Paraísos Fiscais, Déficit Público e Concentração do Poder Econômico

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06 Abril 2016

No Brasil, além de uma estrutura tributária extremamente regressiva, há o escape de recursos para empresas offshore localizadas em paraísos fiscais.

O artigo é de Carlos Eduardo F. da Silveira, publicado por Carta Maior, 05-04-2016.

Eis o artigo.

O vazamento de mais de um milhão de informações das operações da empresa panamenha, especializada na criação de empresas em paraísos fiscais, está tirando o sono de muitos poderosos pelo mundo. Os chamados “Panama Papers” expõem à luz do sol o submundo das operações pessoais e empresariais cujos efeitos têm sido, sobretudo, o empobrecimento fiscal dos países. Um estudioso dos paraísos fiscais, Gabriel Zucman, autor do livro “The Hidden Wealth of Nations”, calcula que 8 % de toda a riqueza mundial esteja denominada em paraísos fiscais.

Essas operações não estão, necessariamente, ligadas a ações ilegais, na ponta, ou seja, na abertura das empresas. Há, evidentemente, políticos que fizeram fortunas com propinas; há empresários com ganhos ilegais; há ricos e famosos que obtiveram ganhos por fora; e há mafiosos que lavam dinheiro. Para esses casos, a resposta é a ação da polícia e do fisco de cada país, obedecida a legislação vigente. Zucman estima que 80% daquela riqueza sejam ilegais.

Mas também preocupam as ações legais, os 20 % restantes, avalizadas pelas brechas legais das legislações superadas dos países e da inação com respeito ao assunto ao nível mundial. Os paraísos fiscais são legais. As empresas delas se beneficiam e pessoas no topo da pirâmide da distribuição de renda também.

Um exemplo paroquial. O que fez o ex-ministro Joaquim Barbosa exemplifica essa ação fiscalmente danosa, mas legal, acreditando que, de fato, assim tenha sido. Ele evitou pagar os necessários tributos pela transferência de recursos ao exterior, pela abertura de uma empresa em paraíso fiscal somente com uma intenção: a de comprar um apartamento no exterior sem pagar os tributos que lhe incorreriam se o fizesse sem a triangulação pela empresa offshore, criada apenas para isso. É uma burla. Mas, ao que tudo indica, uma burla legal.

Do ponto de vista das contas públicas do Brasil a operação do ministro pode ser uma agulha no palheiro. Não digo o mesmo do ponto de vista ético, até porque usou como endereço um apartamento funcional, o que não poderia, além de sinalizar para a sociedade que faça o que digo, mas não faça o que faço. Mas as coisas de fato se tornam grandiosas se somarmos a circulação de dinheiro por essas vias feitas pelos grandes grupos financeiros, como, por exemplo, as Organizações Globo. Quanto escapa dos cofres públicos por esse logro, ainda que “dentro da lei”? Em pleno período de escassez gritante de recursos fiscais, essas manobras tributárias são responsáveis por quanto do déficit público hoje?

Na Europa a palavra de ordem do momento é “austeridade fiscal”. A crise de 2008 gerou uma escassez de recursos públicos em razão tanto da redução do crescimento econômico e, em boa parte, da queda do próprio PIB, quanto da necessidade de socorro aos bancos premidos por dívidas não pagas. Receita em queda, despesa em alta: aumento do déficit público. A solução proposta tem sido a “austeridade” que significa, na verdade, a perda de direitos sociais e redução de salários e benefícios, enquanto, ao lado, uma pletora de recursos financeiros são desviados do que deveria ser receita pública para bolsos privados.

A outra consequência que faz par com a questão fiscal é a contribuição à crescente concentração de renda e da riqueza, fenômeno que ninguém mais desconhece como característico das últimas décadas, o que devemos muito à excepcional discussão provocada pelo livro de Thomas Piketty. Uma das consequências da extrema concentração de renda e da riqueza pouco discutidas, entretanto, é o desequilíbrio no poder que cria, no caso, o poder de influenciar a legislação tributária. Essa a razão pela qual os países europeus e os Estados Unidos têm conseguido avançar no combate ao uso ilegal dos paraísos fiscais, mas menos do que se poderia esperar. Qualquer medida que afete os interesses dos mais ricos, eles constituem poderosos “lobbies” junto às autoridades impedindo o avanço das medidas que atingiriam não só os ilegais, mas também os legais.

No Brasil, o silêncio cauteloso da mídia com a matéria faz ver como funciona esse poder. Entre os dez homens mais ricos do Brasil estão os três Marinhos, donos das Organizações Globo. Já é conhecida a ligação com a Mossack & Fonseca. Seu poder fez interromper a investigação que em fevereiro estava a pleno vapor na Lava Jato, inclusive com a invasão da sua sede no Brasil pela PF. E agora consegue o silêncio de quem tem a chave das informações sobre os “Panama Papers”, no caso, o Estadão, a UOL, e a Rede TV.

No Brasil, além de uma iníqua estrutura tributária, extremamente regressiva, há o escape do recurso de rendimentos elevados para empresas offshore localizadas em paraísos fiscais.

Um último registro. É escassa a ação de economistas e outros profissionais à busca de informações sobre as consequências para o poder público da evasão fiscal legal (da ilegal existe em maior número). Isso ocorre no Brasil e no exterior. São os poderes em ação. Mais uma consequência da perversa concentração de renda.

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