02 Outubro 2019
Deputado Airton Faleiro (PT/PA) mentiu a mulheres munduruku sobre objetivo de reunião, que reforçou a pressão sobre legalização do garimpo em áreas protegidas e terras indígenas.
A reportagem é publicada por Movimento Xingu Vivo Para Sempre, 28-09-2019.
Indígenas munduruku bloqueiam entrada de audiência pública sobre garimpo em Itaituba. (Divulgação)
Nesta sexta feira (27), uma audiência em Itaituba (PA), convocada pela Subcomissão Permanente de Mineração, da Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, voltou a discutir a questão do garimpo ilegal que está devastando áreas indígenas e Unidades de Conservação na bacia do rio Tapajós, no Pará.
Marcada inicialmente para ocorrer no Espaço Português Eventos, antes mesmo de começar a audiência foi impedida por indígenas Munduruku do Movimento Munduruku Ipereg Ayu, Associação das Mulheres Munduruku Wakoborun, Associação Indígena Pariri (Médio Tapajós), Associação Dace (Teles-Pires), Associação Wuyxaximã, Associação Indígena Pusuru, Associação Kurupsare e CIMAT, que exigiram do deputado federal Airton Faleiro (PT/PA), um dos convocantes da reunião, uma explicação sobre o caráter do evento. Na última semana, uma comissão de garimpeiros, que havia trancado a BR 163, foi recebida pela cúpula do governo federal com a promessa de legalização da atividade.
De acordo com uma das assessoras da Associação das Mulheres Munduruku Wakoborun, as mulheres foram as primeiras a chegar ao local da reunião no início da manhã. Segundo ela, o deputado Airton Faleiro ouviu a reivindicação das indígenas, que leram uma carta na qual as entidades Munduruku expressaram seu repudio à atividade minerária (leia abaixo). “O deputado Airton Faleiro disse que respeitaria as mulheres quando explicamos que nossos direitos estavam sendo violados, mas disse também que era uma audiência publica que não discutiria mineração em terra indígena, principalmente nas áreas Munduruku”, explicou.
Liderança munduruku lê carta para parlamentares repudiando o garimpo em terras indígenas. (Divulgação)
Em função dos protestos dos munduruku, a audiência foi transferida para a câmara municipal de Itaituba, onde, ao contrario das afirmações de Faleiro, garimpeiros, vereadores e prefeitos da região voltaram a exigir a liberação do garimpo ilegal nas áreas indígenas e protegidas.
De acordo com o portal de notícias Folha do Progresso, “na audiência foi criado um documento para apresentar como proposta de legalização das áreas para extração de ouro na região”. Segundo o site, um novo encontro foi agendado para dia 02 de outubro em Brasília, sendo que “os garimpeiros confiam que o Presidente Jair Bolsonaro legalize os garimpos dentro destas áreas e nas terras indígenas”.
O prefeito de Novo Progresso, Macarrão, afirma o portal, expressou “o compromisso de lutar pela legalização dos garimpos na sua cidade e região”, e exigiu que “o governo tem que rever a lei sobre as queimadas de máquinas e sobre as APAS [Áreas de Proteção Ambiental], FLONAS [Florestas Nacionais] e reservas indígenas. ‘Isto inviabilizou nosso município, eu sou garimpeiro e garimpeiro é trabalhador’, disse.”
De acordo com uma liderança do movimento de mulheres, os caciques munduruku ficaram muito contrariados, principalmente com a cooptação de vários indígenas por parte de garimpeiros e políticos locais. “Eles estão muito preocupados com a geração de conflitos internos. Os caciques estão muito revoltados, não sei como vai ficar depois disso que aconteceu hoje aqui”.
Leia a seguir a carta das organizações munduruku.
Mundurukânia, 27 de setembro de 2019
O desgoverno do Brasil não fala pelo povo Munduruku.
Bolsonaro, em sua fala na ONU, disse que nós indígenas somos “homens da caverna”. Ele nos define pelo que ele é. Bolsonaro não nos representa e as suas palavras são vazias. Nossas crianças tem mais sabedoria que ele.
Reunimos caciques, cacicas, guerreiras, guerreiros, pajés, cantores e professores do nosso povo Munduruku do médio e alto Tapajós e baixo Teles-Pires. Conversamos sobre todos os ataques e ameaças aos povos indígenas no Brasil e nossos territórios e direitos.
Trazemos a nossa palavra.
Sabemos que os “daydu” – nome que damos a políticos traidores – estão fazendo leis para acabar com a demarcação de terras indígenas. Querem liberar nossas terras para exploração de minérios, construção de hidrelétricas, ferrogrão, hidrovia.
Querem acabar com os povos indígenas, destruindo nossas florestas, rios e locais sagrados. Somos contra o garimpo e mineração em terra indígena. O garimpo está dividindo nosso povo, trazendo novas doenças, contaminando nosso povo com mercúrio, trazendo drogas, bebidas, armas e prostituição. E ganância.
Tudo isso impacta todos os povos indígenas, comunidades tradicionais como Montanha e Mangabal e principalmente nosso povo Munduruku que vivem e protegem há centenas de anos os rios e as florestas do Tapajós. Não existe diálogo para destruição. Nós não negociaremos nossas terras e vamos impedir qualquer organização que servem a isso de entrar no Tapajós.
Alguns parentes cegos com o brilho do ouro, estão fazendo o jogo sujo dos daydu, e publicamente afirmando que o povo Munduruku é a favor de garimpo e da mineração. Vamos repetir: suas palavras estão cheias de “dapxim” – cheias de ódio e mentira.
Esses Munduruku sentados nessas mesas de Brasília com vocês estão doentes. Eles deixaram máquinas de garimpo destruírem nossa terra, e não nos representam, e nem são a maioria.
Nenhum vereador representa o povo Munduruku, porque ele não faz parte da nossa política e organização tradicional. Não podem falar de nenhum lugar sagrado, não podem negociar em nome do povo Munduruku.
Somos mais de 14 mil e temos o nosso movimento de resistência e nossas associações. Temos um protocolo de consulta que deve ser respeitado por vocês como lei, com direito de veto.
Nenhuma lei pode dizer como será feita a consulta a cada povo. A convenção 169 já existe para dizer o que é consulta livre, prévia e informada e nosso protocolo existe para dizer como ela deve ser feita. Não estamos sendo consultados sobre nenhuma dessas leis e projetos que vocês estão pensando para o Tapajós, que é a nossa casa.
Temos autonomia para ter nossa organização e decidir sobre nosso futuro, como vocês escreveram na Constituição Federal de 1988 e na Convenção 169 da OIT.
Estamos construindo nosso bem viver com a sabedoria das mulheres, geradoras da vida, dos nossos pajés, guias espirituais, dos nossos guerreiros, das nossas lideranças e também das nossas crianças, e estamos prontos para rasgar todas essas leis e projetos que espalham a morte.
Queremos alertar vocês que somos um povo guerreiro. Aprendemos a guerrear com o grande Karodaybi, nos silêncios das madrugadas, e por isso, somos chamados por outros povos de formigas de fogo.
Estamos prontos para guerra que vocês estão travando e queremos avisar que aqui no nosso território na Mundurukânia, ocupada há séculos pelos nossos antepassados, onde por toda parte do Tapajós encontramos pegadas e sinais de Karosakaybu e Muraycoko, ninguém vai entrar para explorar, destruir e transformar tudo em mercadoria e dinheiro. Já passou da hora do Governo cumprir as leis que vocês mesmos escreveram e retirar os invasores das nossas terras. Denunciamos há mais de 20 anos os madeireiros e garimpeiros pariwat e sempre temos que agir sozinhos.
Mas não vamos parar e não vamos nos render. Nunca perdemos uma guerra e já cortamos algumas cabeças de inimigos. Será que teremos que voltar a cortar as cabeças dos inimigos? Sabemos como agir, a partir da nossa política e organização tradicional.
Movimento Munduruku Ipereg Ayu
Associação das Mulheres Munduruku Wakoborun
Associação Indígena Pariri (Médio Tapajós)
Associação Dace (Teles-Pires)
Associação Wuyxaximã
Associação Indígena Pusuru
Associação Kurupsare
CIMAT
Sawe!
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Audiência com garimpeiros em Itaituba aumenta irritação de entidades Munduruku - Instituto Humanitas Unisinos - IHU