03 Julho 2015
Pablo Ortellado
O que estamos vendo no Congresso brasileiro não é um fenômeno conjuntural. Ele nos choca, porque é o colapso da ordem política que prevaleceu no Brasil por vinte anos.
Essa ordem foi fruto de um consenso político organizado pelas novas elites políticas que vieram de São Paulo após o fim da ditadura.
Essas forças, originalmente entrelaçadas, romperam entre si e dividiram o espectro político com duas visões estruturadas de país. As velhas forças do Brasil profundo - dos pequenos interesses regionais -- seguiram existindo, mas sempre subordinadas a essas elites tecnoburocráticas modernas que organizaram o mundo político dividindo-o em duas visões de mundo polarizadas: uma com discurso participativo e forte compromisso social e outra que buscava um salto modernizante que permitisse uma inserção internacional qualificada - ambas aceitando como piso os compromissos sociais estabelecidos em 1988.
É isso que está em colapso com as crises desses irmãos siameses que são o PT e o PSDB. Há muitas forças emergentes aproveitando a janela de oportunidade que é a crise e tentando reestruturar o universo político brasileiro.
A nova direita liberal e conservadora, por exemplo, apostou numa espécie de "gramscismo de direita", que durante anos investiu na propaganda e na educação "popular" (isto é, na formação ideológica de setores que não participavam da elite política), primeiro pela mídia alternativa e pelas margens da grande imprensa e em seguida, quando se fortaleceram, tomando de assalto, num golpe rápido, o coração do jornalismo de opinião nos meios de comunicação de massa.
Diferente desse grupo e não ligado a ele, há os setores conservadores populares, apoiados nos desdobramentos do velho conservadorismo punitivista dos anos 1980 e na expressão política da expansão das igrejas evangélicas. A diferença entre os dois grupos é de classe social. O que tem em comum é um ódio e uma oposição visceral às decadentes elites com sensibilidade social.
Cláudio Gonçalves Couto
Para quem quer ter uma ideia de como funciona a revista "Veja", reproduzo abaixo mensagem que recebi de uma repórter. As perguntas já indicam como a dita revista constrói suas matérias: com as respostas antes das perguntas e supondo que o entrevistado dará a resposta certa, ou seja, a resposta desejada.
"Caro prof. Claudio,
Tudo bom?
Estamos preparando para a próxima edição uma matéria que pretende analisar a fala da presidente Dilma em que ela comparou a figura do delator da Lava Jato com a de um delator na época do regime militar.
Para isso, gostaria de saber se o senhor teria disponibilidade em me responder até amanhã à tarde o seguinte:
1) O que o senhor diria aos que afirmam que a prisão cautelar vem sendo usada como forma de forçar delações premiadas?
2) Por que ela é legítima?
3) Por que é eficiente?
4) O senhor poderia apontar exemplos e estudos que reforcem esse ponto de vista? Pode incluir dados sobre como a delação é feita em outros países.
Desde já muito obrigada pela atenção.
Abs,
Mariana Barros
repórter VEJA".
A reporter diz que a matéria "pretende analisar" o que a presidente disse. Vê-se, porém, que não se trata de análise, mas de mera rotulação: trata-se de encontrar argumentos e autoridades intelectuais que "demonstrem" que Dilma está errada (e nem vem ao caso aqui se está ou não).
O "pretende" talvez tenha aí o sentido do termo em inglês (to pretend = fingir), ou seja, trata-se de produzir uma pretensa análise.
Por isto vêm as perguntas com parte da resposta já embutida. Aliás, trazem embutido o mais importante: o sentido da resposta. À segunda pergunta não caberia responder que a prisão cautelar como forma de obter delações não é legítima, pois o que se busca com a matéria é encontrar formas de apresentá-la como tal (seja ela efetivamente legítima ou não).
Quanto à terceira pergunta, já traz embutida a ideia de que se trata de um instrumento "eficiente". Mas se poderia perguntar: é mesmo eficiente? Eficiente em que sentido? O que se ganha e o que se perde com o uso de tal instrumento no que diz respeito à realização de justiça (e não de justiçamento)? Afinal, como eficiência tem a ver com maximizar ganhos, é preciso saber o que se ganha e o que se perde neste caso, para que se possa mensurar a eficiência em questão e saber se ela de fato existe.
Finalmente, a quarta pergunta (na realidade, uma solicitação) pede que se encontrem exemplos que se encaixem na resposta desejada. Afinal, pede-se que sejam apresentados estudos e exemplos para reforçar um ponto de vista específico (que não necessariamente é correto). Depreende-se daí que exemplos que fossem no sentido contrário seriam simplesmente ignorados.
Enfim, será interessante aguardar a publicação da revista no próximo final de semana. Assim, será possível ver como a dita matéria será construída e quais serão os intelectuais dispostos a fazer uma "análise" (pretensa análise?) sob medida ao que a "Veja" solicita.
Eu, por divergir de um "jornalismo" [sic] deste naipe, prefiro ficar de fora. Porém, receber a mensagem foi com certeza muito informativo e instrutivo. E, como não leio esse tipo de lixo, espero que alguém me conte o que aconteceu.
Pablo Ortellado
O duro mesmo é ter que reconhecer que quando Cunha diz que representa a posição da maioria do povo brasileiro, ele não está enganado. Nós não perdemos apenas o debate no Congresso, isto é, o debate com as elites políticas. Nós perdemos também o debate público.
André Vallias
Acho que o ajuste do Judiciário deveria ser pago em mandioca.
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