Papa fala muito claramente na Polônia

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05 Agosto 2016

Na Jornada Mundial da Juventude, Francisco não se comportou como um velho cavalheiro, nem como um soberano romano. Ele atacou o fechamento nacionalista do catolicismo tradicional polonês. Os governantes viraram os olhos e se inclinaram para beijar o anel do pontífice, um gesto de devoção feudal que, aos olhos de Francisco, parece ser uma violenta agressão.

A reportagem é de Thomas Seiterich, publicada no sítio Publik-forum.de, 30-07-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Muito claramente, a presidente do conselho de ministros, Beata Szydło, do partido nacional-conservador PIS, o presidente, Andrzej Duda, e inúmeros ministros do governo polonês caíram de joelhos perante o Papa Francisco. A cena ocorreu em Wawel, na corte renascimental do castelo na histórica Colina dos Reis, em Cracóvia. Depois, os poderosos poloneses beijaram o anel do pescador do papa romano.

Aparentemente, os católicos conservadores, devotos da Igreja, prestaram homenagem ao seu "Santo Padre" nesse lugar cheio de história. Mas cada um dos protagonistas sabia que se tratava de um ato de agressão.

De fato, o papa argentino odeia mais do que qualquer outra coisa o imbróglio reacionário que se expressa nesse gesto de mulheres e homens cristãos. Que eles se inclinem aos pés do chefe da Igreja para lhe beijar o anel como sinal de incondicional fidelidade e lealdade. É um rito de tempos anteriores à democracia, quando, na Igreja romana, quase se tinha esquecido completamente como Jesus de Nazaré e a jovem Igreja dos primeiros séculos agiam de forma antifeudal e eram críticos em relação ao poder.

Francisco provoca grande celeuma no governo polonês

Francisco já tinha expressado críticas também anteriormente. E até com força. Já enquanto viaja acima das nuvens, no avião que o levou de Roma a Cracóvia, ele tinha declarado que era inaceitável que um governo composto por cristãos diferenciasse entre refugiados em fuga com base na religião e acolhesse apenas os cristãos. E essa é justamente a linha mesquinha dos governantes de Varsóvia.

Infelizmente, o partido de governo nacional-católico PIS, graças a uma lei eleitoral que precisa de reforma, desde o fim de 2015, detém a maioria absoluta das cadeiras no parlamento nacional, o Sejm.

No Wawel – agora face a face com o governo polonês – Francisco insistiu. Falou seriamente, tentando convencê-lo de que deve mudar a sua política de exclusão para com os refugiados. É necessária "a disponibilidade de acolher aqueles que fogem das guerras e da fome, a solidariedade para com aqueles que estão privados dos seus direitos fundamentais, incluindo o direito de professar a própria fé em liberdade e segurança", disse Francisco – e aqueles aos quais ele se dirige ficam petrificados.

Alguns notáveis desviam o olhar. No seu discurso, Francisco aborda várias vezes a questão dos conflitos entre o governo "de tradição católica" e partes da sociedade civil. "A unidade, também na diversidade de opiniões", disse, "é o modo seguro para obter o bem comum de todo o povo polonês."

E continua: "À luz da sua história milenar, convido a nação polonesa a olhar com esperança para o futuro e para as questões que deve enfrentar". Por isso, é necessário "um clima de respeito entre todos os componentes da sociedade", diz Francisco.

E explica (indiretamente contra o poderoso padrinho e chefe ideológico da direita polonesa, Jaroslaw Kaczynski): a consciência e o respeito pela identidade própria e alheia não deve levar a uma "memória negativa" dos erros históricos sofridos, que "mantém o olhar da mente e do coração obsessivamente fixado sobre o mal".

Os bispos conservadores estão frustrados

No dia seguinte, no santuário mariano de Jasna Gora, a "Montanha Sagrada" de Czestochowa, quando o papa se encontrou com os bispos poloneses, Francisco falou novamente com muita clareza: contra uma Igreja clerical de autorrepresentação de si como potência, contra uma Igreja do dinheiro, contra uma Igreja com a política de poder – referindo-se em especial à rede Rádio Maria, muito popular no país, dirigida pelo ultrazeloso padre redentorista Tadeusz Rydzyk.

A portas fechadas, emergem mais claramente as diferenças de opinião. De fato, os bispos conservadores estão frustrados: o seu plano de fazer com que Francisco, o papa "do fim do mundo", entenda que o papa polonês Karol Wojtyla, João Paulo II, foi o mais alto representante de Cristo de todos os tempos, não dá certo. Porque Francisco persiste, gentilmente, mas com determinação, na sua posição. O "gaúcho", como alguns o chamam na Polônia, não se deixa influenciar nem mesmo intimidar. Ele está simplesmente muito confiante de si e imperturbável.

Igreja polonesa reduz o cristianismo a religião identitária

Francisco luta na Polônia contra uma ameaçadora redução do cristianismo católico a religião identitária nacionalista. E trabalha contra um modo de ser Igreja nostálgico, "embriagada" com o seu grande passado. Francisco quer iluminar e ampliar o olhar dos poderosos políticos e eclesiásticos poloneses às necessidades dos outros, dos estrangeiros, dos não cristãos.

A necessidade disso fica evidente com apenas um exemplo: recentemente, quando Francisco, depois da visita aos refugiados e aos socorristas em Lesbos, voltou para Roma trazendo consigo famílias de refugiados, na Polônia, eclodiu um debate derrotista: por que Francisco não levou consigo nenhum cristão, por que só famílias de muçulmanos? Uma discussão levada adiante na mídia secular e eclesiástica.

Por os milhares de jovens que foram a Cracóvia para a JMJ, Francisco encontrou palavras certas e encorajadoras. E o fato de que, no campo de extermínio alemão de Auschwitz, ele permaneceu em silêncio por um longo tempo, parece-me ter sido uma coisa boa. A parte mais difícil da sua viagem à Polônia foi o confronto com os poderosos do clero e da política. Estou muito satisfeito pelo fato de Francisco ter superado tão bem esse confronto.

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