10 Setembro 2016
"A reta atitude dos cristãos consiste em considerar as ocupações no mundo como um 'caminho para o Paraíso', direcionando todas as atividades para a glória de Deus: 'podemos realizar todas as coisas de boa vontade, para o Senhor, e não para os homens, sendo ativos e recolhidos ao mesmo tempo'. Para corroborar os fiéis nessa atitude, Newman oferece alguns conselhos. Cita primeiro a palavra de São Paulo, lema do inteiro sermão: 'Quer comais, ou bebais, ou que façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus' (1Cor 10,31). A partir desta afirmação, o pregador argumenta que tudo pode ser feito para a glória de Deus, e, em particular, aquilo que parece pequeno ou insignificante. De fato, para a glória de Deus, o cristão pode aceitar e também suportar dificuldades e fracassos", escreve Heramnn Geissller, em artigo publicado por L'Osservatore Romano, 03-04, 09-2016. A tradução é de Ramiro Mincato.
Eis o artigo.
Em 1 de novembro de 1836, John Henry Newman, pregador anglicano, fez um sermão sobre o tema "Dar glória a Deus nas atividades terrestres". Partiu do princípio de que a grande maioria dos cristãos exerce uma profissão no mundo, e é o seu dever "glorificar a Deus exatamente em tal missão, no seu âmbito e por meio dela". De acordo com Newman, no cumprimento desta missão, deve-se evitar dois perigos: por um lado, de ser absorvido pelo mundo e exercer a profissão com espírito terreno. Newman retinha ser esta, infelizmente, a atitude dominante nas sociedades modernas: "Falo do espírito de ambição, usando uma palavra forte, que na verdade, é a única que expressa plenamente meu pensamento, a baixa ambição, em que cada um preocupa-se com sucesso e ascensão na vida, em acumular dinheiro, suprimir rivais e suplantar os primeiros chegados. Eis um quadro da mentalidade que, mais ou menos, dependendo dos diferentes temperamentos, todos se inspiram em suas atitudes em relação ao mundo. Melhor, muito melhor seria ficar totalmente longe do mundo ao invés de ligar-se deste modo, é melhor fugir como Elias para o deserto, que servir a Baal e Astaroth em Jerusalém”. Por causa desta mentalidade, os homens tornam-se, frequentemente, escravos do mundo e adoradores dos deuses e, sobretudo, de "Mamon", o dinheiro.
Por outro lado, Newman menciona também outra tentação, que é a de fugir do mundo. O pregador de Oxford descreve essa falsa atitude com estas palavras: "Sabendo que deve ser o que a Escritura denomina de "homem espiritual" (1Cor 2,15), ele imagina ser absolutamente necessário renunciar a todas as atividades terrenas, desinteressando-se, desprezando os prazeres naturais e normais da vida. Assume o dever o violar os costumes da sociedade, com ar de melancolia e um tom triste de voz; mantém-se silencioso e ausente, mesmo entre amigos e membros da família, como se dissesse para si mesmo: "tenho ocupações demasiado altas para participar destas coisas efêmeras e miseráveis". O cristão, tendente a Deus e a vida eterna, não desvaloriza sua responsabilidade no mundo, nem negligencia seus deveres terrenos.
A reta atitude dos cristãos consiste em considerar as ocupações no mundo como um "caminho para o Paraíso", direcionando todas as atividades para a glória de Deus: "podemos realizar todas as coisas de boa vontade, para o Senhor, e não para os homens, sendo ativos e recolhidos ao mesmo tempo". Para corroborar os fiéis nessa atitude, Newman oferece alguns conselhos. Cita primeiro a palavra de São Paulo, lema do inteiro sermão: "Quer comais, ou bebais, ou que façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a glória de Deus" (1Cor 10,31). A partir desta afirmação, o pregador argumenta que tudo pode ser feito para a glória de Deus, e, em particular, aquilo que parece pequeno ou insignificante. De fato, para a glória de Deus, o cristão pode aceitar e também suportar dificuldades e fracassos: "De boa vontade, portanto, intento aceitar uma condição que, sem o conhecimento de todos, vai ser penosa para mim. Ao invés de reclamar com Deus, vou ocupar-me, com diligência, no que eu não gosto: negar-me-ei a mim mesmo; não há sofrimento que não possa ser suportado de modo razoável se confortados pelo pensamento de Deus, pela sua graça e por uma vontade sólida ".
Cumprindo fielmente os deveres diários e aceitando os desafios para a glória de Deus, os fiéis podem encontrar paz, conforto e serenidade. O fiel procurará, então, fazer "brilhar diante dos homens sua própria luz interior", dizendo no seu coração: "Meus pais, meus professores e meu chefe não poderão nunca dizer de mim que a religião me arruinou. Pelo contrário, me verão mais ativo e diligente do que antes, meus companheiros nunca terão oportunidade de rir da minha ostentação: Nunca ostentarei nada, mas cumprirei, com a bênção de Deus, meu dever, de maneira viril". Através de um trabalho empenhado, fiel e sincero, o cristão testemunha a luz do Evangelho. Newman também observa que o próprio Senhor Jesus trabalhou por muitos anos, que alguns dos apóstolos eram pescadores antes de serem chamados por ele, Paulo até continuou sua profissão de fabricante de tendas, mesmo depois de sua conversão. Como é possível encontrar Cristo nos pobres, nos perseguidos, nas crianças, assim os fiéis podem encontrá-lo no humilde trabalho de cada dia: "Perceber-se-á, então, que se pode encontrar a verdadeira união com o Salvador também na fadiga. Como é necessário vê-lo nos vários tipos de ocupação que ele designou aos seus eleitos. O fiel se encontrará com Cristo no exercício da própria vocação humana. Não será por negligenciá-la, que poderá desfrutar melhor da presença do Senhor: poderá senti-lo bastante próximo a si, no trabalho cotidiano, elevado quase à dignidade de um sacramento".
Newman descreve o trabalho cotidiano como uma realidade quase sacramental, porque nele a pessoa pode encontrar, de modo particular, o Cristo trabalhador. Fala também da humildade que Jesus pregou e viveu, e exorta seus discípulos a cumprirem seus deveres com grande disponibilidade. Os exemplos de Jesus "devem necessariamente agir sobre o cristão; ele dedicar-se-á ao trabalho com amor, sem procrastinar de um momento, feliz de tornar-se humilde e participar daquelas condições de vida que atraíram as mais especiais bênçãos de Jesus". No trabalho cotidiano podemos imitar a humildade e o abaixamento de Jesus de muitas maneiras. A humildade é uma virtude exigente para todos, mas nos faz felizes, amáv eis, e conformes ao coração de Cristo.
A profissão terrena é, finalmente, também um meio "para impedir os pensamentos vãos e desnecessários. Muitas vezes, sentimentos ruins nascem no coração, porque a ociosidade os favorece. O homem que, a cada dia, tem seu dever a cumprir, e que o executa hora por hora, é subtraído de uma multidão de tentações: estas não têm o tempo necessário para obter vantagens sobre ele". Um famoso provérbio citado por Newman diz: "A ociosidade é a mãe de todos os vícios".
Em conclusão, Newman recorda que devemos sempre fazer as atividades terrenas com diligência, sinceridade e honestidade, não para agradar o mundo, mas a Deus. Perseverar nesta atitude é um grande desafio para os cristãos. Newman convida, então, os fiéis a orarem a Deus, para que conceda, a cada dia, a graça de fazer a Sua vontade, de comer e de beber, de jejuar e de rezar, de trabalhar com as mãos e com o espírito para a glória daquele que nos criou e nos redimiu com seu sangue.
Newman vê a responsabilidade dos cristãos no mundo, sobretudo, na missão de executar suas atividades para a glória de Deus. Como ensina a Constituição dogmática Lumen Gentium, a missão dos fiéis leigos, no mundo, é acima de tudo aquela "de iluminar e ordenar todas as coisas temporais, as quais estão intimamente ligados, de modo que sejam feitas e cresçam constantemente de acordo com Cristo, e sejam de louvor ao Criador e Redentor" (n. 31). As ideias de Newman podem ajudar-nos a pôr em pratica essas palavras.
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A missão dos cristãos no mundo segundo John Henry Newman. Para agradar a Deus - Instituto Humanitas Unisinos - IHU