16 Junho 2015
"E como é que o Podemos fica neste novo quadro político social? Uma confluência de diferentes forças políticas e sociais nas eleições gerais de novembro será possível? O sucesso dos laboratórios de confluência faz muitos sonharem com uma confluência nacional e cívica para a eleição geral do próximo mês de novembro", escreve Bernardo Gutiérrez, jornalista e escritor hispano-brasileiro e fundador da rede FuturaMedia.net, em artigo publicado pelo sítio Horizontal e reproduzido pelo blog Guerrilha, 12-06-2015.
Madri, Barcelona e as principais cidades espanholas serão governadas por frentes cidadãs independentes, denominadas “confluências”. Ahora Madrid, Barcelona en Comú ou Compostela Aberta (Santiago de Compostela,Galiza) - são confluências tecidas pelo ecosistema social do 15M - Indignados de 15 de maio de 2011.
Alguns partidos como Podemos ou Equo (verdes) se somaram às confluências, mas sem a lógica dos partidos. O resultado das últimas eleições locais da Espanha - nas quais o conservador Partido Popular foi ao colapso - pode modificar o rumo político da Europa.
Eis o artigo.
“Aconteça o que acontecer nas eleições europeias o sinal verde já terá sido dado nas eleições municipais. Com isso chegará a grande prova de fogo dos movimentos que levantam um ataque institucional”. Assim anunciava Traficantes de Sueños - uma influente cooperativa, editora e livraria de Madri - seu curso Ataque aos céus (terceiro round) em maio de 2014. O objetivo do curso estava traçado estrategicamente: “Pensar e desenhar uma aposta municipalista que trabalhe questões chave em torno de como construir uma verdadeira democracia”. Em outras palavras, planejar o salto para as instituições desde o ecossistema do 15M - Indignados que havia tomado as praças do país em 2011. O desafio: passar do grito “não nos representam” ao “nos representamos”.
O plano municipalista estava em andamento muito antes do maremoto que o novo partido Podemos causou nas eleições europeias no 25 de maio de 2014, quando conseguiu cinco euro deputados. Podemos despertava já alguns receios entre alguns movimentos sociais, por sua pressa em “atacar” as instituições e por sua narrativa agressiva. E por isso, um dia depois das eleições europeias, seguindo o roteiro de uma rota prévia, nasceu o livro La apuesta municipalista (A aposta municipalista), assinado pelo Observatorio Municipal de Madri.
O livro elabora o seu subtítulo (“la política comienza por lo cercano” - a política começa pelo próximo) com uma introdução histórica: da Ágora grega ao cantonalismo espanhol do século XIX (movimento que propunha organizar a sociedade em confederações de cidades independentes com federação livre), passando pelas comunas e os municípios livres da segunda república espanhola, do Provos holandês (movimento de contracultura da década de 60) aos Verdes alemães (partido fundado em 80) ou as Juntas del Buen Gobierno zapatista (Juntas do Bom Governo zapatista). O livro publicado com licença copylfet (licença livre para baixar, reproduzir e remixar), era mais que um livro. Era um dispositivo apropriável: o Observatorio Metropolitano de Madri recomendava que cada cidade adaptase o capítulo 4 (dedicado a Madri) por um capítulo local. “As eleções gerais pareciam inviáveis. As eleições municipais eram mais possíveis: poderiam ser abordadas sem aparatos centralizadores de partidos”, assegura Emmanuel Rodríguez, um dos responsáveis de La apuesta municipalista.
O livro se conclui com o capítulo Por um municipalismo democrático: “A democracia perde a maior parte de sua substância se não se institui âmbitos diretos de decisão nos quais as pessoas comuns possam fazer exercício efetivo de um mínimo autogoverno”. O desafio estava lançado. No La apuesta municipalista confluíam de alguma maneira os anseios do EnRed, uma aposta pela organização aberta em Madri no princípio de 2013 por movimentos sociais vinculados ao 15M, pela cultura livre e pelos bens comuns. La apuesta municipalista também era um antídoto coletivo frente ao furacão Podemos. Se EnRed.cc era consenso, assembléia e praças ocupadas, Podemos era ataque institucional e tentativa de hegemonia política. A tentativa de unir os diferentes fluxos político-sociais foi batizado como ‘confluência’. Confluência: algo muito diferente de uma coligação ou aliança político-partidária. Algo mais que uma frente cidadã. Algo mais que uma candidatura de unidade popular. Algo novo, inexistente até um ano atrás.
Ninguém imaginava que uma confluência chamada Ahora Madrid (Agora Madri) acabaria retirando o conservador Partido Popular (PP) da prefeitura de Madri. Como conseguiram? Como se teceram as confluências que tomaram o poder nas eleições de #24M em algumas das cidades mais importantes da Espanha?
Resultados Gerais
Uma edição do Le Monde serve de metáfora perfeita para o processo eleitoral do #24M espanhol: Terremoto político na Espanha. Terremoto. Sem embargo, não é possível fazer uma leitura linear. Impossível simplificar. Difícil encontrar ganhadores e perdedores a primeira vista. A primeira contradição: o Partido Popular (PP), sendo o partido mais votado é o grande derrotado. O PP perde majoritariamente em 500 cidades, em quase todas as grandes urbanas. Perderá as cidades de Madri e Valência. E muitas capitais. Perde, por sua vez, a maioria em quase todas as regiões, que serão governadas por alianças de esquerda e/ou cidadãs. Especialmente simbólica será a perda da Comunidade Valenciana. O bipartidarismo levou um duro golpe: a soma do PP e do Partido Socialista Obrero Español (PSOE) resulta apenas 52% dos votos. Mas sobrevive graças ao entorno rural e o voto da terceira idade.
O PSOE não morre: perde votos mas recupera regiões como Asturias ou Extremadura. Com pactos governará em muitas mais regiões e cidades. Podemos se consolida como a terceira (e chave) força política, mesmo que ainda fique com baixas espectativas: 14% dos votos nas eleições autônomas (regionais). Ciudadanos (Cidadãos), exaltados pelos meios como a alternativa de centro ao “bolivariano” Podemos, não acaba de estourar: ficando por baixo com 10% dos votos.
Onde está então o grande terremoto político de que fala o Le Monde? No resultado da eleições municipais. Não tanto em quem perde, mas sim em quem ganha. O terremoto político leva o selo confluência, esse pós-Partido que governará (se se confirmarem os apoios de outros partidos de esquerda na votação de coroação do dia 13 de junho) as principais cidades da Espanha.
As leituras de terremoto eleitoral são confusas, contraditórias. Os meios conservadores espanhóis ignoram o fenômeno confluência. E afirmam que o Podemos “não ganhou nada”. Os meios internacionáis afirmam que Podemos acabará governando cidades como Madri ou Barcelona. Atribuem a Pablo Iglesias, líder indiscutível da formação, o êxito municipal “das esquerdas”. E seguem definindo as confluências municipais como “frentes de esquerda”. Owen Jones, em um artigo no The Guardian, recomenda a esquerda britânica aprender espanhol: “Tudo gira sobre a atitude e a estratégia, de outra forma estaremos simplesmente elegendo o gueto auto-imposto desde o qual queremos vociferar com impotência.”
Tudo é mais complexo. Menos linear. Menos dicotômico. Não serve à lógica binária. O eixo esquerda-direita não está morto: mas esta agoniando. Não explica tudo. As confluências, especialmente em Madri, não são exatamente “as esquerdas unidas”. Mais complexidade, por favor, escrevia Antón Losada: “Após a campanha mais vazia, frívola e simples que alguém é capaz de recordar, nós contestamos votando o #24M pela complexidade, a sutileza e os matizes. Frente as propostas para dummies (do inglês, burros) sobre escolher entre comigo ou contra mim, os votantes optaram por ensinar todos os candidatos e todas as forças políticas que a política deve ser praticada conforme a realidade: diversificada e multifacetada e por vezes contraditória”. Os espanhóis não votaram massivamente no PP e no PSOE. Tão pouco exatamente o contrário. Certo: o voto foi para a esquerda. Apostou, em geral, pela mudança. Mas o mais importante: o #24M desajustou a lógica binária-antagonista do sistema político.
E a novidade do abalo democrático reside na complexidade e pluralidade das confluências. As confluências, com alguns pactos com forças de esquerda, acabarão governando sem surpresas cidades como Madri, Barcelona, Valência, A Coruña, Oviedo, Santiago de Compostela, Zaragoza, Terrasa ou Cádiz, entre outras capitais. Ademais, as confluências reformularão os governos do cinturão obreiro de cidades como Madri ou Barcelona.
Pablo Iglesias, em outro golpe narrativo de seu particular Jogo de Tronos (Juego de Tronos), recordou poucos dias depois das eleições que as confluências eram uma grande aposta de Podemos. E que Podemos não é um partido: “é um instrumento de mudança”. Que papel tem Podemos no abalo municipal da Espanha? Como se relacionam as confluências cidadãs como Barcelona en Comú ou Ahora Madrid com o Podemos? Que diálogo existe entre a cidadania, movimentos sociais, 15M - Indignados, as confluências e Podemos?
Tentativa de cronologia
Em maio de 2014, ninguém imaginava que a onda narrativa, organizacional e emocional do Podemos poderia colocar a política espanhola de cabeça para baixo em tão poucos meses. Tão pouco que o municipalismo se consolidaria em todo o território espanhol de forma tão fulminante. Muito menos que ambos processos acabariam se entendendo, confluindo.
Poucos entenderam em 3 de junho de 2014 um tweet do Traficantes de Sueños, que recordava aos líderes hiper midiaticos do Podemos que já existia um plano municipalista.
— “La apuesta municipalista” #libro preparar siguiente asalto. #DescargaLibre http://www.traficantes.net/libros/la-apuesta-municipalista … CC @ahorapodemos
“A aposta municipalista” #livro preparar para próximo ataque. #BaixeGrátis http://t.co/igrMGBVD5g CC @ahorapodemos pic.twitter.com/F5UhdYM796
— Traficantes (@traficantes2010) junio 3, 2014
Em 15 de junho de 2014, umas semanas depois da publicação do La apuesta municipalista, foi publicado o manifesto Guanyem Barcelona: “Não queremos nenhuma coligação nem uma mera sopa de letras. Queremos nos esquivar das velhas lógicas de partido e construir novos espaços que vão além da mera soma aritimética das partes que as integram”. Em 26 de junho se apresentava oficialmente Guanyem Barcelona, iniciativa liderada por Ada Colau, a midiática porta-voz da Plataforma de Afetados pela Hipotéca (PAH). Seu propósito era “ganhar a presidência do município de Barcelona”, criando uma confluência de maiorias. Guanyem, “ganhemos” em catalão, pegava a carona no grito empoderador do Podemos.
Por trás de Guanyem, a plataforma EnRed, na qual organizações como Traficantes de Sueños, Observatorio Metropolitano de Madri, Juventude Sem Futuro (vital no 15M) ou o Patio Maravillas (um centro social ocupado) -cozinhavam o plano municipalista desde o início de 2013, mutava rapidamente para vir a ser a Municipalia. E sua reunião aberta de 28 de junho no MediaLab Prado de Madri abriu a porta para a mudança de nome: Ganemos (Ganhemos). E brotaram iniciativas Ganemos em todos os bairros, em dezenas de cidades da Espanha. “Durante os últimos meses foram cozidos a fogo brando os acordos, as propostas e os programas para construir candidaturas cidadãs democráticas que aprofundassem em novas formas de organização e criação politica e respondessem as teias sociais de cada localidade”, escrevia há alguns dias Pablo Carmona, um dos cérebros do El plan municipalista, futuro vereador do Ahora Madrid.
Acordos a fogo brando, assembleias, entusiasmo, sessões, tensões. Havia pressa. E muita. Alguns participantes das assembleias dos bairros do 15M haviam aberto em 2014 círculos de Podemos nos bairros, a estrutura descentralizada mais elogiada do partido. No verão de 2014, muitos se animaram com a onda bairrial e abriram nós do Ganemos. E foram tecendo a rede humana e descentralizada do que viria a ser Ahora Madrid. “As praças evidenciaram o alto nivel de preparação que temos para a gestão de situaçoes muito complexas, com grande inteligência, mas também ternura, escuta e proximidade”, assegura Alberto Nanclares, colaborador do Ganemos e do Movimiento de Liberación Gráfica de Madri (Movimento de Liberação Gráfica de Madri), chave na reta final da campanha de Ahora Madrid. “As formas de cooperação dos movimentos em rede não passam mais por grandes dogmas ideológicos unitarios, mas por conectar as práticas nas quais se exercem a reconquista dos direitos e do que é comum”, escrevia em 2013 Arnau Monty em seu artigo As mutações dos movimentos de rede do 15M. “Se nos organizamos a partir de objetivos e práticas concretas, poderemos alcançar metas que pareciam impossíveis”, recorria o manifesto inicial Guanyem Barcelona.
O imaginário e método do Ganemos Madri foram especialmente construtivos. Tomar a cidade, mandar obedecendo (desobedecendo), publicado por Ganemos Madri em 27 de junho de 2014, era um inspirador roteiro comum. A obediência Zapatista, remixada com a desobediência em massa ativada pelo 15M. O “tomar a rua”, de 2011, mudando para “tomar as suas instituições da cidade”. O dia a dia quase invisível de assembleias e redes de afetos, reivindicando o líquido, a política lateral, flexível. Uma política real. O espaço, o ingrediente territorial e hiperlocal, estava entrando no processo político de baixo-pra-cima, de-fora-pra-dentro.
Os cinco princípios da confluência de Ganemos funcionaram metaforicamente como as quatro liberdades do software livre: um breve quadro ético para a construção de processos e práticas de partilha de códigos. Vale a pena ler com calma: 1) Princípio da confluência: não criar uma nova estrutura, mas sim promover a coordenação das existentes e trabalhando em conjunto. 2) Princípio da promoção: Encorajar o desenvolvimento de ferramentas e oportunidades de cooperação no território em lugares onde eles não existem. 3) Princípio da Sustentabilidade: Pense mecanismos de participação para que eles sejam sustentáveis, não só para os activistas pessoas, mas para o público em geral. 4) Princípio da inclusão: que as iniciativas lançadas sempre busquem a cidadania em geral, e a sua participação, não só a composição interna do movimento. 5) Princípio Co-organização: não compreender a cidadania como um espaço para consulta ou validação, mas sim favorecer as ferramentas, que para os que desejem, possam organizar-se, participar e tomar decisões vinculativas.
A onda Ganemos cresceu rapidamente durante o verão de 2014. Se multiplicava. Mutava. A lógica do software livre, os repositorios de códigos informáticos compartilhados e a cooperação em rede facilitaram a expansão. Guanyem Barcelona publicou uma Guia útil para a criação de um Guanyem Guia. A inteligência coletiva e as necessidades locais de cada cidade foram reconfigurando a lógica de cada confluência. Ahora Madrid, por exemplo, aproveitaria o código fonte da plataforma digital de Zaragoza en Común para desenvolver um programa de colaboração “A implementação de mecanismos de participação cidadã é uma expropriação do poder pelos representantes, é um ato de des-representação", alegou alguns dias antes da eleição Pablo Soto, gerente de participação digital e futuro vereador do Ahora Madrid.
Como foram evoluindo as confluências? A eficácia da aventura, como apontado no início de Novembro de 2014 pela jornalista Olga Rodríguez, participante do Madri Ganemos, dependia de encontrar “espaços nos quais se englobem todos que sofrem de exclusão, para restaurar a democracia e valores tão simples como solidariedade ”. Enquanto isso, Podemos - atacado pelos meios de comunicação de massa e vítima de manipulações constantes - resolvia a sua operação secreta one girl (uma menina): obter uma candidata mulher, independente e experiente para a confluência de Madri. Jesús Montero, secretário-geral do Podemos Madri, depois de várias recusas, convenceu a ex-Juiza Manuela Carmena a se candidatar no Ahora Madrid. Já em campanha, Manuela repetia uma e outra vez que “não tinha nada a ver com Podemos”. Sem essa distância teria sido impossível o triunfo de Ahora Madrid.
Ninguém suspeitou que a mutação de siglas municipalistas seria tão vertiginosa. Em muitos casos, a falha foi o oportunismo dos antigos partidos políticos, que legalmente registraram a marca Ganemos em toda a Espanha, com a cumplicidade do Ministério do Interior. Guanyem Barcelona tornou-se Barcelona en Comú. Na Galiza las Mareas Atlánticas e Compostela Aberta foram consolidadas. Somos Oviedo, nas Astúrias. Por Cádiz si puedo em Cadiz. O nome da confluência era o de menos. O espírito permeava centenas de candidatos com palavras como “ganhar”, “agora”, “mudança”, “ganhemos”, “nós” ou “comum”. Os formatos jurídicos utilizados, como explica o periodista Aitor Rivero, dependiam de cada cidade: o “grupo de eleitores” e “partido instrumental” foram os mais utilizados.
Em 06 de março foi lançado oficialmente Ahora Madrid como um partido instrumental formado por essa confluência de movimentos cidadãos, associações e novos partidos (Podemos, Equo e dissidentes do Izquierda Unida, etc.). Um verdadeiro pós-Partido. Não havia orçamento. Faltava ainda fazer as eleições primárias, condição inegociável de Ganemos Madri. Em 24 de março foi realizada a coletiva de imprensa com a lista dos vencedores das primárias, encabeçada por Manuela Carmena. A ex-juíza Manuela era uma perfeita desconhecida. Faltavão 60 dias para as eleições. Poucos pensaram que Ahora Madrid poderia conquistar a cidade de Madri.
Manuela, a musa
E menos de duas semanas antes das eleições de #24M começou o transbordamento cidadão. O Movimiento de Liberación Gráfica em Barcelona e Madri colocaram os primeiros grãos de areia. E a plataforma #MadriConManuela dinamizou a campanha com uma narrativa agregadora, emocional e contagiosa. Desmantelou-se o medo. Transformou Manuela Carmena em uma musa pop. E quebrou o bloqueio que a mídia havia tecido contra AhoraMadri. Manuela, a musa ilustrada, entoava o periódico El País. E quando a mídia quis seguir com o personalismo pop da candidata, surgiu a hashtag e narrativa #SomosManuela, que foi trending topic por toda a terça-feira, 19 de março. Manuela Carmena voltou a ser novamente uma máscara da multidão, uma candidata apropriável. #SomosManuela transbordou tudo. Descentralizou a campanha. Contagio entusiasmado. Conquistou Madri. Toda a Espanha. Todos eram Manuela.
A campanha oficial para Ahora Madrid já não definia o ritmo. Foi mais uma camada dentro de um conjunto polifônico e coral de narrativas, estratégias e ações. A manifestação poética realizada em 19 de maio, no Plaza de Tirso de Molina em Madri, é outra metáfora de transbordamento: “Nem os responsáveis pela comunicação de Ahora Madrid refletiram o encontro. Nem os comentaristas e especialistas, com a praça de Tirso Molina lotada ouvindo poemas, sem discursos eleitorais, mas com conteúdo muito político ”, diz Ruben Caravaca, vinculado a assembléia Áustria do 15M, depois cultura do Ganemos e agora cultura do Ahora Madrid.
Felipe Gil e Francisco Jurado, em Desbordarse para ganar (Transbordar para ganhar), descrevem essa nova realidade que vai além das políticas dos Spin Doctors, dos consultores e dos gabinetes de partido. Em seu texto falam de narrativas inclusivas e inacabadas. De protótipos abertos e identidades mutantes. Eles apontam para uma chave para todas as confluências políticas que emergiram e emergem, “deixar-se ser invadido e confiar em uma construção coletiva e descontrolada.” Mayo Fuster, pesquisadora em cultura colaborativa também enfatizou esse ponto. “Um conceito-chave é transbordamento (overflow), que se refere à capacidade de perder o controle sobre o processo e operar livremente no processo de mobilização.”
A campanha cidadã para Manuela Carmena foi baseada em um sistema de rede de pessoas. Um ecossistema humano que se conecta com a definição histórica de “autopoiesis” feita pelos biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela em 1972: o mecanismo que favorece que um sistema vivo se reproduza de forma auto-organizada. Da autopoiese das células para a autopoiese de uma cidadania indignada e auto organizada desde 2011. Da autopoiese dos nós do Ahora Madrid à mythopoesis, o processo de criação coletiva mitos: a cidadania transformou Manuela Carmena em um desejo-corpo comum. “A campanha pró Manuela é uma história que não aceitou outro emitente que não os próprios cidadãos, não poderia ter sido gerida por uma estrutura de uso”, diz Nacho Padilla, um dos fundadores da plataforma Madri com Manuela.
O que vem a seguir?
Um terremoto político. Para os partidos. Para o velho marketing. Para a esquerda tradicional. Um terremoto sistêmico. Também para os movimentos sociais. “Os movimentos sociais têm de ter a sua própria vida, a autonomia, deve ser massa crítica. Temos que acabar com a figura de associação amiga”, nas palavras de Rafael Pena, de Compostela Aberta.
E como é que o Podemos fica neste novo quadro político social? Uma confluência de diferentes forças políticas e sociais nas eleições gerais de novembro será possível? O sucesso dos laboratórios de confluência - onde Podemos é um motor importante - faz muitos sonharem com uma confluência nacional e cívica para a eleição geral do próximo mês de novembro. “Sim, nós podemos, mas não com o Podemos apenas”, escreve Isaac Rosa. Alberto Garzón, soando até então como um candidato presidencial da Izquierda Unida (Esquerda Unitária), já defende publicamente o plano: “Nós não nos jogamos a próxima eleição, mas as próximas gerações." Melhor GANEMOS (ganhemos) que PODEMOS (podemos) é um novo mantra coletiva. "O que foi jogado em Madri e Barcelona nas municipais/autonômicas tem uma conexão e correlação com as mudanças que vêm para ficar”, diz David Arenal, envolvido em 15M, Ganemos e Ahora Madrid.
Raúl Sánchez Cedillo, da Fundación de los Comunes (Fundação dos Comuns), aponta Ahora Madri como um modelo a seguir: “Há apenas um caso que ilustra este tipo de municipalismo soma mais do que Podemos, e é o Ahora Madrid. Uma experiência que sem o trabalho e determinação de Municipalia primeiro e depois Ganemos Madri é inconcebível”. Barcelona en Comú obteve 25% dos votos na capital catalã, mas com Izquierda Unida (ICV) dentro da confluência. Os 32% dos votos obtidos pelos Ahora Madrid, sem o apoio oficial da Izquierda Unida e com menos tempo, abre horizontes de esperança.
Se o 15M inaugurou uma nova gramática social, o resultado das eleições municipais espanholas criou um novo ecossistema político. Um ecossistema no qual coexistem diferentes formas vivas, interdependentes, mais líquidas do que definidas. Não da para falar de Podemos sem as confluências. Não da para explicar Ahora Madrid sem Podemos. Em uma confluência nacional hipotética, o motor da mudança poderia ser Podemos. A forma e a narrativa seriam as confluências. Os nós cidadãos e os movimentos sociais seriam as células autopoiéticos para manter o novo ecossistema vivo.
Enquanto isso, Manuela Carmena confirma em cada gesto que outra forma de fazer política é possível. Viaja de metrô. Se locomove de bicicleta. Não ataca os inimigos. Escuta. Um de seus tweets no dia da eleição, sem teorizar, resume a alma agregadora das novas confluências.
No tengáis miedo ni dejéis que os asusten. Ser felices es nuestra unica venganza. Participad y sigamos adelante #Eleccion2015
- Manuela Carmena (@ManuelaCarmena) Maio 24, 2015
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