06 Março 2020
"A mensagem da Campanha da Fraternidade 2020 (tema: “Fraternidade e Vida: Dom e Compromisso”; lema: “Viu, sentiu compaixão e cuidou dele” - Lc 10,33-34) - que ilumina a nossa Quaresma - é a da Parábola do Bom Samaritano", escreve frei Marcos Sassatelli, frade dominicano, doutor em Filosofia (USP) e em Teologia Moral (Assunção - SP) e professor aposentado de Filosofia da UFG, 03-03-2020.
Depois de responder à indagação de Jesus, lembrando o mandamento do amor a Deus e ao próximo, “o especialista em leis, querendo se justificar, perguntou-Lhe: ‘E quem é o meu próximo?’ Jesus respondeu: ‘Um homem ia descendo de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos de assaltantes, que lhe arrancaram tudo e o espancaram. Depois foram embora e o deixaram quase morto. Por acaso um sacerdote estava descendo por aquele caminho; quando viu o homem, passou adiante, pelo outro lado. O mesmo aconteceu com um levita: chegou ao lugar, viu e passou adiante, pelo outro lado. Um samaritano, que estava viajando, chegou perto dele, viu e sentiu compaixão. Aproximou-se dele e fez curativos, derramando óleo e vinho nas feridas. Depois colocou o homem em seu próprio animal e o levou a uma pensão, onde cuidou dele. No dia seguinte, pegou duas moedas de prata e as entregou ao dono da pensão, recomendando: ‘Tome conta dele. Quando eu voltar, vou pagar o que ele tiver gasto a mais’. E Jesus perguntou: ‘Na sua opinião, qual dos três foi o próximo do homem que caiu nas mãos dos assaltantes?’ O especialista em leis respondeu: ‘Aquele que praticou misericórdia para com ele’. Então Jesus lhe disse: ‘Vá, e faça a mesma coisa’ (Lc 10,29-37)”.
Na Parábola do Bom Samaritano, Jesus nos apresenta duas maneira de olhar: “um olhar que vê e passa em frente, vivido pelo sacerdote e pelo levita; e um olhar que vê e permanece, se envolve, se compromete, vivido pelo samaritano” (Texto-Base, 26). O primeiro olhar é o da indiferença, que destrói a vida e a natureza; o segundo, é o da compaixão (do amor acontecendo), que cuida da vida e da natureza. O olhar de Jesus - que foi o olhar de Santa Dulce dos Pobres e deve ser também o nosso - é o olhar do Bom Samaritano.
“Ir e fazer a mesma coisa” significa “ver, sentir compaixão e cuidar” dos irmãos e irmãs que caíram e caiem nas mãos de assaltantes.
No Brasil e no mundo - sobretudo hoje - temos: assaltos pessoais (nas relações pessoais ou interpessoais) e - o que é pior - assaltos institucionalizados (nas relações sociais ou estruturais).
Os assaltos pessoais - sem querer negar totalmente a responsabilidade individual de cada ser humano - são, em grande parte, consequência de um sistema sócio-econômico-político-ecológico-cultural estruturalmente injusto e desumano. Os assaltos institucionalizados são assaltos que excluem, descartam e matam legalmente os trabalhadores e os pobres em geral: a maioria do povo. Por exemplo, no Brasil, as chamadas Reformas Trabalhista e da Previdência são verdadeiros assaltos institucionalizados e, portanto, legais (embora, antiéticos) à vida e aos direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. Nesses assaltos - frutos do pecado estrutural (ou, da estrutura de pecado) - onde estão os Bons Samaritanos e as Boas Samaritanas!?
O Texto-Base da CF 2020 lembra-nos que o Brasil é um dos países mais desiguais e injustos do mundo. Denuncia o olhar da indiferença que gera ameaças à vida: abandona a vida das pessoas, destrói a natureza e exclui a vida. Afirma que “compaixão” é ter mais coração nas mãos e mais justiça no coração; que o amor é o verdadeiro sentido da vida. Destaca a solidariedade social e a disposição de servir como compromisso com a vida.
“Não podemos esquecer o testemunho de quem defende a vida atuando nas diversas entidades, nos Conselhos de Direitos, Organizações Não Governamentais, nos Movimentos Sociais e Populares, nos Sindicatos, nas Associações de Bairros e em muitas outras organizações comprometidas com a vida” (Ib. 72).
Mesmo reconhecendo seus aspectos positivos, o Texto-Base da CF 2020 é expressão da Igreja que - com exceções - temos hoje no Brasil: uma Igreja que, em suas instâncias institucionais, não assume uma posição profética clara e objetiva, como exigência do Evangelho (embora haja muitos cristãos e cristãs que são verdadeiros profetas e profetisas). Não denuncia o sistema capitalista neoliberal, ou melhor, ultraliberal - que, como diz o Papa Francisco, exclui, descarta e mata - como sendo o maior assaltante dos pobres e a causa principal da gritante desigualdade e injustiça de nossa sociedade.
A Igreja não se coloca - com firmeza e sem ambiguidades ou atitudes diplomáticas - do lado dos Pobres. A Opção pelos Pobres não é “preferencial”, ou seja, não é uma alternativa entre duas ou mais alternativas. Ela é - para os cristãos e cristãs - a única Opção: o caminho de Jesus de Nazaré, o caminho que leva à vida. Todos e todas - inclusive Zaqueu e o jovem rico - são chamados a entrar nesse caminho. Ah, se a Igreja cumprisse realmente sua missão profética! Ah, se a Igreja - em todas as suas instâncias institucionais - fizesse o lançamento da Campanha da Fraternidade ou de outras atividades do lado dos Pobres e não do lado dos governantes e poderosos! Com certeza, o Brasil seria outro!
Lembremos: Jesus nunca convidou Herodes e Pilatos - que eram autoridades políticas - ou outros poderosos para fazer, do lado deles, o lançamento do Sermão da Montanha ou de qualquer outra atividade. A Igreja não está traindo Jesus de Nazaré? Ela não está se prostituindo?
Que o Espírito Santo - o Amor de Deus - esteja sempre presente na vida de todos e todas que lutam por um Mundo Novo: o Reino de Deus na história do ser humano e da nossa Casa Comum: a Irmã - Mãe Terra.
Banner da Campanha da Fraternidade 2020 (Ilustração: CNBB)
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