Por: André | 07 Julho 2015
Talvez ainda seja demasiado cedo para dizer se ao final da Conferência “As pessoas e o planeta em primeiro lugar; o imperativo de mudar de rumo” (02 e 03 de julho), organizada pelo Pontifício Conselho Justiça e Paz, em colaboração com o Cisde (rede internacional de ONG católicas para o desenvolvimento) nasce “um novo movimento”, como alguém disse ao final das sessões de trabalho, mas é certo que o evento demonstrou o impacto que a encíclica do Papa Francisco, a Laudato si’, teve em nível mundial.
A reportagem é de Francesco Peloso e publicada por Vatican Insider, 03-07-2015. A tradução é de André Langer.
Efetivamente, no Augustinianum, a dois passos da Praça São Pedro, discutiram e debateram ativistas, teólogos, líderes de organizações locais, bispos de diferentes países e especialmente do Sul do mundo; também foi significativa a presença feminina. Ao final do congresso, o cardeal Peter Turkson, presidente do Pontifício Conselho Justiça e Paz, explicou que também o próximo Ano Jubilar, que começará no dia 08 de dezembro, será uma ocasião importante para desenvolver atividades e propostas sobre alguns dos temas discutidos na encíclica.
A Conferência de Paris sobre a mudança climática é considerada por muitos, sobretudo pelos representantes políticos e eclesiásticos dos países mais atingidos pela transformação ambiental, como um ponto de chegada importante para introduzir políticas radicalmente diferentes para o desenvolvimento, a proteção do meio ambiente e dos povos, para a projeção do compromisso e da reflexão sobre o “cuidado da casa comum”, proposto pelo Papa, mas é muito mais que um evento individual.
“A encíclica nos pergunta pelo tipo de mundo que queremos deixar para os que virão depois de nós – disse em sua intervenção o cardeal secretário de Estado Pietro Parolin; nossa vocação de ser protetores não é uma opção, ela exige formação das consciências e a preparação dos líderes”, para que sejam capazes de oferecer respostas às exigências do presente sem prejudicar as futuras gerações. Necessita-se, indicou o cardeal, uma “capacidade de governo do bem comum no longo prazo”.
O cardeal também destacou que o mundo encontra-se diante de “complexas mudanças, que vão muito além da miopia política e econômica que caracteriza a cultura do relativismo e do descarte. Estas, negam a ética, às vezes, a Deus”. Por isso se está realizando um processo de sensibilização entre as organizações da sociedade civil, “algumas das quais foram inspiradas pelo espírito católico, que encontram na Doutrina Social da Igreja uma herança e uma luz a seguir”. Desta doutrina, precisou, faz parte a Laudato si’. Este texto, indicou Parolin, nos diz que o cuidado da natureza, o compromisso com os pobres e o compromisso na sociedade são inseparáveis.
Moema Miranda, franciscana secular, ativista no campo da justiça social e da igualdade no Brasil, indicou que o Papa Francisco fala no texto sobre “a dívida ecológica que os países do Norte do mundo têm com os do Sul”; depois, referindo-se às populações indígenas, explicou que não devem ser consideradas como algo que pertence ao passado, mas que, ao contrário, “são nossos contemporâneos, são protagonistas da luta” para mudar os estilos de vida e os modelos de desenvolvimento.
Também interveio sobre este tema o secretário da Conferência Episcopal do Brasil, dom Leonardo Steiner: “fui bispo na Amazônia, trabalhei com cinco povos indígenas, vi como o desmatamento afetou estes povos. Mais de 60 grupos indígenas da Amazônia não têm contato com a nossa civilização e podemos imaginar como se veem afetados pelo desmatamento; estamos perdendo línguas e culturas”. Claro, acrescentou, para aqueles cuja única preocupação é produzir, consumir, “estes grupos não valem nada”.
Dom Steiner também falou sobre os quilombolas, os descendentes dos escravos africanos que foram libertados. Eles, disse o bispo, “sofrem muito com o que nós chamamos de desenvolvimento, são descartados em nossas sociedades. O que nos preocupa muito – continuou – é que a terra está se tornando estéril devido ao uso dos pesticidas. Vi regiões em que já não cresce mais nada, e se continuar desse jeito dentro de pouco tempo teremos um deserto. Só que no ‘verdadeiro’ deserto, quando chove, a natureza volta a florescer; aqui, não”.
Também intervieram alguns representantes dos governos do Sul do mundo, como o primeiro-ministro de Tuvalu (país polinésio do Oceano Pacífico) Enele Sopoaga. “Agradecemos ao Papa Francisco por esta encíclica sobre o clima – disse o primeiro-ministro. Tuvalu é um país composto por atóis como as Ilhas Marshal ou as Maldivas. O ponto mais alto do nosso país é de três metros. Por isso, nos vemos particularmente ameaçados por tempestades tropicais, pela elevação do mar e pelas mudanças climáticas”.
Em março deste ano, explicou Sopoaga, uma tempestade atingiu a metade da população de Tuvalu; houve problemas de alimentação, de água potável, de saúde. Devemos reduzir o uso dos combustíveis fósseis, acrescentou, e optar por energias renováveis, como fez o próprio Tuvalu. “Devemos salvar as populações das ilhas”, foi seu apelo.
Problemas semelhantes são vividos em um país africano como Gâmbia. “A linha costeira de Gâmbia está desaparecendo e a própria capital poderá desaparecer antes de 2080”, indicou o ministro do meio ambiente e da mudança climática Pa ousman Jarju. O ministro destacou a importância da encíclica do Papa, “texto que fala a todo o mundo”, e explicou que seu país está elaborando uma contribuição articulada para a Conferência de Paris. Nessa ocasião, acrescentou, será preciso chegar a um acordo integral, enfrentando a questão das indenizações e do financiamento dos compromissos assinados.
O tema das populações indígenas foi abordado também por Victoria Tauli Corpuz, das Filipinas, e representante dos direitos dos povos indígenas nas Nações Unidas. Ela explicou que cerca de 400 milhões de pessoas que compõem esta categoria humana vivem, na maioria das vezes, nas zonas mais extremas e mais frágeis do mundo: oceanos, zonas árticas, desertos, florestas tropicais. Sofrem, pois, particularmente devido às mudanças climáticas, apesar de terem responsabilidades mínimas por este fenômeno.
Mary Robinson, enviada especial do Secretariado das Nações Unidas para a Mudança Climática, indicou que as mulheres foram afetadas de uma maneira desproporcional pela mudança climática. Por esta razão, destacou que as ações e as intervenções eficazes a este respeito são pré-requisitos para uma prosperidade no longo prazo.
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“Está em jogo o futuro das próximas gerações”, afirma o cardeal Parolin - Instituto Humanitas Unisinos - IHU