21 Mai 2013
Para a surpresa de ninguém, divulgação no dia 13 de maio do anuário estatístico do Vaticano de 2013, que pesquisou a população católica mundial em 2011, confirmou a mudança no centro de gravidade do catolicismo da Europa e da América do Norte para o hemisfério Sul.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada no sítio National Catholic Reporter, 17-05-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Anuário mostra que a população católica mundial, agora em 1,2 bilhão, manteve o ritmo com o crescimento global em 2011, mas com grandes disparidades regionais. O catolicismo na África aumentou 4,3% e, na Ásia, 2%, ambos o dobro da taxa geral, mas na Europa, apenas 0,3%. A tendência se aplica ao cristianismo em geral. De acordo com o Centro para o Estudo do Cristianismo Global, o coração demográfica da fé está agora em Timbuktu, Mali, e, até 2100, terá se deslocado ainda mais para o Sul, para Sokoto, na Nigéria.
No circuito de palestras, os católicos da América do Norte e da Europa, curiosos sobre como isso irá se desdobrar, muitas vezes fazem duas perguntas muito intrigantes:
- A ascensão do "Sul global" irá significar uma mudança das questões que avultam no Ocidente, especialmente as "guerras culturais" – contraceptivos, direitos gays, aborto e assim por diante?
- Isso vai significar uma Igreja menos política, enquanto o catolicismo está sendo cada vez mais moldado por culturas sem o legado europeu do emaranhado Igreja-Estado?
As Filipinas são um bom lugar para ir à procura de respostas, especialmente à luz das eleições para o Congresso da semana passada, em que uma lei controversa que exige que o Estado distribua contraceptivos desempenhou um papel proeminente. Com base nessa experiência, a resposta mais convincente para as duas perguntas é provavelmente "não".
As Filipinas são um bom termômetro católico por quatro razões.
Primeiro, é uma potência demográfica. É o terceiro maior país católico do mundo com 75,3 milhões de fiéis, que deverão aumentar para 105 milhões até 2050. Segundo, o cardeal Luis Antonio "Chito" Tagle, de Manila, é o prelado mais carismático da Ásia e, com apenas 55 anos, ele vai ser uma força por um longo tempo. Terceiro, a Igreja ainda tem um considerável capital social, em parte relacionado com o seu papel no movimento Poder Popular que derrubou o regime de Ferdinand Marcos. Quarto, há uma crescente diáspora filipina, levando suas experiências e perspectivas a outras culturas católicas (uma prova desse ponto: há cerca de 1,5 milhão de católicos na Arábia Saudita hoje, 1,2 milhão dos quais são trabalhadores filipinos convidados).
Pesquisando-se a situação nas Filipinas, ela não parece ser exatamente uma prescrição para uma trégua nas brigas sobre moral sexual ou para uma Igreja menos política.
Entre as questões mais controversas na política filipina ultimamente está a Lei de Paternidade Responsável e de Saúde Reprodutiva, uma medida proposta há muito tempo e muito debatida, finalmente promulgada no ano passado. Em poucas palavras, ela garante o acesso universal à contracepção e ao planejamento familiar, incluindo a distribuição financiada pelo governo de preservativos, de dispositivos intrauterinos e de pílulas anticoncepcionais. O presidente Benigno Aquino III assinou a medida em dezembro de 2012, e o Departamento Federal de Saúde emitiu regulamentos de implementação em março.
Os críticos da lei, principalmente grupos religiosos, entraram com vários abaixo-assinados junto ao Supremo Tribunal filipino, contestando-a por três motivos básicos: a lei mina as prescrições constitucionais que descrevem a família como a unidade social fundamental; ela fomenta o aborto, que continua sendo ilegal; e viola a liberdade religiosa, usando dinheiro público para financiar procedimentos aos quais muitos filipinos se opõem com base em crenças religiosas.
Em meados de março, o Supremo Tribunal concedeu uma liminar impedindo a implementação e está programado para ouvir os argumentos no dia 18 de junho.
Mesmo sem a lei, as Filipinas não seriam imune a conflitos culturais de estilo ocidental. As eleições da semana passada também incluíam um partido chamado Ang Ladlad, criado para defender as pessoas lésbicas, gays, bissexuais e transgêneros. Seu principal candidato era Bemz Benedito, uma mulher nascida homem em busca de se tornar a primeira parlamentar do mundo a representar um partido explicitamente LGBT. Seu tema central era um projeto de lei antidiscriminação elaborado por defensores dos direitos gays, que enfrentou forte oposição da Igreja Católica.
Informações iniciais sugeriam que o partido não conseguiu conquistar votos suficientes para ganhar um assento no Congresso, mas seus líderes prometeram continuar pressionando a luta. Poderosas organizações não governamentais internacionais como a Anistia Internacional e uma grande variedade de grupos pró-aborto estão investindo recursos consideráveis nas Filipinas, vendo-a como uma ponta de lança para a mudança do clima em todo o mundo em desenvolvimento.
A Igreja Católica é uma agente ativa nessas batalhas a tal ponto que, na verdade, pode parecer chocante para os padrões ocidentais de separação Igreja-Estado.
Rumo às recentes eleições, por exemplo, uma campanha de educação eleitoral promovida pela Igreja em Cebu, a segunda maior cidade do país, pediu que os participantes de missa assinassem um compromisso para apoiar apenas candidatos que se opusessem à lei de saúde reprodutiva. As dioceses de Bacolod e Kabankalan distribuíram cédulas de amostra com fotos de candidatos a senador pró-vida, incitando os católicos a apoiá-los. A arquidiocese de Lipa também divulgou uma lista de candidatos favorecidos com base nas suas plataformas sobre a lei de saúde reprodutiva, assim como aborto, o divórcio e meio ambiente.
Mais espetacularmente, um cartaz foi exibido na fachada da catedral de Bacolod com fotos de candidatos a senador que se opuseram à lei de saúde reprodutiva, sob o título de "Equipe da Vida", enquanto aqueles que apoiaram a lei foram rotulados como "Equipe da Morte".
Na realidade, os católicos filipinos vivem em um bairro onde os atores religiosos são encorajados a fazer política. Por exemplo, a Iglesia ni Cristo, a maior denominação cristã originária do país, com cerca de 27 milhões de seguidores, pratica o que é conhecido como votação em bloco, em que todos os membros devem votar em candidatos endossados pelas lideranças da Igreja. Pesquisas sugerem que cerca de 70% a 85% dos seguidores realmente fazem isso, tornando a Iglesia ni Cristo uma poderosa força política.
Em todo o mundo em desenvolvimento, grupos religiosos tendem a desempenhar um papel surpreendentemente direto na política – endossando candidatos, tomando posições sobre a legislação, até mesmo permitindo que o clero atue como chefes interinos de Estado ou em convenções constitucionais. Em parte, porque nos países que são efetivamente Estados de um só partido ou onde a classe política é vista como corrupta, as Igrejas tendem a ser as únicas esferas da vida em que a sociedade civil pode encontrar a sua voz.
Além disso, é senso comum em Ciência Política que os movimentos sociais tendem a ser mais politicamente ativos quando eles pensam que têm uma chance de ganhar.
Essa regra de ouro, por exemplo, ajuda a explicar por que os bispos norte-americanos tendem a ser mais agressivos em torno das guerras culturais do que os seus homólogos europeus: questões como o aborto e os direitos gays estão estabelecidas em grande parte na Europa. Durante o sínodo de outono em Roma, Dom Kieran Conry, bispo de Arundel e Brighton, captou a questão ao explicar por que a sua diocese não contestou a Lei da Igualdade de 2006 no Reino Unido, que tornou ilegal que as agências de adoção se recusassem a atender casais do mesmo sexo: "Nós tentamos não combater as batalhas que provavelmente vamos perder".
Na maior parte do mundo em desenvolvimento, a situação é diferente. Os grupos religiosos exigem respeito, e o clima social é receptivo à moral tradicional, tornando as lideranças da Igreja mais inclinadas a acreditar que têm uma possibilidade de vitória. No caso das Filipinas, a oposição à lei de saúde reprodutiva inclui até mesmo celebridades como o ícone do boxe Manny Pacquiao, embora Pacquiao, assim como muitos católicos antigos do "Sul global", tenha aderido a uma Igreja evangélica.
Três advertências estão em ordem.
Primeiro, a moral sexual tradicional é apenas uma parte do quadro com relação à fé e à política no mundo em desenvolvimento. Os católicos em regiões como a África, Ásia e América Latina também tendem a ter o que a maioria dos ocidentais percebem como visões progressistas sobre muitas outras questões, tais como a economia, o meio ambiente, as relações internacionais, guerra e paz, e assim por diante.
Segundo, a contracepção e os direitos gays raramente são as primeiras coisas que a maioria dos católicos no mundo em desenvolvimento mencionam quando são questionados sobre as suas prioridades. Geralmente, eles apontam, ao invés, para a pobreza e a violência (na quinta-feira, o arcebispo Gabriel Mbilingi, de Lubango, Angola, escreveu a uma cúpula fiscal da União Europeia para que pleiteasse por medidas mais eficazes para combater a evasão fiscal por parte de empresas multinacionais, que se estima que irá custar às nações pobres de 725 bilhões de dólares a 810 bilhões de dólares por ano. Ele foi acompanhado por Dom Ludwig Schwarz, bispo de Linz, na Áustria. Esse é o tipo de coisa que os prelados e os ativistas no mundo em desenvolvimento tendem a ficar pensando o dia inteiro).
Terceiro, opor-se à lei de saúde reprodutiva não foi a única maneira pela qual a Igreja filipina se engajou nas eleições da semana passada. Os católicos também se envolveram na tentativa de promover uma votação livre e justa, incluindo uma iniciativa da diocese de Pasig, que reuniu muçulmanos, católicos e outros cristãos para formar equipes de vigilância nos locais de votação. Em geral, os ativistas religiosos do "Sul global" tendem a estar na linha de frente dos esforços pró-democracia.
Dito tudo isso, aqui está o resultado final: quem pensa (ou, talvez, espera) que o surgimento de uma Igreja mundial significa o fim das guerras culturais ou o fim de um papel forte para o catolicismo nesses conflitos provavelmente irá se decepcionar.
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Demografia eclesial não aponta para o fim das guerras culturais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU