14 Fevereiro 2015
A coragem de "assumir a tradição" e de entregá-la como significativa para as gerações futuras é a verdadeira tarefa da mediação teológica. O catálogo das soluções aparentes – prontas para serem oferecidas por parte de uma Igreja embalsamada a um mundo que não existe mais há quase um século – é apenas perda de tempo e fuga das questões verdadeiras.
A opinião é do teólogo italiano Andrea Grillo, professor do Pontifício Ateneu S. Anselmo, de Roma, do Instituto Teológico Marchigiano, de Ancona, e do Instituto de Liturgia Pastoral da Abadia de Santa Giustina, de Pádua.
O artigo foi publicado no seu blog Come Se Non, 08-02-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Para os temas que cansam e apaixonam a reflexão intersinodal, seria preciso ter sempre em mente o que o cardeal Martini disse pouco antes da sua morte:
"A pergunta se os divorciados podem fazer a comunhão deveria ser invertida. Como a Igreja pode chegar em ajuda, com a força dos sacramentos, a quem tem situações familiares complexas?"
Inverter a pergunta: essa é uma arte cristã – eu diria, acima de tudo, "jesuana" – bastante rara. Acontece muito frequentemente que os cristãos ficam bloqueados por perguntas equivocadas.
O tema da "comunhão aos divorciados recasados" sofre precisamente dessa dificuldade. Não só porque passa por cima do fato de que os "divorciados recasados" vivem não raramente – precisamente como recasados – uma experiência de comunhão que pôs fim à sua dificuldade e à sua condição de penitência por "separação/adultério/crise" e se encontram precisamente a viver, na nova família, uma "nova possibilidade de comunhão".
Perguntar-se se podem "fazer a comunhão" aqueles que, talvez depois de tantos anos de falta de comunhão, começaram a vivê-la novamente é realmente um uso muito curioso das categorias da linguagem e um estranho modo de se colocar no mundo e em relação com a história dos sujeitos.
O impacto dessas categorias datadas sobre o real da experiência de homens e mulheres é como tentar desmontar um relógio com a enxada: é um experimento de inadequação sem saída, que corre o risco de arruinar tudo.
Além disso, ao enfrentar a "matéria" dos "casais irregulares" (esta expressão também é realmente um programa inteiro), utiliza-se, muitas vezes com desenvoltura, o conceito de "pecado grave notório". A questão que uma reflexão abstrata não percebe – e de cuja complexidade, de fato, não parece se dar conta – é que tal noção poderia ser aplicada diante de uma situação de "pecado" como um adultério que se repete contínua e publicamente.
A questão nova, que a Igreja deve reler com renovada lucidez, é que "notório", agora, não é o pecado do sujeito, mas o seu novo laço oficial, as "segundas núpcias", reconhecidas, celebradas e normatizadas por parte do Estado.
O sujeito "recasado" pode ser considerado "em pecado grave notório" apenas por uma Igreja que se obstina a considerar como exclusiva a própria jurisdição sobre o sacramento/contrato e que a torne simplesmente alternativa e conflitante em relação à jurisdição estatal. Pareceria quase uma espécie de "última trincheira", em defesa de um poder temporal residual, ao menos sobre a vida de casal a ser autorizada por parte da Igreja.
Como se compõe essa leitura drástica com o reconhecimento de que "os divorciados recasados fazem parte da comunhão eclesial", afirmado profeticamente pela Familiaris consortio há mais de 30 anos?
Diante dessa definição bastante compreensível, é preciso reconhecer que o Sínodo inaugurou uma perspectiva diferente. No rastro do Vaticano II, ele compreendeu que o aggiornamento [atualização] não significa dar respostas diferentes permanecendo em uma mesma perspectiva, mas mudar de abordagem, de estilo, de linguagem e de horizonte.
Só desse modo podemos responder à vocação pastoral: tornar "nutritiva" e "substancial" a tradição, como tarefa que não se consegue honrar senão com grande esforço e com plena correspondência com o mundo contemporâneo.
Pensar em responder dando apenas uma pequena ajustadinha nas categorias medievais ou tridentinas é uma obra absolutamente desprovida de perspectivas.
Adquiridas essas fragilidade pela reflexão comum em alguns juristas e teólogos temerosos demais, distraídos como são também pelo uso, ao mesmo tempo, de fontes ordinárias (como a Catecismo da Igreja Católica) e de doutrina teológica particular, resta o fato de que as perspectivas de possível "desenvolvimento", que o Sínodo poderia assumir segundo essas análises, parecem ser muitas vezes pensadas apenas na forma de uma Ecclesia "retro oculata".
Para uma Igreja realmente "ante oculata", não basta raciocinar com conceitos "pacíficos", que não conseguem produzir nenhuma paz verdadeira, senão no pároco que vive como clérigo ou nos poucos leigos mais clericais do que ele.
Parece-me totalmente fora de lugar, ao contrário, a consideração limitativa das competências do Sínodo dos Bispos. Pretender que um Sínodo possa enfrentar apenas as questões disciplinares e não possa fazer objeto de reflexão a formulação da doutrina parece-me não apenas enganoso, mas totalmente desprovido de fundamento.
É típica de uma configuração temerosa e rígida a tentativa de colocar em campo um excesso de dificuldade para tornar totalmente inviável uma solução.
Nessas análises oscilantes, não parece que se saiba propor qualquer solução verdadeira. Aquelas julgadas como praticáveis não resolvem a questão. Aquelas que poderiam resolvê-la não são consideradas praticáveis. Vale a pena escrever tantas páginas para dizer apenas "não"? Ou para incutir um não razoável medo de "reformar" o que objetivamente não funciona mais?
A coragem de "assumir a tradição" e de entregá-la como significativa para as gerações futuras é a verdadeira tarefa da mediação teológica. O catálogo das soluções aparentes – prontas para serem oferecidas por parte de uma Igreja embalsamada a um mundo que não existe mais há quase um século – é apenas perda de tempo e fuga das questões verdadeiras.
Talvez seja justamente esse o "pecado grave" que, infelizmente, também é "notório".
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A enxada e o relógio: a boa teologia sabe reformular as perguntas. Artigo de Andrea Grillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU