16 Novembro 2022
Pessoas pretas e pardas continuam com menor acesso a emprego, educação, segurança e saneamento.
A reportagem publicada pelo IBG e reproduzida por EcoDebate, 11-11-2022.
As desigualdades sociais por cor ou raça seguem evidentes no mercado de trabalho. A desocupação, a subutilização e a informalidade continuam atingindo mais pretos e pardos do que os brancos. Em 2021, as taxas de desocupação foram de 11,3% para os brancos, de 16,5% para os pretos e de 16,2% para os pardos. No ano anterior, esses percentuais foram de 11,1%, 17,4% e 15,5%, respectivamente. Os dados são do estudo Desigualdades Sociais por Cor ou Raça no Brasil, divulgado hoje (11) pelo IBGE.
“As populações preta e parda representam 9,1% e 47% da população brasileira, respectivamente. Mas, nos indicadores que refletem melhores níveis de condições de vida, a participação dessas populações é mais baixa”, diz o analista do IBGE João Hallak.
Em 2021, a taxa de subutilização era de 22,5% entre os brancos, enquanto era de 32,0% entre os pretos e 33,4% entre os pardos. “A taxa composta de subutilização considera, além da desocupação, a população subocupada por insuficiência de horas trabalhadas e quem estava na força de trabalho potencial. Entre os brancos, essa taxa era inferior às das populações preta e parda, e isso não muda conforme o nível de instrução. A distância varia um pouco, mas em todos os níveis de instrução a população branca tem uma taxa de subutilização inferior à da preta ou parda”, analisa o pesquisador.
Enquanto os brancos representavam 43,8% da força de trabalho (soma de ocupados e desocupados), os pretos eram 10,2% e os pardos, 45,0%. Mas os percentuais de pretos e pardos são mais altos entre os desocupados: 12,0% e 52,0%, respectivamente. Já os brancos eram 35,2% dos desocupados em 2021.
“Esse indicador já mostra uma desvantagem dessas populações na inserção no mercado de trabalho. As proporções das populações preta ou parda entre os desocupados e subutilizados são maiores do que elas representam na força de trabalho”, destaca Hallak.
A informalidade também atinge mais pretos e pardos do que brancos. Em 2021, a taxa de informalidade era 40,1%, mas os brancos tinham uma taxa menor, de 32,7%, e os pretos (43,4%) e pardos (47,0%), maior que a média nacional. Essa diferença acompanha toda a série do estudo.
Fonte: IBGE
Quando observado o recorte por nível de instrução, a desigualdade se torna mais perceptível. No ano passado, o rendimento médio dos ocupados brancos era de R$19,0 por hora, mas para os pretos (R$10,9) e pardos (R$11,3) esse valor era bem menor. O estudo aponta que os rendimentos são maiores entre aqueles que têm maiores níveis de instrução, mas as diferenças por cor ou raça permanecem nesse recorte. As pessoas brancas com ensino superior completo ou mais ganharam em média 50% a mais do que as pretas e cerca de 40% a mais do que as pardas.
Os ocupados pretos ou pardos eram maioria (53,8%) no mercado de trabalho em 2021, mas estavam em somente 29,5% dos cargos gerenciais, enquanto os brancos ocupavam 69,0% deles. Na classe de rendimento mais elevada, somente 14,6% dos ocupados nesses cargos eram pretos ou pardos, enquanto entre os brancos essa proporção era de 84,4%.
Uma análise das linhas de pobreza propostas pelo Banco Mundial atesta a maior vulnerabilidade das populações preta e parda. Em 2021, considerando a linha de U$$5,50 diários (ou R$ 486 mensais per capita), a taxa de pobreza dos brancos era de 18,6%. Já entre pretos o percentual foi de 34,5% e entre os pardos, 38,4%. Na linha da extrema pobreza, (US$1,90 diários ou R$ 168 mensais per capita), as taxas foram 5,0% para brancos, contra 9,0% dos pretos e 11,4% dos pardos.
“Em 2021, havia 8,4% da população na extrema pobreza. O percentual da população branca estava abaixo dessa média. Já as populações preta e parda tinham proporções acima da média e dos brancos”, diz o analista André Simões.
Fonte: IBGE
Em relação ao rendimento de todas as fontes, que inclui, além do trabalho, aposentadoria e pensão, a distinção também permanecia. Em 2021, o rendimento médio domiciliar per capita da população branca, de R$1.866, era quase o dobro do verificado para a populações preta (R$964) e parda (R$945), diferença que se mantém desde o início da série histórica, em 2012. Também no ano passado, os rendimentos foram os mais baixos da série, com maior queda entre os pretos (-8,9%) e pardos (-8,6%). Entre os brancos, a redução de rendimento frente ao ano anterior foi de 6,0%.
Pretos e pardos enfrentam uma situação de maior insegurança de posse e de informalidade da moradia própria. Entre a população residente em domicílios próprios, 20,8% das pessoas pardas e 19,7% das pessoas pretas residiam em domicílios sem documentação da propriedade, enquanto a proporção entre as pessoas brancas era praticamente a metade (10,1%).
Uma das fontes utilizadas no estudo, a Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) 2017-2018 indicou o valor hipotético de aluguel dos domicílios próprios de acordo com avaliação dos moradores. Entre os domicílios com pessoas responsáveis brancas, o valor médio era de R$998, enquanto no de pessoas pardas, o valor era de R$555 e de pessoas pretas, R$571.
“Os domicílios das populações preta e parda têm menos acesso a saneamento e menor número de cômodos, então isso reflete em um valor menor desses domicílios”, explica o analista Bruno Perez.
Em relação à posse de bens duráveis, as pessoas brancas tinham maior presença de quase todos os itens analisados, com exceção das motocicletas. Além disso, os brancos também tinham, em média, maior quantidade dos bens em proporção ao número de moradores de sua residência: 10,2% viviam em domicílio com um ou mais automóvel por adulto. Entre os pretos, essa proporção era de 2,7% e em entre os pardos, 3,5%.
Foto: IBGE
Segundo o Censo Agropecuário 2017, nos estabelecimentos agropecuários onde o produtor era proprietário, quase metade (48,0%) deles eram brancos, enquanto 42,7% eram pardos e 7,9% eram pretos. Quando o produtor não era proprietário, brancos eram 34,5% deles, enquanto pardos (52,1%) e pretos (10,5%) tinham representação maior.
Há uma relação entre a cor ou raça dos produtores e o tamanho das propriedades. Proprietários pretos (13,7%) e pardos (58,0%), somados, são ampla maioria entre aqueles que têm estabelecimento com menos de um hectare. Já entre os proprietários de estabelecimentos com mais de 10 mil hectares, os brancos representavam 79,1% ante 17,4% dos pardos e 1,6% dos pretos.
“Entre os menores estabelecimentos, predominam os proprietários pardos e, conforme vamos passando para os estabelecimentos de maior área, vai aumentando a proporção da população branca e diminuindo a população preta e parda. Quando chegamos à faixa de estabelecimentos de mais de 10 mil hectares, há uma ampla maioria de produtores de cor ou raça branca”, diz Perez.
Os dados sobre educação levantados no estudo têm como uma das fontes a PNAD Covid19, que foi a campo entre maio e novembro de 2020 e investigou o tema no último mês de coleta. De acordo com a pesquisa, houve condições desiguais de oferta e acesso às atividades escolares a distância em função da pandemia. A falta de estrutura e de tempo dedicado a essas atividades prejudicou especialmente os estudantes de menor renda, sendo, em sua maioria, pretos e pardos, moradores da zona rural e do Norte e Nordeste.
Em novembro de 2020, 6,8% dos estudantes brancos de 6 a 17 anos não tiveram aulas presenciais e não receberam atividades escolares. Esse percentual foi de 13,5% para os pretos e de 15,2% para pardos. Entre aqueles que não tiveram atividades presenciais e fizeram ao menos parte das atividades escolares recebidas em limitações de carga horária (menos de cinco dias semanais e de duas horas diárias), a proporção de estudantes brancos também foi inferior à de pretos ou pardos.
A participação no Enem pode ter sido afetada por essa dificuldade desigual de estudo a distância durante a pandemia. A taxa de comparecimento ao exame, isto é, a proporção de inscritos que efetivamente compareceram para realizar a prova, mostra que a vantagem dos brancos em relação aos demais grupos de cor ou raça se intensificou de 2019 a 2021. Os brancos apresentaram uma queda de apenas 3,1 pontos percentuais na taxa de comparecimento, alcançando taxa de 72,1% em 2021. Por sua vez, pretos e pardos tiveram queda de 9,9 e 9,0 pontos percentuais em suas respectivas taxas de comparecimento entre 2019 e 2021, atingindo 60,2% e 62,9% em 2021, respectivamente. Os indígenas foram o grupo que apresentou a menor taxa de comparecimento ao ENEM de 2019 a 2021 (68,0%, 37,1% e 55,3%, respectivamente).
Segundo o Censo da Educação Superior de 2020, entre as dez áreas detalhadas de graduação presencial com maior número de matrículas, as maiores proporções de pretos e pardos estavam nos cursos de pedagogia (11,6% de pretos e 36,2% de pardos) e de enfermagem (8,5% de pretos e 35,2% de pardos). Já o curso de medicina tinha apenas 3,2% de matriculados pretos e 21,8% de pardos.
“Esse indicador contribui para explicar por que o rendimento do trabalho de pretos e pardos é menor que o dos brancos entre quem tem nível superior. Um exemplo é a área da saúde, no curso de medicina, 61% são a população branca e no de enfermagem, 37%. E o profissional médico é mais valorizado pelo mercado, tende a receber rendimentos muito mais elevados do que profissional da enfermagem. Então o tipo de curso superior também influencia no rendimento e os mais valorizados pelo mercado em termos de rendimento têm predominância de pessoas brancas”, diz João Hallak.
A Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) 2019 revelou que 18,3% das pessoas com 18 anos ou mais sofreram violência física, psicológica ou sexual nos 12 meses que antecederam a entrevista. No mesmo ano, 20,6% das pessoas pretas sofreram alguma dessas formas de violência, ante 19,3% dos pardos e 16,6% dos brancos. A violência atingia mais as mulheres (19,4%), em especial, as mulheres pretas (21,3%).
Segundo o Sistema de Informação de Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde, entre 2019 e 2020, o número de homicídios no país cresceu 9,6%. Em 2020, foram 49,9 mil homicídios, ou 23,6 mortes por 100 mil habitantes. Entre as pessoas pardas, a taxa foi de 34,1 mortes por 100 mil habitantes, o triplo da observada entre os brancos (11,5 mil mortes por 100 mil habitantes). Entre as pessoas pretas, a taxa foi de 21,9. A diferença entre essas taxas cresce ao longo da série histórica.
Fonte: IBGE
Os homens tinham uma taxa de 44,5 mortes por 100 mil habitantes ante 3,6 mortes das mulheres, ou seja, 12,5 vezes maior. No recorte por cor ou raça, a maior taxa foi entre os homens pardos (64,3 mortes), seguida pelos homens pretos (41,4 mortes). A taxa dos homens brancos (21,2 mortes) ficou abaixo da média da população (23,6 mortes).
Em 2020, pessoas pretas eram 8,8% da população, 2,0% dos prefeitos e 6,2% dos vereadores. Já os pardos eram 47,5% da população, mas apenas 30% dos prefeitos e 38,5% dos vereadores. Quanto à população amarela e indígena, de acordo com dados da PNAD Contínua, somados, os dois grupos representavam cerca de 1% da população, enquanto eram 0,5% dos prefeitos e 0,7% dos vereadores. Embora representassem menos da metade (42,8%) da população, os brancos eram maioria em ambos os cargos eletivos: eram 67,1% dos prefeitos e 53,6% dos vereadores.
Nos municípios com até 20 mil habitantes, havia a seguinte distribuição: brancos (67,9%), pardos (29,0%), pretos (2,0%), amarelos (0,5%) e indígenas (0,2%). Já entre os municípios que têm 500 mil habitantes ou mais, eram 39 prefeitos brancos (81,3%) e nove pardos (18,8%).
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Racismo Estrutural – Taxas de pobreza de pretos e pardos são cerca de duas vezes maiores que a dos brancos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU