26 Agosto 2020
O impacto da falta de acesso à água e da violação dos direitos humanos foi o foco da discussão no V Fórum "Do Direito à Água ao Direito à Esperança", realizado em 25 de agosto, que teve como tema "Do Direito à Água ao Direito à Esperança: Novos Paradigmas no Direito Ambiental". Estes fóruns, que começaram em junho passado e encerrarão em 17 de setembro, são organizados pelo Instituto de Diálogo e Cultura do Encontro e pela Rede Eclesial Pan-Amazônica - REPAM.
A reportagem é de Luis Miguel Modino.
Neste quinto encontro, o desafio de um novo pacto entre a humanidade e o planeta foi um elemento abordado pelos participantes, algo necessário, segundo Luis Liberman, Diretor do Instituto de Diálogo e Cultura do Encontro, que junto com Gabriela Sacco estão liderando os debates. Para Liberman, os paradigmas clássicos entraram em crise, o que o leva a afirmar que precisamos de novos paradigmas. Ele vê como um dos problemas, a intermitência na gestão das políticas públicas neste campo do acesso à água, o que, em sua opinião, exige a necessidade de políticas estatais para garantir a sobrevivência do planeta.
O fórum deste 25 de agosto também abordou a ausência ou falta de proteção do recurso em populações vulneráveis, analisando cenários concretos com perspectivas da lei, políticas e estratégias para a solução destas situações em horizontes temporais de curto, médio e longo prazo. Na opinião de Luis Liberman, trata-se de levantar os desafios do futuro através do diálogo, pensando juntos sobre como construir o futuro em um momento tão especial como o que a humanidade está vivendo diante da pandemia da COVID-19. Estamos diante de situações críticas, tais como os incêndios no continente americano, que matam a Terra e matam o homem e nos lembram o compromisso da humanidade de cuidar de seu planeta.
Isto deve levar, segundo o Diretor do Instituto para o Diálogo e a Cultura do Encontro, a pensar juntos sobre a saúde do homem e a saúde do planeta, algo para o qual este fórum "Do Direito à Água para o Direito à Esperança" está contribuindo. O desafio enfrentado pela humanidade, afirma Liberman, é ter a coragem de apresentar propostas e colocá-las em ação, o que deve levar a viver em uma sociedade pró-ativa em direção ao bem comum, o que não significa viver em ingenuidade.
V Fórum Do Direito à Água ao Direito à Esperança (Foto: Luis Miguel Modino)
A água está presente na reflexão eclesial há muito tempo, algo em que Dom Marcelo Sánchez Sorondo insistiu, referindo-se ao discurso de São Paulo VI, em 1975, na Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano, onde ele disse que o cientista "deve considerar honestamente a questão do futuro terreno da humanidade e, como pessoa responsável, deve ajudar a prepará-la, preservá-la e eliminar os riscos: acreditamos que esta solidariedade com as gerações futuras constitui uma forma de caridade à qual muitas pessoas são sensíveis hoje, dentro do quadro da ecologia", o que mostra que a preocupação com os cuidados da Casa Comum não é algo que surgiu com o Papa Francisco.
Sánchez Sorondo partiu da ideia de que a água foi declarada um bem comum de toda a humanidade e do Planeta. A água é a fonte da vida, para citar o filósofo grego Thales de Miletus, para quem a água é o princípio fundamental de todas as coisas. Em seu discurso, o prelado abordou a questão da produção de água e como a mudança climática, causada pelo uso e abuso dos combustíveis fósseis, afeta essa produção de água. Segundo Sorondo, a destruição do clima destrói as condições de produção de água, portanto, se não reduzirmos o dióxido de carbono, no qual se baseia a economia, destruiremos o ciclo da água.
Para o Chanceler da Pontifícia Academia de Ciências do Vaticano, estamos vivendo uma situação trágica, consequência das políticas de alguns presidentes, especialmente Trump, que não acredita na mudança climática, o que nos coloca diante de um problema vital, diante do qual ele diz que a Igreja está preocupada. Na verdade, o Papa Francisco vê o problema como tão grave que a água poderia causar uma guerra mundial. O caminho a seguir é tentar mudar nosso mau uso de energia, gerada a partir de materiais fósseis, propondo também como alternativa a dessalinização da água do mar.
Não se pode ignorar que dois bilhões de pessoas não têm acesso à água, algo que junto com a pandemia da COVID-19 nos desafia, segundo Kate Roll, a pensar de novas maneiras, a repensar o papel do Estado, a resolver as desigualdades. A Diretora de Estudos do Institute for Innovation and Public Policy, University College London (IIPP), vê como essencial que os estados invistam em políticas de inovação. Ela destaca a importância do que ela chama de comunidades epistêmicas, como algo que ajuda a pensar no direito à água limpa, criando princípios ou normas compartilhadas, que ajudam a fundamentar o que é certo, propondo soluções para problemas, a partir de evidências, idéias, para chegar a conclusões que influenciam os formuladores de políticas. O objetivo dessas comunidades epistêmicas deveria ser buscar soluções que levem a perguntar que tipo de bem-estar queremos, pensando no que podemos fazer e o que o mundo pode fazer.
O sistema de infraestrutura de água é uma área onde há muito capital de investimento, na opinião de Diane Desierto, que insiste que a água é extraída de recursos naturais que fazem parte do estado, não de propriedade daqueles que a distribuem. Nesta perspectiva, ela afirma que o direito à água não é fictício, é um direito vinculante, que deve ser assumido por todos os Estados, pois a água é um assunto para os governos. Para a professora de Direitos Humanos e membro do Comitê Consultivo do Centro Klau de Direitos Humanos e Civis da Universidade de Notre Dame, é hora de pensar em trazer para o quadro de concessões de água a questão de como a água chega aos cidadãos, insistindo que com relação à água deve haver prioridade no uso pessoal e doméstico, e nas consequências climáticas de tudo isso.
Uma reflexão fundamental para Diane Desierto é o direito de poder ter condições iguais para todas as pessoas, se a água for acessível a todos, já que a distribuição da água é afetada por questões demográficas ou raciais. É por isso que os Estados têm que garantir o direito à água para todos os indivíduos, para proteger as pessoas, mesmo em tempos de emergência, como é o caso da COVID-19. A professora insiste que os estados devem garantir o acesso físico à água monitorando as empresas e sancionando aqueles que não garantem este direito. Ao mesmo tempo, ela destaca a importância da participação da comunidade na gestão da água e da justiça restaurativa quando o direito à água não é desfrutado.
Transformar os princípios de Laudato Si em políticas estatais é um desafio, segundo Enrique Cresto, que diz que a Argentina não pode garantir o direito à água potável e ao saneamento a todos os seus cidadãos. Diante desta realidade, é necessário construir um sistema de justiça da água que ajude a superar a assimetria do território e dos recursos econômicos. De fato, segundo o Presidente do Ente Nacional de Obras Hídricas de Saneamento - ENOHSA, a contaminação das fontes de água e a falta de saneamento causam conflitos, uma vez que as fontes de água, especialmente os rios, são onde os resíduos são descartados. Portanto, a necessidade de políticas estatais em todos os níveis para resolver conflitos, algo que afeta os setores mais vulneráveis.
V Fórum Do Direito à Água ao Direito à Esperança (Foto: Luis Miguel Modino)
De fato, na Argentina há muitos bairros populares sem acesso à água, que é onde a COVID-19 está se expandindo mais. O presidente da ENOHSA fala sobre conflitos de vizinhança devido à escassez de água, que junto com outras causas, exige dos Estados um marco regulatório que estabeleça as diretrizes para o acesso à água, garantindo o acesso à água para os setores mais vulneráveis. Além disso, Cresto destaca a importância de aumentar a conscientização do uso racional da água. Neste sentido, ele afirma que se não transformarmos tudo relacionado à água em políticas estatais, não conseguiremos alcançar o que Laudato Si propõe, nem os princípios do desenvolvimento sustentável.
Estratégias legais devem ser buscadas para garantir os recursos hídricos, de acordo com Joana Setzer. Para a pesquisadora do Grantham Research Institute on Climate Change and Environment e diretora do projeto de pesquisa sobre litígio climático no Reino Unido, o conceito de litígio climático é importante, algo que está muito centrado nos Estados Unidos, mas que está se espalhando para outros países. Em sua opinião, os direitos humanos são muito importantes como base para estes casos, observando que a justiça tem sido lenta em compreender os direitos em referência à mudança climática. Em sua intervenção ela apresentou diferentes casos de litígio, levantados por indivíduos contra governos e contra empresas. Estamos vivendo em um momento em que, em sua opinião, é hora de avançar, de unir forças para resolver os problemas atuais.
Estamos sempre procurando novas abordagens para lidar com o problema da água, na opinião de Gabriel Eckstein, algo que é motivado pelo fato de termos pessoas que não podem desfrutar de água limpa, o que tem gerado sérios problemas em muitas comunidades. O professor de direito e diretor do Programa de Recursos Naturais, Meio Ambiente e Sistemas de Energia da Universidade do Texas, diz que estamos diante de uma nova abordagem das comunidades. Nesse sentido, ele falou da personalidade jurídica dos rios, algo que lhes confere uma capacidade legal para proteger seus direitos e sua integridade como rio. Esta iniciativa está presente em diferentes países, como Equador, Bolívia, Nova Zelândia, Colômbia e Índia.
Isto permitiu que os tribunais mostrassem que a legislação não estava funcionando. Eckstein também falou sobre a figura dos custódios do rio, afirmando que tudo isso dá ao rio a capacidade de se proteger, até certo ponto. Portanto, é necessário monitorar para ver se este modelo é algo viável. Não podemos esquecer que somos parte do meio ambiente e que o que fazemos nos afeta, especialmente os mais vulneráveis, insiste o professor. Daí a necessidade de diálogo para fazer uma troca, algo fundamental diante do grande poder das empresas, com o apoio dos governos, o que significa que as pessoas não têm voz na tomada de decisões.
Josianne Gauthier insistiu na necessidade de transformar nossas vidas e nossos sistemas, numa tentativa de curar, algo que implica uma mudança radical, para a qual é necessária a colaboração mútua. A Secretária Geral de CIDSE (Cooperação Internacional para o Desenvolvimento e Solidariedade), que visa reunir as vozes daqueles que não são ouvidos na política, enfatizou a importância de participar como auditora na Assembleia Sinodal do Sínodo para a Amazônia. Ela a define como uma experiência transformadora, o que nos últimos meses a levou a se perguntar como cuidamos das relações neste tempo de pandemia, o que nos mostra a conexão com Laudato Si.
Para a Secretária Geral de CIDSE, a seca fala de classes sociais e poder aquisitivo. Nesse sentido, a pandemia nos mostrou como somos desiguais, e também como alguns tentaram se beneficiar do caos. Isso causa a necessidade de uma mudança profunda e drástica, que nasce do fato de termos testemunhado adversidades em meio à fragilidade. A crise nos ensinou a perceber que não temos que recuar, que temos que combater a mudança climática, de acordo com Josianne Gauthier. Ela defende um estilo de vida sustentável diante da tentação de cair de novo na necessidade de recuperação econômica, sem perceber que estamos caindo aos pedaços.
Temos que ver como enfrentar a crise climática, refletir sobre como nos tratamos uns aos outros e como respondemos de forma crítica. O confinamento nos levou a deixar para trás coisas que amamos, mas também coisas que são prejudiciais para o planeta, algo que é possível, insiste a secretária de CIDSE. É por isso que ela se pergunta se temos a coragem de enfrentar a mudança, dizendo que sem mudança radical não podemos, porque valorizamos um sistema que permanece prejudicial. Neste sentido, ela vê a necessidade de retomar o que foi visto no Sínodo, uma nova linguagem, abandonando privilégios, vantagens, conforto, porque este planeta não pode sofrer mais danos, quando o planeta está doente, nós ficamos doentes. Isto deve nos levar a encontrar a coragem de fazer da mudança uma realidade, de desconstruir a maneira de agir, de questionar o que valorizamos, a vida ou a riqueza, de respeitar a nós mesmos e o que compartilhamos.
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“Devemos pensar juntos sobre a saúde do homem e do planeta”, afirma Luis Liberman - Instituto Humanitas Unisinos - IHU