Por: Jonas | 15 Outubro 2015
Massimo Faggioli, teólogo e historiador da Igreja Católica, não tem dúvidas. Os 13 cardeais que escreveram uma carta ao Papa para questionar diversos aspectos do sínodo cometeram algo gravíssimo, em sua opinião, sem precedente em tempos modernos. “Discordar do Papa tudo bem, mas acusá-lo de ser um manipulador não é certo, não se faz”, disse o teólogo ao jornal La Nación. “Eles ultrapassaram o limite que para mim é infranqueável e isto é grave: a violação de um tabu de lealdade e de fidelidade no seio da Igreja Católica”, acrescentou este acadêmico ítalo-estadunidense, autor de vários livros, em conversa telefônica, de Saint Paul, Minnesota, onde ensina Teologia na Universidade Saint Thomas.
A entrevista é de Elizabetta Piqué, publicada por La Nación, 14-10-2015. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
O que significa a carta dos 13 cardeais conservadores ao Papa?
Acredito que se trata do momento mais visível e temerário da luta conduzida por parte do establishment eclesiástico contra o papa Francisco. Desde março de 2013, percebia-se que ia crescendo a resistência ao pontificado, e se sabia que o sínodo de bispos era um ponto chave. O fato de que a carta tenha sido entregue ao Papa no dia 5 de outubro, no primeiro dia do sínodo, demonstra que se trata de uma iniciativa coordenada muito antes de seu início. E é justamente a esta iniciativa que, no dia seguinte, o papa Francisco respondeu em seu discurso sobre a “hermenêutica conspirativa”.
Em um artigo sobre a carta dos 13 cardeais, você destacou que o problema não é o fato de que eles não estejam de acordo com o Papa, mas, sim, que o acusem de manipular a assembleia...
Sim. Trata-se de algo gravíssimo que nunca se viu antes. No Concílio Vaticano II, a minoria acusava o Papa de não estar bastante atento à tradição, mas nunca chegou a acusar o Papa de estar contra a tradição católica. Para mim, é algo que nunca se viu. O problema para eles não é como se faz o debate, mas, sim, que haja o debate. Temem o debate.
Você escreveu que a carta demonstra a hipocrisia dos signatários...
Sim, porque falar de um sínodo já “predeterminado” em todo caso é uma crítica que poderiam fazer aos sínodos anteriores, aos de João Paulo II e Bento XVI, mas não ao de Francisco. A verdadeira crítica da carta é a uma teologia que, em alguns pontos, é legitimamente distinta da de João Paulo II e Bento XVI, a quem os signatários da carta reconhecem legitimidade teológica, ao contrário do que fazem com Francisco. Eles ultrapassaram o limite que não se ultrapassa na Igreja Católica. Foram além do aceitável, porque discordar do Papa tudo bem, mas acusá-lo de ser um manipulador não é certo. Não se faz, não é o que Francisco é.
Então, para você, algo assim é um fato sem precedente na história moderna da Igreja Católica?
Sim. Recordo coisas desse estilo em 1400... Mas, na Igreja Católica, desde o Concílio de Trento (1545-1563), a legitimidade do Papa nunca foi colocada sob acusação. É um das poucas coisas do catolicismo a respeito da qual não se transige, nem sequer eu, que às vezes sou um teólogo bastante crítico. Colocar sob acusação a boa fé do papa Francisco é algo que os católicos não fazem, a não ser que sejam católicos que saem da Igreja Católica, como ocorreu com os lefebvrianos, por exemplo. Eles violaram um tabu gravíssimo, pois quando João Paulo II ou Bento XVI faziam o que faziam, ninguém pensava em acusá-los de ser heréticos, nem sequer os mais críticos. Eles ultrapassaram o limite, que para mim é infranqueável e diz muito do que eles pensam da Igreja Católica e do papado. Isto para mim é grave: é a violação de um tabu de lealdade e de fidelidade no seio da Igreja Católica. E para mim é mais grave como um sintoma de certo modo de ser Igreja de alguns, do que o episódio em si, e revela muitas outras coisas que há por trás.
Que impacto você acredita que esta carta terá? Alguns acreditam que, ao final, funcionará como um bumerangue para os signatários?
Sim, a divulgação da carta os fragilizou; causou divisão entre eles e, além disso, descobriu-os como uns trapalhões que fazem barulho. E isto para mim, ao final, tem um efeito negativo.
O que espera deste sínodo tão turbulento?
Isto ninguém sabe, nem sequer Francisco. Acredito que o sínodo não concluirá com algo definitivo, na próxima semana. Para mim, o sínodo é uma etapa importante, um processo longo que mais tem a ver com a recuperação de certo modo de ser Igreja, do que em alcançar soluções precisas e concretas. Para mim, o sínodo avançará, ainda que o importante seja aprender novamente a ser uma Igreja que sabe discutir, sem excomungar ninguém.
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“Acusar o Papa de manipulador não é certo, não se faz”, afirma o teólogo Massimo Faggioli - Instituto Humanitas Unisinos - IHU