11 Outubro 2016
“Um dirigente político que costuma dialogar com Bergoglio utiliza um termo do futebol para definir o Papa e a sua forma de se movimentar no cenário político: ‘ele é um jogador que joga no campo todo’”, escreve Washington Uranga, em artigo publicado por Página/12, 08-10-2016. A tradução é de André Langer.
Dentro de alguns dias, Mauricio Macri e o Papa Francisco terão um novo encontro no Vaticano, embora o encontro previsto para o próximo sábado, 15 de outubro, tenha características diferentes daquele de fevereiro passado. Segundo informou o embaixador argentino junto à Santa Sé, Rogelio Pfirter, a audiência terá caráter privado, não oficial, e a conversa acontecerá em um salão contíguo à Aula Paulo VI, onde se realizam as audiências gerais. O presidente pretende mostrar que, para além dos gestos do Papa tomando distância, a relação com Francisco é boa e cordial.
Por isso, Macri aproveitou a ocasião da cerimônia de canonização do padre cordobês José Gabriel Brochero, que acontecerá no domingo no Vaticano, para dar uma piscada para Francisco. Na Chancelaria existe otimismo sobre os resultados do encontro depois dos gestos pouco satisfatórios em relação ao Governo provocados pelo Papa na ocasião anterior, às quais se somaram outros episódios lidos com desagrado pelo presidente e seus colaboradores. Admitem que o fato de que se trate de uma visita não oficial, de caráter mais informal, permitirá outro tipo de aproximação. Em todo caso, o Papa não concedeu algo que para Macri teria sido importante: que Francisco o recebesse em Santa Marta, sua própria casa, como aconteceu antes com a ex-presidente Cristina Fernández de Kirchner.
Macri terá sua própria comitiva integrada por sua esposa Juliana Awada, a filha de ambos, Antonia, a filha do primeiro casamento Agustina (33 anos) e também Valentina (13 anos), filha de Awada em seu casamento com Bruno Barbier. Ainda integram a comitiva a chanceler Susana Malcorra, o secretário de Culto Santiago de Estrada e seu subsecretário Alfredo Abriani e o secretário de Assuntos Exteriores, Fulvio Pompeo.
Vale recordar que por ocasião da canonização do padre Brochero nos mesmos dias estarão em Roma centenas de católicos argentinos que participarão da cerimônia oficial no domingo, acompanhados de padres e mais de 30 bispos argentinos. Brochero não é o primeiro santo argentino, uma vez que em 1999 já foi canonizado o mártir lassalista Héctor Valdivielso Sáez, nascido em Buenos Aires e assassinado na Espanha durante a Revolução de Astúrias, anterior à guerra civil espanhola. No entanto, como costuma destacar o Episcopado e o recordou o embaixador Pfirter, Brochero é “o primeiro santo que nasceu, viveu e morreu na Argentina”.
Antecipando-se a qualquer jogada de Macri, o Papa enviou há poucos dias um vídeo dirigido ao povo argentino através do qual já adiantou que não irá à Argentina em 2017. Por diversas razões, Bergoglio quer evitar que sua presença provoque especulações de ordem política ou seja utilizada à margem de suas próprias intenções. Por um lado, devemos considerar que em 2017 será um ano eleitoral, momento em que as posições estarão muito acirradas. Francisco quer permanecer à margem dessa disputa.
Mas também é certo que sua preocupação com os temas sociais e pela situação dos pobres na Argentina – algo que o Papa não oculta – o teriam obrigado a fazer referência direta ao cenário socioeconômico em seus discursos no país. O governo também lê esta realidade e até recebeu com alívio o anúncio de que Francisco não fará uma visita ao país em 2017. Mesmo quando não tenha caído muito bem o fato de que em sua mensagem o Papa incluísse um pedido especial a todos os argentinos para “tomar a Pátria sobre os ombros, essa Pátria que necessita que cada um de nós lhe entregue o melhor de nós mesmos, para melhorar, crescer e amadurecer”.
Em outra passagem da sua mensagem, Bergoglio pediu “que todo o mundo possa viver com dignidade e que se possa expressar pacificamente sem ser insultado ou condenado, ou agredido ou descartado”. Nas frequentes conversas com seus interlocutores argentinos, o Papa não dissimula sua preocupação com o risco de uma repressão violenta aos protestos sociais na Argentina e não esconde seu incômodo com a detenção de Milagro Sala, transformada em presa política em uma prisão de Jujuy.
Mas, assim como receberá Macri, o Papa já adiantou seu convite a organizações sociais argentinas para um encontro que acontecerá em Roma nos primeiros dias de novembro. Trata-se do Encontro Mundial de Movimentos Populares patrocinado pelo próprio Francisco e em cujo cenário o Papa costuma fixar suas posições mais firmes a favor dos pobres e da inclusão social.
O Movimento Evita, a Confederação de Trabalhadores da Economia Popular (CTEP), Bairros a Pé e a Corrente Classista e Combativa (CCC) já receberam seus convites para estar em Roma, algo que muitos leem como um apoio explícito às demandas que estes grupos vêm realizando sobre os temas sociais e contra as políticas econômicas do governo da Aliança Mudemos. Não serão os únicos participantes do congresso de novembro: também estarão presentes alguns deputados, inclusive da situação, que irão participar na qualidade de “observadores”. Não se descarta também a presença de dirigentes sindicais vinculados à CGT, recentemente unificada.
Mas, à margem de tudo o que foi dito anteriormente, Bergoglio não deixa de intervir nas questões da vida cotidiana na Argentina. Em alguns casos por própria iniciativa, em outros, respondendo a pedidos vindos do nosso país. Como exemplo, vale dizer que nas últimas semanas uma indicação de Francisco culminou com uma gestão direta do presidente da Conferência Episcopal, arcebispo José María Arancedo, junto ao Governo para destravar o conflito com o SADO (Sindicato Argentino de Professores Particulares) e, deste modo, reabrir a negociação paritária à qual o ministro da Educação, Esteban Bullrich, havia se negado terminantemente.
Um dirigente político que costuma dialogar com Bergoglio utiliza um termo do futebol para definir o Papa e a sua forma de se movimentar no cenário político: “ele é um jogador que joga no campo todo”.
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Francisco, um jogador que joga no campo todo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU