04 Setembro 2018
Nós solicitamos ao padre Pierre Vignon um comentário, após o artigo que o Sismografo publicou, a propósito do Código de Direito Canônico sobre a punição de crimes. (1)
O padre Pierre Vignon é sacerdote da diocese de Valence e juiz do tribunal eclesiástico interdiocesano de Lyon.
O texto é publicado por Il Sismografo, 03-09-2018. A tradução é de André Langer.
Permita-me felicitá-lo por sua crônica de 1º de setembro, na qual você, com razão, chama a atenção para um aspecto negativo do direito penal da Igreja. Não é necessário ser um grande canonista para saber que o direito penal eclesiástico precisa ser completamente revisto. Até o momento, vários projetos foram elaborados com esta finalidade, mas nenhum deles foi bem-sucedido.
O tempo presente coloca a Igreja diante da necessidade de reformulá-lo. Mesmo que seja apenas uma parte do conjunto do direito canônico, essa revisão deve ser obra de toda a Igreja. Acontece que a Santa Sé tem uma longa história nesse tipo de trabalho. Basta dizer que foram necessários 24 anos de consultas globais entre o apelo do Papa João XXIII e a promulgação do atual código pelo Papa João Paulo II em 1983. Levará menos tempo para reformular essa parte importante da lei e fazê-la evoluir.
Nunca devemos esquecer que a Igreja atravessou várias civilizações e que traz consigo, ao mesmo tempo, uma certa sabedoria do passado, mas também algumas manifestações que não funcionam mais. Um meio religioso é, por definição, conservador. Pensemos no hábito religioso dos séculos passados, que era o das pessoas simples do povo e que hoje em dia se tornou simplesmente ridículo. O mesmo vale para algumas leis que podem ter sido boas na sua época.
O Papa Francisco – em relação a quem não é nenhuma calúnia dizer que ele realmente não tem uma cultura jurídica, porque ele tem claramente a alma de um missionário, dada a sua função como pastor supremo – tem tudo nas mãos para lançar o canteiro da reforma do direito penal. Poderíamos, assim, manter do passado o que é útil e rejeitar o que se tornou contraproducente, como o ponto do direito que você especificamente assinalou.
Neste espírito, sem me tomar como um reformador, uma vez que não tenho nenhum título para isso, permitam-me assinalar os seguintes pontos de atenção que devem ser revistos: uma maior autonomia da justiça eclesial e dos inquéritos canônicos para que um bispo não precise ser ao mesmo tempo juiz e parte; a introdução de mais especialistas canônicos leigos do que atualmente é o caso, especialmente de mulheres (já temos excelentes mulheres, mas é preciso desenvolver sua participação, especialmente porque elas são mais sensíveis do que os homens às questões que afetam as crianças); a transferência sistemática dos arquivos para um tribunal eclesiástico neutro em relação aos locais onde ocorreram os eventos criminais e delituais; a abolição do segredo pontifício na sua forma atual por razões que afetam a moral; a publicidade sistemática das decisões, porque os bispos têm a tendência de engavetar os decretos; a informação regular das vítimas; o reforço dos direitos dos queixosos, para que não pareça que apenas os clérigos sejam protegidos; a introdução de um crime de abuso por alguém que tem autoridade (para que pudéssemos fugir da questão de menores e maiores. Um clérigo que dorme com um paroquiano ou uma paroquiana logo após esse ou essa chegar à sua maioridade seria tão culpado quanto antes, porque ele seria condenado pelo abuso de sua posição de autoridade).
Há muitos outros pontos em que não pensei, mas outros mais inteligentes e mais instruídos do que eu o farão. O que posso dizer é que o papa teve a inteligência de apresentar bem o problema. Não se trata apenas da dolorosa questão dos abusos sexuais, mas de uma cultura do abuso espiritual que ele chamou de clericalismo. Léon Gambetta, na França, em 1878, lançou este grito não muito longe de casa, em Romans-sur-Isère: "O clericalismo, eis o inimigo!". Cento e quarenta anos depois, o pontífice romano retoma o mesmo grito.
Este é um dos assuntos mais sérios que requer uma grande reflexão e uma ação sustentada. O clericalismo é a fonte da cultura do abuso e de seu encobrimento. Hoje está extremamente claro graças à carta do Papa Francisco ao Povo de Deus. Parece-me que devemos responder ao seu chamado e seguir resolutamente esse caminho.
Estes são, caro Doutor, os pensamentos que sua linda crônica me sugerem. Por favor, aceite minhas saudações respeitosas e cordiais para você, seus colaboradores e os seus.
Nota de IHU On-Line:
[1] A notícia comentava um artigo do Código de Direito Canônico que afirma: "Para uma transgressão oculta nunca se imponha uma penitência pública". Segundo o autor do artigo, "este princípio jurídico, mesmo fazendo parte do Código de Direito Canônico, é medieval, intolerável, e não tem nada a ver com a verdadeira moral cristã. Ele precisa ser discutido e sobretudo modificado porque é anti-evangélico, anti-cristão e inumano".