29 Mai 2015
Um jovem teólogo e sacerdote com uma reputação mundial no campo da ética bíblica morreu repentinamente na terça-feira (19 de maio), poucos meses antes de realizar um congresso – a primeira do tipo – que reuniria especialistas em ética de toda a Ásia.
A reportagem é de Joshua J. McElwee, publicada pelo National Catholic Reporter, 22-05-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O padre jesuíta Lucas (Yiu Sing Luke) Chan, natural de Hong Kong e que recentemente se juntou à Marquette University, em Wisconsin, morreu após desmaiar em seu escritório na sequência de um exercício físico pela manhã. Ele tinha 46 anos.
O Pe. Lucas Chan, SJ, no Grand Canyon (Cortesia de George Griener, SJ)
A morte repentina de Chan deixou uma série de renomados teólogos em todo o mundo sem ter o que falar – esforçando-se em avaliar a vida e obra de um sacerdote, teólogo e amigo que eles achavam que teria muito mais tempo para deixar uma marca em seu campo de conhecimento.
Entre os que expressaram tributo estiveram destacados acadêmicos dos EUA, da Irlanda, da Alemanha, Itália e Índia.
Linda Hogan, vice-reitora da Trinity College Dublin, disse que foi um “tremendo privilégio” ter conhecido e trabalhado com o jesuíta. Embora ele estivesse apenas começando a receber um reconhecimento em seu campo de atuação, disse Hogan, “tal apreço já era mais que devido, pois as suas publicações eram significativas e profundas”.
O padre jesuíta Jim Keenan, Professor Canisius em teologia na Boston College, que fez parte da comissão de aprovação para os graus de licenciatura e doutorado de Chan em teologia, enviou um email emocionado, chamando Chan de seu melhor amigo.
“Lucas estava no começo de uma carreira estelar”, disse Keenan, que também trabalhou com Chan como parte de uma rede de trabalho global composta por teólogos morais chamada Ética Teológica Católica na Igreja Mundial.
“Felizmente ele nos deixa com obras significativas e uma boa quantidade de ensaios”, continuou Keenan. “Mas, acima de tudo, ele esteve feliz em poder fazer parte de algo que significava tudo para ele e outros. Ele estava animado com a forma como o seu trabalhou o conectou com outras pessoas, nas paróquias, nas salas de aula, nas conferências em que participava, com sua família e amigos”.
Chan, que focou o seu trabalho no campo ainda em construção chamado ética bíblica, era visto por muitos como um líder importante no esforço acadêmico em traduzir os ensinamentos bíblicos às vidas morais de cristãos comuns. Ele publicou um ensaio sobre o assunto em março na Theological Studies, uma das primeiras revistas teológicas acadêmicas em nível mundial.
Este artigo seguiu-se à publicação de dois livros os quais apresentavam revisões importantes sobre o assunto: “Biblical Ethics in the Twenty-first Century: Developments, Emerging Consensus, and Future Directions”, publicado pela Paulist Press em 2013, e “The Ten Commandments and the Beatitudes: Biblical Studies and Ethics for Real Life”, publicado por Rowman e Littlefield/Sheed and Ward em 2012.
No momento de sua morte, Chan estava editando um texto que reunia 24 pesquisadores bíblicos e eticistas de 17 países.
A ser publicado em 2016 pela Orbis, “The Bible and Catholic Theological Ethics” deve incluir as contribuições de uma série de destacados acadêmicos, incluindo Lisa Sowle Cahill (da Boston College), Maria Cunéo (da Argentina), os biblistas John Donahue (SJ) e Gina Hens-Piazza, além do padre australiano salesiano Francis Moloney.
A formação de Chan era verdadeiramente global, com passagens em Singapura, Hong Kong, Inglaterra, Irlanda, Camboja, Macau, Filipinas, EUA, Itália e Alemanha. Chan era também um destacado membro do grupo de ética teológica da instituição que Keenan dirige, ajudando a organizar dois encontros históricos de teólogos morais em Pádua e Trento, na Itália, em 2006 e 2010.
Estes encontros, nos quais Chan trabalhou como membro dos comitês organizadores, viram cerca de 600 teólogos se reunirem para aquilo que pode ter sido o primeiro encontro do gênero a discutir as tendências mundiais em ética teológica.
O jesuíta estava ajudando a organizar um encontro regional do grupo de ética teológica em Bangalore, na Índia, para julho deste ano, que deve reunir dezenas de proeminentes acadêmicos de toda a Ásia no intuito de debater o fazer teológico em um contexto asiático transcultural e inter-religioso.
Chan estava liderando os preparativos deste encontro junto de Shaji George Kochuthara, padre indiano carmelina de Maria Imaculada. O Pe. Kochuthara disse que o jesuíta foi de “grande ajuda” na revisão dos artigos para a revista teológica Asian Horizons.
Chan, disse Kochuthara, “trabalhou e muito para contatar eticistas católicos de vários países asiáticos, assim preparando terreno para um diálogo transcultural verdadeiro em ética católica para servir a Igreja asiática e universal e a humanidade como um todo”.
O padre franciscano Kenneth Himes, professor de teologia na Boston College e conhecido por sua obra a respeito do ensino social católico, disse que Chan “ajudou a muitos de nós, no ocidente, a apreciar as pesquisas e contribuições dos teólogos católicos que escrevem a partir de um contexto asiático”.
“O seu trabalho precoce sobre as Escrituras e a ética é impressionante e muitos de nós achamos que ele tinha um futuro promissor no sentido de aproximar e aprofundar a colaboração dos estudos bíblicos com a ética teológica”, disse Himes. Como pessoa, Lucas era sempre cordial, alegre, amigo.
“Embora muitos católicos possam não conhecer o seu nome, eu penso que a morte deste jovem teólogo jesuíta é uma grande perda para a comunidade católica”, continuou o franciscano.
Além de seu trabalho em teologia, Chan era também um ávido fotógrafo amador, muitas vezes escolhido para capturar alguns momentos nos encontros teológicos ao redor do mundo. Após um encontro inovador sobre a teologia africana em Nairóbi, no Quênia em 2012, Chan reuniu uma série de outros teólogos num safari na Reserva Nacional Maasai Mara.
Em meio a gnus, zebras e elefantes, protegidos dentro de um jeep aberto em cima, o jesuíta falava que tudo o que ele queria era uma foto bonita de um leão. “Vai, vai, vai!”, dizia ele ao motorista repetidas vezes na tentativa de seguir diferentes leões que rugiam pelo parque.
O Pe. Antonio Autiero, teólogo italiano que se aposentou em 2013 depois de duas décadas ensinando na Universidade de Münster, Alemanha, disse que o talento fotográfico de Chan enfatizava a sua capacidade de habitar diferentes culturas e “habitar a terra onde ele estava; ele queria ter um olho aguçado, alerta, capaz de captar os detalhes”.
Nascido em 7 de junho de 1968, em Hong Kong de uma mãe que havia sido órfã e de um pai que havia fugido de casa quando jovem, Chan foi professor secundarista na cidade antes de ir cursar o bacharelado em Filosofia no Seminário do Espírito Santo/Faculdade de Filosofia e Teologia, filiado à Pontifícia Universidade Urbaniana, em Roma.
Concluiu um segundo bacharelado em Administração, na Universidade de Birmingham, Inglaterra, e em seguida cursou mestrado em Administração Internacional.
Chan completou fez o curso de bacharel em Teologia Sacra no Universidade Ateneu de Manila, nas Filipinas, antes de se licenciar em Teologia na Weston Jesuit School of Theology, em Cambridge, Massachusetts, completando o doutorado em Teologia na Boston College em 2010.
O jesuíta falava fluentemente cantonês, inglês e o khmer, idioma oficial no Camboja.
Robert Masson, coordenador do departamento de teologia na Marquette, disse que ele e sua comunidade acadêmica estavam “ainda se recuperando” da morte de Chan.
“Lucas há pouco havia se juntado a nós”, disse Masson. “Nós pensávamos que ele pudesse se tornar uma voz importante na próxima geração de teólogos morais e ficamos felizes que ele havia se juntado ao nosso corpo docente”.
Lembrando a ajuda que o jesuíta prestou a uma professora na preparação de observações destinadas a alunos chineses da universidade, b disse que Chan havia falado a esta professora para dar a seus alunos os caracteres chineses dizendo: “Trabalhem e estudem muito!”.
“[Isto o que ele disse] é também serve muito adequadamente para guardarmos em sua memória”, disse Masson. “Nós iremos sentir muito a sua falta”.
Em uma breve autobiografia intelectual que ele completou antes de ser nomeado para a sua função na Marquette, Chan lembrou como ele e Keenan se conheceram, como o resultado de um “belo engano”. Encontrando-se para um jantar anos atrás, Chan escreveu que Keenan havia achado que o jovem jesuíta queria se focar na eclesiologia.
“Nós dois dissemos que era tarde demais para mudar e então caímos na gargalhada!”, escreveu Chan.
Associando os seus interesses em ética com a sua experiência de ter crescido em Hong Kong, disse o jesuíta, “testemunhei o declínio moral e muitas injustiças em nossas sociedades”.
“Estes encontros me conduziram a levantar várias questões éticas e reflexões morais”, disse ele. “Percebo que uma maneira importante de responder ao sofrimento das pessoas e aos desafios do mundo é através de uma formação intelectual que clame por consciência destas realidades e que ajude a empoderar as pessoas”.
Autiero comparou a vida e a morte de Chan com uma estrada que chega a um fim tão repentinamente.
“Isto me deixa com as boas lembranças de ter tido condições de seguir neste caminho juntos, mesmo na amargura de saber que a própria estrada se perdeu com esta sua morte”, disse ele.