12 Abril 2011
Qual o centro do pensamento paulino? Nas epístolas de Paulo de Tarso, vemos elementos que manifestam uma coerência em torno a um núcleo teológico?
Essas foram as perguntas gerais que guiaram o segundo dia do curso Ler Paulo hoje. Um estudo em diálogo com filósofos contemporâneos, com o teólogo suíço Daniel Marguerat, dentro da programação da Páscoa IHU 2011. Professor emérito de Novo Testamento da Universidade de Lausanne, Suíça, serviu como pastor em algumas Igrejas Evangélicas Reformadas da Suíça nas décadas de 1970 e 1980. Além disso, foi coordenador da Faculdade de Teologia da Universidade de Lausanne e presidente da Studiorum Novi Testamenti Societas e da Federação das Faculdades de Teologia de Genebra-Lausanne-Neuchâtel.
No curso, que iniciou nesta segunda-feira e encerra hoje, o teólogo apresenta a figura de Paulo no cruzamento, na encruzilhada entre três culturas – judaica, grega e romana. Desse encontro, defende o teólogo, é que nasce o cristianismo.
Por isso, é importante partir da sua "conversão" de Damasco, da "transformação mística", segundo Marguerat, vivida pelo apóstolo. Porém, como defendeu o teólogo, a conversão de Paulo não foi uma passagem de uma religião à outra, mas sim uma aceitação radical, enquanto judeu, de Cristo como Messias. A sua conversão – "voltar-se para", "mudar de direção" – é uma mudança de olhar sobre Deus e sobre o ser humano.
Porém, para Marguerat, a relação entre Paulo e o judaísmo tornou-se um tema aberto e extremamente complicado a partir da década de 1980. "Uma questão vulcânica", afirmou, com a potencialidade de gerar desdobramentos violentos. Segundo o teólogo, Paulo manifesta em suas cartas uma posição crítica perante a lei judaica, a Torá, e isso tem uma grande importância em seu pensamento. Entretanto, ver Paulo como um "separador" entre cristianismo e judaísmo, entre catolicismo e luteranismo é um resultado não de sua pessoa enquanto tal, mas sim das leituras feitas sobre o seu pensamento.
Uma nova perspectiva
Para inverter a interpretação clássica da figura de Paulo, uma corrente exegética indicou uma "New Perspective on Paul" (NPP), ou seja, uma nova perspectiva sobre Paulo. Essa linha de análise, segundo Marguerat, centraliza-se em três pensadores: o norte-americano Ed P. Sanders, o inglês James D. G. Dunn e o finlandês Heikki Räisänen.
Em resumo, esses teóricos buscaram inverter essencialmente três pontos: que o centro da doutrina paulina é a justificação pela fé; que Paulo opõe a gratuidade da salvação a uma salvação por merecimento; e que o erro do judaísmo é a pretensão humana a conquistar a sua própria salvação, contrapondo uma lógica do desempenho a uma lógica do dom. Segundo Marguerat, esses pontos centrais de crítica por parte da nova perspectiva seriam justamente frutos de uma "luteranização" de Paulo. Assim, a NPP propõe, ao contrário, uma "desluteranização" do pensamento paulino.
E o fazem em um programa de três tópicos, explicitados por Marguerat. O primeiro afirma, a partir de Sanders, que o judaísmo não é uma religião legalista, mas sim uma religião da graça, ultrapassando o que alguns autores chamavam de "covenantal nomism", ou seja, um nomismo da Aliança, focado na lei. Para Sanders, a partir da acolhida gratuita à Aliança, a lei é uma modalidade de fidelidade. A Aliança é gratuita, é graça. A lei vem depois, como fidelidade à Aliança: ou seja, não é uma questão de "getting in" (entrar), mas sim de "staying in" (permanecer) na Aliança, e essa é a importância da lei para a fé judaica.
Por outro lado, o segundo tópico destacado por Marguerat é que a crítica da lei por Paulo não é nem fundamental, nem primordial em seu pensamento, como afirma Dunn. O que é fundamental é a abertura da salvação aos pagãos.
Por último, Marguerat afirmou que, para a NPP, Paulo critica a lei, justamente, em sua missão de evangelizar os pagãos. Se a lei é o marcador identitário de Israel entre as nações (circuncisão, descanso sabático, demais rituais), ela gera um exclusivismo da salvação perante os pagãos. Para abrir a salvação a todos, era necessário contrariar a lei, a Torá, que, apenas por isso, era um obstáculo à evangelização, e não enquanto tal.
Em síntese, o que a NPP busca afirmar é que a lei não deve ser interpretada como um imperativo: é dom e exigência. Porém, outro teórico finlandês, Timo Eskola, analisa que as ações têm um papel central na observância da Aliança, que pode ser gratuita, mas exige uma contrapartida: o "staying in". Eskola, portanto, indica no judaísmo um "nomismo da sinergia": ou seja, uma obra conjugada entre Deus e a salvação, que "depende" tanto de Deus quanto do ser humano (como diz o provérbio "Ajuda-te, e o céu te ajudará").
Dom e fidelidade
Porém, afirmou Marguerat, para Paulo, todos são gratuitamente justificados pela graça. Portanto, para o pensamento paulino, não há um laço entre "dar e receber" a salvação. A fé é recepção gratuita, ato de confiança, não depende da performance ou do desempenho do fiel.
Esquematizando em dois polos – dom e fidelidade –, Paulo, indo além do judaísmo, os diferencia no tempo. Para os judeus, a salvação dependia da acolhida do fiel. Em Paulo, a salvação, a graça, a fé é sempre gratuita e independe da fidelidade do fiel. Segundo Marguerat, Paulo exclui a lei do polo do dom. A identidade de filho de Deus é doada gratuitamente. O fiel não deve nada a Deus. Em sua liberdade, ele apenas recebe um chamado: "Seja fiel ao que você se tornou, ao que Deus fez de você", exemplificou o teólogo. É nessa fidelidade que Paulo ressitua a Torá, sem, no entanto, afetar o polo do dom, sempre gratuito.
Em suma, conforme Marguerat, Paulo nos quer dizer que não podemos fazer nada para merecer a salvação. "E, se não entendemos isso, não entendemos nada do Evangelho", disse.
Teologia da cruz
Retomando as epístolas de Paulo, porém, apenas três abordam a questão da gratuidade da graça e da justificação pela fé: Gálatas, Filipenses e Romanos. Marguerat, então, propõe o conceito-chave do pensamento paulino, que se concretiza diversamente em função das problemáticas encontradas e das culturas dos destinatários das cartas, mas que é central para todas as epístolas: aquilo que o teólogo chamou de "teologia da cruz". A cruz de Jesus, que morre como um homem sem qualquer qualificação perante a lei, torna-se o princípio de inteligibilidade do cristianismo.
Essa teologia, segundo Marguerat, é uma leitura da cruz que se distancia de qualquer visão dolorista ou masoquista do sofrimento de Cristo. Paulo não propõe uma piedade mortificadora, uma salvação pelo sofrimento. "A cruz por si só é o fracasso, o fiasco, a tragédia do martírio devido ao poder político", afirmou. Ao contrário, a teologia da cruz é uma leitura da cruz a partir da Páscoa. Uma leitura que permite dizer que, "a partir dessa morte, pode surgir uma esperança", sintetizou.
Por isso, é uma teologia para a qual a cruz não é o objeto, mas sim o sujeito: pensa-se o cristianismo a partir da cruz, e esta, por sua vez, a partir do querigma, da morte e da ressurreição de Cristo. Assim, para Marguerat, a cruz é vista "como princípio de verdade, e não como objeto de discurso".
O teólogo percebe a formulação mais densa dessa teologia paulina em I Coríntios 1, 18-25, onde se lê: "A linguagem da cruz é loucura para aqueles que se perdem. Mas, para aqueles que se salvam, para nós, é poder de Deus". Essa loucura, esse absurdo, essa "tolice insignificante" – que para Marguerat é o sentido apropriado para a época – que é a cruz para os que "se perdem", para aqueles que decidem não aceitar a salvação, é poder de Deus para aqueles que "estão sendo salvos". Ou seja, a cruz se atravessa em um imaginário de Deus como onipotente. Paulo, segundo Marguerat, propõe justamente que se abandonem as categorias teológicas de onipotência para aceitar as manifestações inimagináveis e paradoxais de Deus.
Retomando Lutero, "a cruz é a nossa única teologia", lembrou Marguerat. De certa forma, a linguagem de Paulo vem "crucificar", portanto, as nossas imagens anteriores de Deus. Em Jesus, a força de Deus se manifesta na sua extrema fragilidade.
Essa "teologia em ruptura", essa "teologia da descontinuidade" paulina, afirmou Marguerat, interpreta a cruz como o "princípio de leitura de uma realidade sociológica": Entre vós não há muitos intelectuais, nem muitos poderosos, nem muitos da alta sociedade. Mas Deus escolheu o que é loucura no mundo, para confundir os sábios; e Deus escolheu o que é fraqueza no mundo, para confundir o que é forte" (I Coríntios 1, 26-27).
O último dia do curso Ler Paulo hoje, nesta quarta-feira, irá abordar ainda "Agamben e o «tempo» de Paulo" e "A mística paulina".
Em português, Marguerat já publicou A Primeira História do Cristianismo: Os Atos dos Apóstolos (Paulus/Loyola, 2003), Novo Testamento: História, Escritura e Teologia (Loyola, 2009) e Para Ler as Narrativas Bíblicas: Iniciação à Análise Narrativa (Loyola, 2009), juntamente com Yvan Bourquin.
A programação da Páscoa IHU 2011 continua até o final deste mês. Confira aqui o programa completo.
(Por Moisés Sbardelotto)
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Paulo e a teologia da cruz: ruptura e descontinuidade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU