25 Agosto 2015
Na política e na opinião pública há, nestes dias, um grande debate, bastante polêmico, sobre o papel da Igreja católica na Itália. Tem como protagonista o Secretário Geral da Conferência dos Bispos Italianos - CEI, D.Núncio Galatino, pelas suas tomadas de posição sociais e políticas. Procuramos aprofundar, com esta entrevista com o historiador da Igreja Massimo Faggioli (docente na St. Thomas University), quais são os desafios que a nova CEI de Galantino, nas pegadas do Papa Francisco, lança à sociedade italiana.
A entrevista é de Pierluigi Mele, publicada por Rai News, 20-08-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
Eis a entrevista.
Professor Faggioli, as palavras de D. Núncio Galantino, pronunciadas dias atrás, marcam evidentemente uma mudança de “paradigma” na Igreja italiana ante a política. Ou seja, estamos na superação definitiva do paradigma do cardeal Ruini? Que tipo de nova relação, ante a política, está emergindo com o Papa Francisco?
É uma Igreja que não tem medo de falar sobre as questões que tocam o humano. Não é menos intervencionista que a Igreja de Ruini, mas não age sobre o parlamento ou sobre os partidos. A Igreja de Francisco não é “liberal” no sentido que não intervém e não aceita uma separação Estado-Igreja que na Itália não existe (diversamente da América ou da França). Mas, fá-lo sem estaticismos e sem contar com o dogma do conservadorismo social dos católicos – que, como é sabido, é um dogma que não existe, a não ser na redação de algum grande jornal do establishment italiano.
Falamos da CEI (Conferência Episcopal Italiana). Também aqui convém registrar resistências da “velha” CEI representada pelo Cardeal Bagnasco, atual presidente. Que não faltou, nestes dias, de tomar distância de Galantino. Quanto poderá durar este equilíbrio precário?
Não se sabe. Bagnasco tem mandato até 2017. Mas, é claro que por ora Galantino fala e Bagnasco observa, e que Galantino é o interpréte do pontificado para a igreja italiana. É um equilíbrio frágil e também neste contexto deve ser lida a decisão de Galantino de não ir pessoalmente à convenção sobre De Gasperi.
Por trás de Galantino está o Papa Francisco. Total é a sintonia entre os dois sobre muitíssimos temas (em particular, sobre a imigração). Pergunto-lhe: que tipo de CEI quer o Papa?
Uma CEI que não se faz de escudo do Vaticano e que tem a coragem de tomar iniciativas próprias, como uma conferência episcopal “normal”. Francisco disse-o claramente desde o início do pontificado, mas há evidentes resistências: o caso das novas normas para a eleição do presidente é um exemplo. Francisco queria uma CEI mais adulta e uma grande parte dos bispos italianos teve medo disto. Falamos do Papa Francisco. E sabido que seu implante “teológico-social” é aquele da “teologia do povo” de matriz latino-americana (ou melhor, argentina).
Para alguns críticos do Papa isto é um limite. Para você?
Para mim não o é. É uma teologia muito fundada biblicamente, na tradição da Igreja, e no magistério do Concílio Vaticano II – certamente não menos do que aquele das últimas décadas (com João Paulo II e Bento XVI) foi o modelo alternativo, aquele da “igreja comunhão”. O catolicismo se tornou um instrumento nas mãos das elites políticas e sociais somente em certos contextos geográficos, e por um longo período da história europeia. Mas, o catolicismo tem uma história mais longa e, sobretudo, não é escravo do modelo europeu.
Entre as tomadas de posição contrárias a Galantino está aquela de Marcello Pera, o “ateu devoto”. Para ele Galantino é perigoso porque quer transformar a “religião da caridade” numa ideologia dos direitos. Qual o seu ponto de vista?
O capítulo de Pera que se propõe como intérprete do catolicismo – especialmente durante o pontificado de Bento XVI – é uma das páginas mais surrealistas e, a seu modo, tragicamente divertida na história das relações entre igreja e política na Itália. Somente com Berlusconi e os seus psicofantas se dá voz a um uso tão cínico e instrumental da Igreja que, infelizmente, encontrou não poucos estimadores também nas hierarquias da Igreja.
Voltemos à política. Qual é o maior desafio que a Igreja de Francisco lança à política italiana?
Ele convida a política a não se tornar escudo do catolicismo como ideologia. Francisco é um Papa anti-ideológico também para as questões internas da igreja, e esta posição é evidente também nas questões políticas. Quem acusa o Papa de ser ideológico o faz numa base ideológica ou simplesmente não sabe do que está falando.
Como está reagindo o laicato católico a este novo tempo?
Os leigos “avulsos” gostam do Papa Francisco. É difícil dizer aquilo que está sucedendo entre o laicato organizado das associações e dos movimentos: após três décadas de humilhações da parte da CEI e do Vaticano (à parte a exceção de CL) parece que perdemos o sentido daquilo que é o seu papel numa Igreja pós-clerical e pós-institucional. É uma falta muito vistosa e grave, paralela ao esfarinhamento de partidos e sindicatos na sociedade e na política italiana.
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“Galantino, secretário geral da Conferência dos Bispos Italianos, e o dogma do conservadorismo social dos católicos”. Entrevista com Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU