a, por amor, morrer pelo bem do povo, defendendo os seus direitos, afirmava o padre Justino, que lembrava que “muitos missionários estão enterrados em meio aos povos que tanto amaram”.

Ser missionário na Amazônia é estar disposto a assumir o trabalho intercongregacional, “deixar sua casa, a pastoral de conforto para sair em direção onde o povo está, viajar de canoa, pegar chuva, sol, percorrer estradas, passar por cachoeiras, cair, levantar, ficar doente, ser cuidado, passar fome, desfazer certas regalias da modernidade”, segundo o missionário na diocese de São Gabriel da Cachoeira, a mais indígena do Brasil. Ele afirma que “a presença do missionário e da missionária torna os indígenas fortes e corajosos para lutar, serem respeitados e ganhar a vida”. Para isso se faz necessário ter “atitudes de renúncia ao que nos parece mais fácil e melhor para os nossos interesses pessoais”, segundo o salesiano, que destaca a importância de “suscitar vocações do lugar onde nós atuamos”.

Os novos caminhos para a vida religiosa na Amazônia devem estar em consonância com a ideia de Igreja povo de Deus, uma reflexão que aparece no Concílio Vaticano II. A reflexão de Peter Hughes, assessor da REPAM, nos ajuda a entender o Sínodo como instrumento que “reflete sobre a vida de Deus no mundo, focalizado numa realidade, num território e nas pessoas que lá vivem”. Na opinião do religioso colombiano, a Amazônia é “uma periferia, onde os habitantes não têm voz nos espaços onde são tomadas as decisões sobre suas vidas”. Nesse sentido, o Sínodo fez com que a periferia se tornasse o centro, daí a importância desta experiência eclesial.

Para Hughes, “é o centro, porque lá descobrimos a presença de Cristo na história, a voz do Espírito”. Ele afirma que “o que é novo no Sínodo é a presença do povo de Deus, das mulheres e dos representantes dos povos indígenas, que participaram com grande clareza e força do Sínodo”. O religioso também tem visto a Amazônia Casa Comum como outra novidade do Sínodo, “que trouxe para Roma muitas pessoas da Amazônia, que se expressaram com grande força”. Segundo o perito sinodal, “o povo de Deus está em caminho”, destacando que “a sinodalidade é fazer um caminho juntos, sabendo que somos diferentes, com uma variedade de dons e carismas”.

O Seminário da CLAR tem servido para apresentar outras realidades e experiência como a Cesta Amazônica, apresentada por João Gutemberg Coelho, quem em nome do Eixo de Formação e Métodos Pastorais, dava a conhecer esse instrumento, que deve ser lançado nas próximas semanas, como elemento que pode ajudar no acompanhamento dos agentes de pastoral e de suas comunidades na Amazônia. Para isso, o irmão marista, apresentava sua metodologia e os módulos que fazem parte dessa Cesta Amazônica, baseados na Doutrina Social da Igreja, e que seguem os conteúdos abordados pelos diferentes eixos da REPAM, abordando temáticas relacionadas com o território, a espiritualidade e a organização.

Também foram apresentadas outras experiências que a vida religiosa realiza na Amazônia como é a itinerância. Nesse sentido, a irmã Arizete Miranda, apresentava o que é a Rede Itinerante da REPAM, estabelecida em 2019, ligando as diferentes equipes itinerantes em nível Pan-Amazônico. Essa realidade se fundamenta, segundo a religiosa, na Evangelii Gaudium, que nos fala da Igreja em saída, com um espírito itinerante, no Documento de Aparecida, no discurso do Papa Francisco aos povos indígenas em Puerto Maldonado, e em todo o processo do Sínodo para a Amazônia. O grande desafio é ser interinstitucional, acrescentando carismas para responder ao espírito missionário, estabelecendo uma experiência de conexão, elementos que se fazem presentes no Documento Final do Sínodo.

Outra experiência, que era apresentada pela irmã Zully Rojas Quispe, é a do trabalho em equipe e intercongregacional. Ela tinha como ponto de partida o fato, constatado pelo Papa Francisco em Puerto Maldonado, onde ela realiza sua missão atualmente, de que “precisamos dos povos originários para moldar culturalmente as Igrejas Amazônicas locais”. Nesse sentido, Querida Amazônia nos apresenta a Amazônia como local de diálogo social, onde a escuta nasce de um dever de justiça. A religiosa dominicana relatava experiências de trabalho em equipe, intercongregacionais, constatando os sucessos e os erros.

Nesse sentido, ela refletia partindo de algumas constatações, afirmando a necessidade de fazer um processo de aprendizagem pessoal e institucional, de articular e interagir, de descobrir que tudo está interligado, descobrir o Deus Trinitário, que é comunidade, que acompanha, que faz silêncio e chora na Amazônia. A religiosa destacava a importância do Sínodo como kairos, e que os povos se reconhecem no processo sinodal, algo importante para os povos indígenas, que nem sempre foram escutados. Por isso, a auditora sinodal vê o trabalho intercongregacional como um novo tempo para ensaiar sem medo, superando estruturas físicas e mentais herdadas e internalizadas, se perguntado, onde está a novidade de nossa presença na Amazônia?

Esse trabalho em equipe também enfrenta desafios, como é que nem sempre é claro o objetivo do projeto. Um outro desafio é confiar no poder articulador e de convocação dos membros. Junto com isso, não reproduzir modelos estagnados, integrar a diversidade, as diferenças, ter claro a identidade, escutar e promover a formação.

 

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