12 Janeiro 2024
"Lula sabe muito bem que o bolsonarismo não morreu, que seu antecessor ainda tem força nas instituições e nos partidos, como quiseram sublinhar as importantes ausências no evento de Brasília, e que, na melhor das hipóteses, se Bolsonaro acabar acuado pela justiça, já tem possíveis sucessores de peso na reserva", escreve Juan Arias, jornalista e escritor espanhol, em artigo publicado por El País, 10-01-2024.
Dos 27 governadores brasileiros, 15 se recusaram a participar do evento para celebrar a democracia em Brasília após a tentativa de golpe no ano passado. O presidente do Congresso também não compareceu.
Agora, Lula já sabe que, apesar de todos os seus esforços para reunificar o país e fazer esquecer a ruptura institucional que o ultradireitista Bolsonaro quase conseguiu, o golpe ainda ruge sob a terra, como revelado pelo imponente evento realizado em Brasília no aniversário do atentado fracassado que abalou a democracia.
Lula foi acertado, como bem explicou minha colega Naiara, ao não deixar passar em branco o aniversário do fatídico 8 de janeiro do ano passado, quando mais de 1.000 vândalos destruíram as três sedes do poder: o Congresso, o Supremo e o Palácio da Presidência. Ele fez bem em convidar para o encontro as 500 pessoas mais significativas de vários setores do Estado, incluindo militares. Foi uma aposta arriscada, mas politicamente valiosa. Obrigou os principais responsáveis pelas instituições do país, incluindo os altos comandantes militares, a se manifestarem e condenarem os atos de vandalismo que assustaram a nação.
A condenação dos líderes dos três poderes aos atentados golpistas foi severa em todos os discursos e representou um hino à democracia rotulado como "inquebrantável" no lema do evento. E o discurso firme de Lula em favor da legalidade institucional e da defesa da democracia foi ao mesmo tempo sutil e com uma revelação implícita. Sem mencionar o nome dele uma única vez, deixou claro que seu antecessor, Jair Bolsonaro, deve ser julgado e preso. O perdão, declarou Lula, "soaria como impunidade e a impunidade como salvo-conduto para novos atos terroristas".
Lula afirmou abertamente que, pelo que o ex-presidente golpista havia dito, "adversários políticos e autoridades constituídas poderiam ser fuzilados e enforcados na praça pública". Por isso, exigiu "a necessidade de puni-lo rigorosamente para prevenir novas tentativas golpistas".
As três principais autoridades das Forças Armadas, que inicialmente hesitaram em comparecer ao evento, estiveram presentes em silêncio e até aplaudiram o discurso forte de Lula. A versão oficial do governo é que apenas militares isolados participaram do golpe militar fracassado, alguns dos quais estão sendo julgados, enquanto o corpo militar como um todo não participou, o que é verdade em parte.
O mais significativo do imponente ato de desagravo ao atentado à democracia foi para Lula, caso não soubesse, a constatação de que, apesar dos esforços feitos em seu primeiro ano de governo para reunificar o país esquecendo o perigo que a democracia correu, o Brasil continua dividido de forma salomônica. E não apenas entre a população, mas, talvez mais grave, no coração mesmo da política.
O mais grave do evento em Brasília é que, apesar de ter convidado oficialmente todas as forças políticas e judiciais, dos 27 governadores do país, 15 deles deram as costas e não compareceram. E mais grave ainda, entre eles, faltaram os três estados mais importantes do país, que sempre decidiram o resultado das urnas: São Paulo, com 40 milhões de habitantes; Rio de Janeiro, com 16 milhões; e Minas Gerais, com 21 milhões. Juntos, eles decidem qualquer eleição. Os três governadores importantes são seguidores de Bolsonaro. E, como se não bastasse, o grande ausente foi Arthur Lira, o conservador presidente do Congresso, e com ele a maioria da cúpula dessa instituição. E como sobremesa, muitas das figuras conservadoras do Congresso, aos quais Lula presenteou vários ministérios importantes, decidiram não comparecer ao encontro.
Este ano ocorrerão as eleições municipais, que têm grande importância para avaliar a força dos partidos. Nas anteriores, o partido de Lula, o PT, e, em geral, a esquerda foram abertamente penalizados, e os partidos de direita e conservadores venceram maciçamente. Foram a antessala da vitória da extrema-direita nas presidenciais. O que acontecerá este ano? Será uma prova fundamental para uma possível reeleição de Lula ou de alguém por ele apadrinhado.
Isso convenceu o governo de que este ano, em vez de se concentrar em um esforço titânico de política externa, Lula deverá percorrer o Brasil, de cidade em cidade, para tentar reverter a derrota nas municipais. Essas eleições, as primeiras após a derrota nas presidenciais da extrema-direita, revelarão o humor dos brasileiros após o primeiro ano de governo do incansável Lula.
Todos esses movimentos, alguns à vista de todos e outros subterrâneos, mostrarão até que ponto o país continua dividido e o perigo de um retorno ao ultradireitismo. Como alertou o ex-ministro do Supremo, Lewandowski, homem de total confiança de Lula, destinado a ser o novo ministro da Justiça: "O espantalho do autoritarismo continua assombrando o país, já que os agentes do caos e da discórdia continuam ativos, embora momentaneamente minimizados, aguardando o momento mais propício para infligir novos golpes".
E Lula sabe muito bem que o bolsonarismo não morreu, que seu antecessor ainda tem força nas instituições e nos partidos, como quiseram sublinhar as importantes ausências no evento de Brasília, e que, na melhor das hipóteses, se Bolsonaro acabar acuado pela justiça, já tem possíveis sucessores de peso na reserva.
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Lula agora sabe que o Brasil ainda está dividido em dois. Artigo de Juan Arias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU