15 Agosto 2014
A passagem para o Oriente de Francisco é também uma viagem ao coração da perseguição e do martírio cristão. A sua permanência entre esta quinta e segunda-feira na Coreia do Sul é marcada pela memória dos mártires, dos quais floresceu a história de graça dessa Igreja.
A reportagem é de Stefania Falasca, publicada no jornal Avvenire, 14-08-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Os 124 mártires que Francisco se prepara para beatificar no sábado pertencem todos à primeira geração de cristãos batizados nessa terra, mas são apenas uma pequena parte de uma constelação formada por mais de 10 mil outras testemunhas, porque a discriminação, a perseguição e o martírio já caracterizaram mais de 200 anos de história da Igreja na Coreia.
Não há dúvida de que a particular dinâmica que brotou do sangue dos mártires – com o qual a fé permaneceu viva aqui e que continuou a difusão do Evangelho através da obra apostólica de simples leigos autóctones, livre de imposições externas – é paradigmática da visão pastoral e da imagem da Igreja "em estado permanente de missão".
E, certamente, essa peculiaridade também pode ter influenciado na escolha do Papa Francisco de entrar pela primeira vez no continente asiático justamente pela porta da Coreia do Sul. Uma viagem, portanto, que nos leva a refletir ainda sobre as conexões entre testemunho e perseguição, missão e martírio, anúncio do Evangelho e busca da paz, e a dar a luz aos sofrimentos sofridos neste momento pelos cristãos no Iraque, para os quais o próprio Francisco enviou nessa quarta-feira uma carta sincera ao secretário-geral das Nações Unidas.
Ainda hoje, "os cristãos são perseguidos" a ponto de que talvez haja "mais mártires agora do que nos primeiros tempos": "O nosso tempo é um tempo de martírio". As referências do bispo de Roma à perseguição e ao martírio, repetidas várias vezes, sempre pontuaram a sua pregação. Nelas, encontra-se o critério de fé com o qual o Papa Francisco olha para essa parte justamente a partir da história cristã no mundo.
Para o Papa Bergoglio, a perseguição existe agora porque sempre houve e sempre haverá. O atual sucessor de Pedro – com toda a tradição da Igreja – reconhece que a conotação martirial sempre acompanhou o testemunho cristão e a missão da Igreja no mundo. "Esse – disse – é o caminho do Senhor, o caminho daqueles que seguem o Senhor." Um caminho que "sempre acaba, como para o Senhor, com uma ressurreição, mas passando pela Cruz".
Porque o próprio Jesus é o mártir que, com o seu martírio e a sua ressurreição, nos salvou, ocorrido em um contexto de absoluta falta de liberdade religiosa. O mistério da Cruz acompanha a missão. E a história das missões é a história do martírio de Cristo que sempre se renova. Das perseguições dos primeiros séculos às de hoje. Segundo a "bem-aventurança das perseguições" previstas e garantidas por Jesus aos seus discípulos.
O martírio é vocação, dom que torna semelhante a Cristo. O testemunho dos mártires, portanto, tem a particularidade de tornar manifesto uma mensagem: a salvação de Cristo. O mártir cristão é um testemunho da fidelidade a Cristo à sua missão de dar a vida pela salvação do mundo.
Por isso, o martírio tem um valor claramente cristológico em razão da relação, totalmente especial, do mártir com o Senhor. É um ato de fé, que, por sua vez, é movida pela caridade. E é somente o sacrifício de Cristo, morto e ressuscitado por nós, que dá sentido ao martírio de todo homem e mulher. É esse sacrifício de Jesus que o torna possível, porque a vida compartilha com ele a dimensão fundamental da Encarnação: a paixão e a morte, à qual se segue a ressurreição.
No testemunho de frágeis criaturas, resplandece a onipotência de Deus. O martírio torna-se, então, uma proclamação da possibilidade de esperança em Deus, cujo poder sustenta os humildes e também é vencedor. O mártir, de fato, não é um derrotado, mas um vencedor. Perde a sua vida, mas muitos, com a conversão graças a ele, a recebem. E a sua própria vida vai sustentar a da Igreja inteira como comunhão.
Falando de martírio, porém, devemos estar sempre atentos para não correr o risco de pôr em segundo plano o valor da justiça e a absoluta deplorabilidade de situações de opressão. O martírio nasce, de fato, como fruto santo de situações de iniquidade: perseguições, violências, violações da dignidade humana. E, se a presença de Cristo no mártir, junto com a proclamação solene do seu nome, faz a grandeza e a fecundidade da experiência heroica até o dom da vida, permanece intacta a radical injustiça – que não deve ficar em silêncio e deve ser combatida – dos contextos históricos que geram mártires.
No entanto, como salientou o cardeal Filoni, enviado especial do papa ao Iraque, "a Igreja, com a beatificação e a canonização dos mártires, evidencia que o batismo e o dom da fé dão a graça de dar testemunho da glória de Deus até renunciar à própria vida. Na nossa cultura atual, essa natureza própria do martírio cristão, porém, é muitas vezes perdida de vista e prevalece uma concepção que corre o risco de fazer também do martírio apenas uma questão de direitos humanos violados e a serem reivindicados".
Nas reflexões do Papa Francisco, a perseguição e o martírio – como a Igreja sempre ensinou – se referem, por isso, ao próprio mistério da salvação prometida por Cristo. O seu olhar sobre os fatos de perseguição não se confunde com as interpretações em chave política dos sofrimentos enfrentados pelos cristãos.
Se denuncia toda violação da liberdade religiosa e da dignidade humana, ao mesmo tempo, anuncia que Cristo fez da perseguição e da morte um instrumento de salvação. E é preciso lembrar como algumas vezes o testemunho dos mártires também toca o coração dos pagãos ou dos perseguidores.
Os mártires também são considerados como os intercessores mais eficazes na Igreja, até serem defensores de reconciliação e de unidade da Igreja e, com o seu testemunho de autoridade, instrumentos de paz. Lançam pontes. Não levantam muros.
Nisso se esclarece o nexo martírio-anúncio-busca da paz. E, nesse sentido, também deve ser considerado o gesto de São Francisco de Assis com o sultão do Egito em 1219. Nas duas margens do Mediterrâneo fluía o ódio. A mentalidade estava ligada ao confronto entre dois sistemas.
Alguns freis haviam sido mortos por ódio à fé, e havia aqueles que, proclamando a grandeza da religião cristã, insultavam o Islã. Um beco sem saída para Francisco, que, incondicionalmente, queria ir ao encontro do sultão Malik al Kamil. As fontes franciscanas relatam o episódio salientando como São Francisco, com coragem e amor, foi ao encontro do sultão, que ficou tocado por esse frei.
O encontro de São Francisco com o sultão é um episódio sem martírio. Por muito tempo, o diálogo de paz entre o sultão e São Francisco, porém, foi considerado um fracasso. Para muitos, naquela época, era melhor silenciar o episódio, considerado pouco glorioso.
Mas Francisco, com a sua visão da evangelização e no seu agir, se inseria em uma lógica totalmente diferente e acabou até prevendo a derrota dos cruzados. Ele não raciocinava com os critérios ideológicos da cristandade do seu tempo e, naquela viagem, para conhecer de perto os muçulmanos, tinha se colocado para além de todas as fronteiras.
O santo de Assis tinha simplesmente testemunhado o Evangelho: "Amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus". Essa é a missão da Igreja de Cristo, que é trazida à luz também com a beatificação dos mártires na Coreia e o horizonte da verdadeira paz.
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O caminho da Igreja? Segue a trilha dos mártires - Instituto Humanitas Unisinos - IHU