24 Março 2020
Este isolamento me deu tempo para pensar sobre como todos nós vamos morrer um dia. Nós simplesmente não sabemos quando. Uma pandemia impossibilita não pensar na morte.
O comentário é do jesuíta estadunidense Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos, de 1998 a 2005, e autor de “O Vaticano por dentro” (Ed. Edusc, 1998), em artigo publicado por Religion News Service, 23-03-2020. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o artigo.
Estou em quarentena devido ao contato com alguém que teve a Covid-19, mas não estou apresentando sintomas.
No entanto, meu isolamento me deu tempo para pensar sobre como todos nós vamos morrer um dia. Nós simplesmente não sabemos quando. É fácil ignorar a morte quando somos jovens ou estamos com boa saúde, mas as doenças e outros desastres nos forçam a reconhecer a nossa finitude. Uma pandemia impossibilita não pensar na morte.
A morte é o grande nivelador. Ela afeta ricos e pobres, famosos e humildes, poderosos e fracos, santos e pecadores.
Na parábola do rico insensato no Evangelho de Lucas, Jesus conta a história de um homem rico que planeja construir celeiros maiores para a sua colheita, mas Deus lhe diz: “Tolo! Ainda nesta noite, tua vida te será tirada. E para quem ficará o que acumulaste?”. E Jesus conclui: “Assim acontece com quem ajunta tesouros para si mesmo, mas não se torna rico diante de Deus” [Lucas 12,13-21].
No Evangelho de Mateus, Jesus também descreve como seremos julgados após a morte. “Eu estava com fome, e me destes de comer”, diz o Filho do Homem [Mateus 25,35]. E aqueles que foram justos vão para a vida eterna.
A expressão latina “Memento mori” – “Lembre-se da morte” – era dita aos generais romanos vitoriosos, para que não se tornassem arrogantes e ambiciosos. A frase foi escolhida por escritores espirituais para lembrar aos cristãos que algum dia eles enfrentarão o julgamento.
Santo Inácio Loyola, o fundador dos jesuítas e um grande guia espiritual, recomendava meditar sobre a morte como uma parte dos seus “Exercícios Espirituais”, uma série de meditações para ajudar uma pessoa em retiro a se aproximar de Deus e a descobrir o que Ele quer que façamos. Inácio pergunta ao retirante: “Se você estivesse no seu leito de morte revendo a sua vida, que decisões você gostaria de ter tomado?”. Isso ajuda o retirante a rever as decisões passadas, mas, mais importante, a pensar nas decisões futuras.
Eis aqui algumas coisas em que podemos pensar durante esta pandemia quando meditamos sobre a morte.
Primeiro, precisamos pensar sobre a família. O Papa Francisco diz que as palavras mais importantes em uma família são “obrigado” e “desculpe”.
Como os idosos são mais suscetíveis ao coronavírus, ligue para casa e diga: “Obrigado”. Agradeça aos seus pais por todos os sacrifícios que eles fizeram por você. Seja específico. Essa pode ser a sua última chance. É verdade que eles não foram pais perfeitos, mas fizeram o melhor que puderam. Se você é pai ou mãe agora, você entende isso.
Diga-lhes que você sente muito por ser egocêntrico e imaturo, e por não dizer a eles com frequência suficiente que os ama. Se eles já morreram, não se preocupe, eles ainda podem ouvi-lo.
Pais, liguem para seus filhos. O tempo está passando; seu tempo está acabando. Diga-lhes como você se orgulha deles. Que você está muito feliz por tê-los como filhos. Diga-lhes que você os ama e sente muito por não ter sido melhor. Diga-lhes que eles são a melhor coisa que já aconteceu com você. Diga-lhes que, quando você for embora, eles ficarão bem, e você torcerá por eles do céu.
Depois, ligue para seus amigos e amigas, e para quem foi importante em sua vida. Diga-lhes o quanto eles significam para você. Agradeça-lhes por ficarem com você quando você foi um idiota ou apenas um chato.
E, se você for realmente corajoso, ligue para alguns inimigos e diga que sente muito por aquilo que você fez para jogar lenha na fogueira da sua disputa. Diga-lhes que você deseja curar essa ferida, se reconciliar. Se não funcionar, se eles desligarem, deixe para lá.
Se você conhece alguém que está doente, envie-lhe orações e seus melhores votos. Se ligar para eles, seja breve. Trata-se deles, não de você.
E, por fim, se conseguirmos passar por tudo isto, não se esqueça de que ainda morreremos um dia. Então, usemos o tempo que nos resta para tornar este mundo um lugar melhor, sendo gentil com as pessoas e com o planeta Terra antes de morrermos.
Estando há uma semana em quarentena, acho que devo praticar o que eu prego.
Meus pais já se foram, e eu não tenho filhos, mas sou grato à minha família jesuíta pela sua tolerância, companheirismo e humor. Sou grato a todos os jornalistas com quem interagi ao longo dos anos (preferiria apenas que uma filha minha não se casasse com um deles).
E sou grato a vocês, leitores e leitoras. Fico sempre admirado que alguém leia as minhas colunas ou se importe com o que eu tenho a dizer. Da mesma forma, aos paroquianos e paroquianas que têm sido tão pacientes me ouvindo pregar. Minhas desculpas pelo meu clericalismo e por não ser uma melhor fonte de alimento espiritual.
Mas, para um cristão, a morte nunca é o fim. Nós acreditamos na ressurreição, na vida após a morte. Então, agradeço especialmente a Deus pela vida e pelo belo mundo que Ele nos deu e por seu Filho que nos amou e liderou o caminho.
Por isso, da próxima vez que vir um belo pôr-do-sol, levante sua taça e louve ao Senhor. E que todos possamos festejar no céu.
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Meditando sobre a morte durante uma pandemia. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU