05 Agosto 2015
“Temos que nos perguntar se aos fanáticos que hoje querem colocar uma bomba entre os altares da catedral de Notre-Dame, em Paris, tenha sido dada a possibilidade de olhar verdadeiramente Notre-Dame, de entender o que representa. Ou se ao contrário tenham sido restringidos a passar em frente, e vê-la como símbolo de uma sociedade que os confinava a viver em uma favela”. É um papel mais geopolítico que econômico, social no sentido mais alto, aquele que Umberto Eco traça para a cultura nos tempos da globalização, do terrorismo, dos combatentes estrangeiros.
A reportagem é de Stefano Rizzato, publicada pelo La Stampa, 02-08-2015. A tradução é de Ivan Pedro Lazzarotto.
Antídoto ao ódio
Viajar, encontrar, falar também através da beleza: eis o melhor antibiótico ao mal dos conflitos e do ódio. Eco explicou, em Milão, entre os pavilhões da Expo 2015, em um encontro que abriu o segundo dia da Conferência Internacional dos Ministros da Cultura: “Merecem o nosso agradecimento”, disse aos delegados de 83 diferentes países, “porque mesmo promovendo os bens culturais dos vossos países trabalham pelo bem de todos. Muitas pessoas nos séculos foram mortas porque não conhecia o suficiente. A compreensão intercultural pode reduzir os conflitos, e fazer nascer novas formas de fraternidade”.
Sentado em uma sala transformada numa Pompéia coberta, com as imagens do sítio arqueológico projetadas nas paredes, o célebre semiólogo não questiona quanto o saber e a arte valem em nível econômico. A contabilidade pouco lhe interessa. E abre o seu discurso citando – mas sem fazer nome – o ex Ministro da Economia Giulio Tremonti. “Qualquer um poderia se questionar se os problemas não seriam outros, da crise às mudanças climáticas. Ou falar que não se come cultura, como fez há alguns anos um político italiano, encorajando cortes na universidades, centros de pesquisa e bibliotecas. Mas são discursos sem sentido. A essa altura já se percebeu que os bens culturais são razões de desenvolvimento econômico em muitos países, do Louvre em Paris aos Uffizi de Florença, até as pirâmides e a Ilha de Páscoa”.
Hoje existe algo diferente sobre o qual temos que parar e refletir, sugere Eco. Para colocar um fim ao terrorismo e aos conflitos pode ser que um afresco tenha mais utilidade que um muro feito para dividir.
“Hoje”, prossegue o estudioso, “estamos de frente a um vai-e-vem contínuo de povos que começam a conhecer o patrimônio de culturas e arquiteturas de pessoas das quais ignoravam a existência. A cultura é importante para a mútua compreensão. Mesmo se por muito tempo foi objeto de incompreensão. Até o início do século XX a Europa considerava a arte africana bárbara, em seguida o avant-garde e suas provocações permitiram que fosse descoberta também a beleza de uma estátua Bantu. Hoje, a troca de experiências culturais não eliminam o racismo e a xenofobia, mas em um mundo dominado por conflitos a cultura pode ter uma função positiva. E ser um, mesmo se somente um, dos elementos de salvação para o mundo globalizado”.
Diferentes mas iguais
No entanto, até mesmo viagens e mudanças não são suficientes. Eco entre os viajantes do mundo inclui também “o turismo obrigatório dos pobres”. E depois adverte: “Quem se move sozinho entre aeroporto, hotel e lugares para turistas, vive algo não diferente ao que tem a dois passos de casa, é como se não tivesse partido. Mas nem todos os turistas são estúpidos, muitos sabem andar à descoberta do desconhecido. O conhecimento de outras culturas não elimina o ódio e a desconfiança para quem é diferente de nós. Não devemos fingir belas almas e pensar que com o contato cultural podem ser salvas crianças que morrem de fome na África. Mas não nos esqueçamos que também por solicitações culturais muitos voluntários partiram para países em dificuldades. Descobrindo, por meio de uma cultura diferente, que aqueles povos eram iguais a eles”.
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Eco: com cultura se come e pode-se conter o terrorismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU