25 Fevereiro 2015
Os credores europeus devem entender que a flexibilidade – ou seja, dar à Grécia a possibilidade de se recuperar – também é do seu interesse. Talvez não gostem do novo governo de esquerda, mas é um governo regularmente eleito, e os seus líderes, pelo que eu ouvi até agora, acreditam sinceramente nos ideais democráticos.
A opinião é do economista norte-americano Paul Krugman, professor da Universidade de Princeton e prêmio Nobel de 2008. O artigo foi publicado na revista Internazionale, 20-02-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Quando se discutem as medidas necessárias em uma economia mundial deprimida, sempre há alguém pronto para agitar o fantasma da República de Weimar, que deveria ser um aviso sobre os perigos do défice orçamental e de uma política monetária expansionista.
Mas a história da Alemanha depois da Primeira Guerra Mundial é quase sempre citada de modo curiosamente seletivo. Fala-se continuamente da hiperinflação de 1923, quando as pessoas andavam por aí com os carrinhos de mão cheios de notas de dinheiro, e não bem mais importante deflação dos anos 1930, quando o governo do chanceler Heinrich Brüning tentou manter a ancoragem no sistema áureo com um aperto monetário e uma duríssima austeridade.
E o que dizer daquilo que aconteceu antes da hiperinflação, quando os aliados vitoriosos tentaram forçar a Alemanha a pagar reparações de guerra muito salgadas? É uma história com a qual nós podemos aprender muito, porque diz respeito diretamente à crise que aflige a Grécia. Hoje, mais do que nunca, é fundamental que os líderes europeus se lembrem bem da história. Caso contrário, o projeto europeu de paz e democracia através da prosperidade não vai sobreviver.
Em suma, a história das reparações é esta: a França e o Reino Unido, em vez de considerarem a recém-nascida democracia alemã como um aliado em potencial, trataram-na como uma inimiga derrotada, pedindo-lhe para pagar os danos da guerra.
Foi uma medida pouco sábia, porque as exigências feitas à Alemanha eram impossíveis de satisfazer. Por dois motivos. Acima de tudo, a economia alemã já havia sido devastada pelo conflito. Segundo, o fardo imposto a uma economia tão enfraquecida – como explicou John Maynard Keynes no seu livro As consequências econômicas da paz – seria muito superior aos pagamentos diretos aos vingativos aliados.
Inevitavelmente, no fim, o valor pago pela Alemanha foi muito inferior às exigências dos aliados. E as tentativas de impor um tributo a um país em ruínas – a França chegou até a ocupar om o exército a Ruhr, o coração industrial da Alemanha, para extorquir as reparações – aleijaram a democracia alemã e envenenaram as relações com os países vizinhos.
Isso nos leva ao confronto entre a Grécia e os seus credores. Pode-se argumentar que a Grécia entrou em apuros sozinha, embora tenha sido ajudada por credores irresponsáveis. Mas a realidade é que Atenas não pode pagar todas as dívidas. A austeridade devastou a economia grega, assim como a derrota militar devastou a Alemanha de Weimar. De 2007 a 2013, o PIB real per capita grego caiu 26%. Na Alemanha, de 1913 a 1919, caiu 29%.
Apesar da catástrofe, a Grécia está pagando os seus credores e alcançou um superávit primário (as entradas superam as despesas excluídos os juros) de cerca de 1,5 por cento do PIB. O novo governo de Atenas está disposto a manter esse excedente orçamental, mas não está disposto a acolher o pedido dos credores que gostariam de ver o triplo do superávit primário grego nos próximos anos.
O que a Grécia deveria fazer para alcançar esse objetivo? Deveria cortar ainda mais os gastos públicos, mas não só. Os cortes de gastos já empurraram a Grécia para uma profunda recessão, e mais cortes só iriam agravar a situação. Mas a queda na renda também reduziria a receita fiscal, e, portanto, o déficit cairia muito menos do que a redução inicial das despesas, provavelmente menos da metade.
Para alcançar o objetivo, a Grécia deveria fazer outro ciclo de cortes e depois outro ainda. Além disso, o colapso da economia faria com que se diminuísse a despesa privada, outro custo indireto da austeridade. Coloquemos juntos todos esses fatores juntos, e o +3% do PIB exigido pelos credores custaria à Grécia não 3%, mas um valor próximo de 8% do PIB. Tudo isso depois de uma das piores crises econômicas da história.
O que aconteceria se a Grécia se recusasse a pagar? Felizmente, no século XXI, as nações da Europa não usam mais os exércitos para recuperar os créditos. Mas há outras formas de coerção. Hoje, por exemplo, sabemos que, em 2012 o Banco Central Europeu, substancialmente, ameaçou destruir o sistema bancário irlandês se Dublin não tivesse aceitado o plano do Fundo Monetário Internacional.
Uma ameaça semelhante paira implicitamente sobre a Grécia, embora eu espere que o BCE, liderado hoje por pessoas mais razoáveis, não queira dar prosseguimento a isso.
Em todo o caso, os credores europeus devem entender que a flexibilidade – ou seja, dar à Grécia a possibilidade de se recuperar – também é do seu interesse. Talvez não gostem do novo governo de esquerda, mas é um governo regularmente eleito, e os seus líderes, pelo que eu ouvi até agora, acreditam sinceramente nos ideais democráticos. A Europa pode piorar a situação. E, se os credores forem vingativos, isso vai acontecer.
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A Grécia merece outra chance. Artigo de Paul Krugman - Instituto Humanitas Unisinos - IHU