05 Agosto 2019
O Instituto João Paulo II formou muitas centenas de pastores e de professores, com base em uma leitura fundamentalista e integralista da tradição matrimonial e familiar. Salvo raríssimas exceções, ele sempre permaneceu dentro de uma leitura “antimoderna” da tradição, alimentada pelos fantasmas da luta frontal contra a cultura liberal e a “dissolução da família” que esta gostaria de realizar, por causa do seu individualismo.
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu Santo Anselmo, em Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, em Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Justina, em Pádua. O artigo foi publicado por Come Se Non, 02-08-2019. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Segundo o teólogo, "a Igreja não precisa de teologias da corte. Nem da corte de João Paulo II, nem da de Bento XVI, nem da de Francisco. A lógica da corte nunca condiz com o teólogo. Ao contrário, não há teologia alguma enquanto a forma de vida for a da corte".
Eu não gostaria de entrar nos aspectos individuais que caracterizam as polêmicas que surgiram em torno do instituto acadêmico que, nos últimos 40 anos, ocupou-se como nenhum outro dos temas do matrimônio e da família. Luciano Moia, no jornal Avvenire de 2 de agosto, ofereceu uma ótima leitura deles, respondendo a uma carta assinada por alguns professores do instituto.
Parece-me interessante observar uma série de paradoxos, que às vezes marcam a vida da Igreja e a levam a uma evolução inesperada, mas providencial. Tais paradoxos dizem respeito à vida da Igreja em relação ao ministério dos teólogos. Eu os apresento sucessivamente, quase como aforismas em sequência.
1. O desenvolvimento de uma “teologia do matrimônio e da família” sofreu, ao longo dos últimos 40 anos, muitas formas de pressão: em primeiro lugar, foi a ideia, não nova, de “defender a família do novo mundo que modernidade estava construindo”. Um pensamento “antimodernista” sobre a família e sobre o matrimônio retomava o fôlego, após de ter sido um cavalo de batalha de 1880 a 1931, depois até o Concílio Vaticano II, e depois, de novo, a partir da Familiaris consortio, em 1981, com a fundação no mesmo ano do Instituto “João Paulo II”.
2. Esse instituto formou muitas centenas de pastores e de professores, com base em uma leitura fundamentalista e integralista da tradição matrimonial e familiar. Salvo raríssimas exceções, ele sempre permaneceu dentro de uma leitura “antimoderna” da tradição, alimentada pelos fantasmas da luta frontal contra a cultura liberal e a “dissolução da família” que esta gostaria de realizar, por causa do seu individualismo.
3. Assim, desenvolveu-se uma cultura acadêmica católica sobre a família e sobre o matrimônio, que assumiu progressivamente a figura de uma “ideologia”, incapaz de ler o desenvolvimento social, cultural e civil, senão com os paradigmas do século XIX da “ilegitimidade”, da “incompetência” e da “ameaça” à tradição.
4. Essa cultura acadêmica regenerou a si mesma por duas gerações, chegando até o duplo Sínodo sobre a família, de 2014 e 2015, em cujo interior não pôde mais exercer o seu “poder de veto” com o qual, de fato, havia paralisado a reflexão teológica dentro da oficialidade católica por quase 40 anos. Recorrendo frequentemente aos métodos mais para silenciar todos aqueles que queriam continuar pensando e não aceitavam repetir slogans ideológicos.
5. Era inevitável que, após os dois Sínodos e a publicação da Amoris laetitia, os detratores dessa nova fase, que viam todo desenvolvimento como “corrupção”, “perversão” ou “erro”, fossem forçados a se retirar. Não tendo argumentos, usaram o poder financeiro ou a intimidação para tentar ainda fazer valer as suas ideologias.
6. Uma “teologia da corte” inteira havia se criado em torno do matrimônio e da família. Uma teologia que não servia à Igreja, mas apenas a si mesma. Uma teologia imóvel, bloqueada, atemorizada pelas novas formas de vida, preocupada apenas em excomungar toda expressão de inteligência da fé que não procedesse de modo rígido, apriorístico e definidor. E que não criasse sobre a “matéria familiar” (da sexualidade à coabitação) uma série de barreiras, de proibições, de bloqueios, de obstáculos.
7. Mas a experiência eclesial do matrimônio e da família caminhou assim mesmo, apesar dessas tentativas, muitas vezes desajeitadas e pouco inteligentes, de bloquear, de excomungar, de excluir. A rica experiência natural e civil de relação, de coabitação, de geração soube convencer melhor a tradição eclesial de que chegara o momento de sair dos estilos e das modalidades com os quais o século XIX havia enfrentado e resolvido as novas questões sobre a união e sobre a geração.
8. A reconstrução da virada sinodal e papal, apresentada imprudentemente como um “golpe”, trai a natureza “cortesã” da teologia elaborada pelo instituto ao longo da sua história. Ela não consegue reconhecer que, ao contrário, se trata da “legítima defesa” com que a sã tradição reage ao golpe imposto a partir dos anos 1980 e que tornou o pensamento oficial da Igreja sobre matrimônio e família largamente autorreferencial e altamente infecundo.
9. A Igreja não precisa de teologias da corte. Nem da corte de João Paulo II, nem da de Bento XVI, nem da de Francisco. A lógica da corte nunca condiz com o teólogo. Ao contrário, não há teologia alguma enquanto a forma de vida for a da corte. A teologia deve ser muito mais respeitosa e muito mais crítica do que uma corte. Não deve nem murmurar às escondidas nem elogiar ostensivamente. Por isso, a teologia do instituto declinou irremediavelmente. Ela não honrou a realidade, mas idealizou as coisas e as pessoas, as obras e os dias. Por isso, tornou-se não um recurso, mas sim um problema.
10. Quando uma teologia da corte é deixada livre para dominar durante 40 anos, não é fácil encontrar credibilidade novamente. É preciso dizer que o instituto não agia em regime de monopólio: outras instituições puderam elaborar um saber confiável e argumentado sobre os temas da família. Mas a relevância do instituto, contudo, era grande e forte, também como influência sobre o mistério eclesial, central e local. Agora, é preciso correr para consertar. Criando uma nova geração de teólogos realmente com autoridade, que não caiam naquelas formas de idealização não equilibrada que sempre gera monstros.
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O avanço eclesial e o obstáculo das teologias da corte: 10 ideias sobre o Instituto João Paulo II - Instituto Humanitas Unisinos - IHU