18 Agosto 2016
A Espanha, para além de seus nacionalismos pós-modernos, que sempre jogam em uma fronteira flutuante e não antagônica, gerou suficientes dispositivos para fingir ser uma “sociedade” e não um povo. Se o povo é sempre raro e contingente, se sua irrupção sempre exige uma construção militante para essa parte excluída de toda representação política, o que outorga ao Povo seu suporte mais real.
O artigo é do psicanalista Jorge Alemán, publicado por Página/12, 15-08-2016. A tradução é de André Langer.
Na Espanha, isto é muito mais difícil, porque o mantra franquista da ordem, da unidade e da totalidade da Espanha é transversal a todas as forças políticas, salvo para o Podemos e as esquerdas que possa aglutinar. A Espanha não teve uma crise orgânica no sentido de Gramsci e sim um grave questionamento do bipartidarismo, o que não é a mesma coisa.
O Podemos soube ler muito bem esta situação, agiu como se realmente tivesse havido uma crise orgânica para assim obter uma tradução política do 15M. Como sabemos, cada vez que se traduz um acontecimento do tipo 15M permanece um resto intraduzível, um saber em reserva suscetível de retornar sob uma nova forma. A “má leitura” do Podemos foi o que permitiu que, em uma Europa atravessada por todo tipo de dimensões históricas, surgisse um movimento político que apontasse numa possível construção popular.
Mas aqui não teve outro remédio senão assumir o dilema maior de toda formação política com vocação emancipatória, não renegar seu ato político de transformação e, portanto, tentar construir a emergência de um povo e, ao mesmo tempo, tornar-se “garante” do princípio da ordem que sustenta a Espanha, especialmente em seu eterno fantasma de “unidade ameaçada”. Fantasma do qual obtêm uma mais-valia de satisfação milhares de “cidadãos”. Também os nacionalistas que fingem que essa mais-valia de satisfação é “roubada” por um Outro espanhol que, em última instância, não existe.
Por tudo isso, o Podemos transformou-se no grande intérprete da Espanha, o que não é necessariamente uma vantagem, porque muitas vezes odeio quem me faz saber o que não queria saber e mais ainda a quem me faz saber o que “eu já sabia”, mas agia de outro modo por puro interesse.
O dilema encontra seu momento mais culminante quando se admite que o sentido último da palavra ordem é o mundo radicalmente “desordenado” pelo Capital e sua mutação neoliberal. Aqui a esquerda populista encontra-se diante de uma escolha forçada: aceitar que esse mundo do Capital não tem exterior nem sujeito político que o desconecte e ao mesmo tempo agir como se existisse um horizonte possível para isso.
Graças ao Podemos, um dilema político apaixonante pelo qual se deve optar – se não quisermos reeditar uma nova servidão voluntária de novo cunho – teve lugar. Seus dilemas neste sentido são os nossos.
“Para poder governar, Podemos tem que mudar, tem que se transformar”
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O dilema político do Podemos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU