02 Fevereiro 2015
A sombra longa e controversa do passado se faz sentir, especialmente na Itália: a resposta do conclave de 2013, tão crítico em relação à Igreja italiana e às suas relações com a política, é inequívoco.
A análise é do jornalista italiano Massimo Franco, colunista político do jornal Corriere della Sera, 30-01-2015. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
"Não nos pediram nenhuma opinião: nada. E isso é bom. Acabou uma época em que, no Quirinal, como em outras coisas, política e Igreja se lavavam as mãos uma com a outra. O resultado foi que a Igreja sujou o rosto. E pagamos por isso ainda hoje..."
O alto expoente da Conferência Episcopal Italiana (CEI) olha para a eleição do chefe de Estado italiano com uma distância que não é desinteresse, mas destaque de uma política eclesiástica distante anos-luz da do passado. Antigamente, no século passado, pontífices e secretários de Estado, chefes da CEI se inseriam naturalmente nos jogos pela presidência da República italiana. Expressavam preferências. Punham vetos. Essa competição era uma espécie de prolongamento natural de um costume que tinha como protagonistas expoentes da Democracia Cristã, crescidos e formados no associacionismo católico.
Depois, após o fim da Guerra Fria e com a chegada de Silvio Berlusconi e os anos do Ulivo, a prática só aparentemente continuou: mesmo que, na realidade, "os partidos, muitas vezes, fingiram envolver a Igreja Católica nas suas decisões. E, de fato, utilizaram-na para os seus próprios fins, sem lhe dar muitos ouvidos".
Agora, a soma de um pontificado argentino alheio a qualquer sugestão de poder mundano e a desorientação dos bispos italianos produziu uma abordagem totalmente diferente. E a distância da CEI em relação ao que está acontecendo no Parlamento italiano acaba sendo o reflexo tanto de uma clara fronteira entre as competências e o papel do Vaticano, e os âmbitos da política; quanto de uma relação que deverá ser reconstruída sobre novos paradigmas, com a Igreja exposta, curvada na frente social e quase assustada com compromissos com o poder.
Nestes dias, na Casa Santa Marta, o Papa Francisco parece preocupado especialmente com o modo como é abordado o tema da imigração. Além disso, ele sabe que terá que enfrentar e combater o que é definido como "o magma da dissidência" na Cúria contra as suas reformas; e justamente no ano em que decidiu intervir diretamente, mudando muitos homens, nos gânglios da burocracia vaticana.
A única política à qual ele está atento parece ser a argentina. O assassinato do magistrado Alberto Nisman está causando terremotos na presidência de Cristina Kirchner, que, antes, tinha falado de suicídio e, depois, teve que admitir o homicídio.
Isso aumentou as suspeitas sobre um governo, no mínimo, constrangido com a morte de um juiz que hipotetizava um pacto perverso Buenos Aires-Teerã para encobrir as responsabilidades de um velho atentado de 1994 contra os judeus argentinos.
Francisco continua perguntando aos amigos argentinos que vão encontrá-lo que ideia têm a respeito e como isso vai acabar. Ele teme que se acelere uma desestabilização que levaria Kirchner à renúncia antes de dezembro.
Sobre esse pano de fundo, o Quirinal está longe, muito longe. Os mesmos interlocutores são diferentes dos de antigamente. Dois dias atrás, na recepção oferecida pelo embaixador junto à Santa Sé, Francesco Greco, cardeais e bispos ouviam, mais do que discutiam a concorrência sobre o novo chefe de Estado. No máximo, lamentavam-se de um estilo de governo considerado pouco atento às razões da Igreja.
"Sabemos que o primeiro-ministro Matteo Renzi disse por aí, para todos, que não precisa de nós", contava um deles. "Ele defende que somos nós que precisamos dele."
Nessa atitude, veem uma novidade e, ao mesmo tempo, a permanência de uma ótica que consideram datada. A indicação que Francisco dá, é de manter relações e de buscar margens sobre a imigração, sobre os problemas da escola, sobre a família: fronteiras nas quais a Igreja não só está enfileirada na vanguarda, mas também pode oferecer conselhos, colaboração e indicar possíveis soluções.
O resto, explica-se, "não nos diz mais respeito. Não, ao menos, no modo em que nos dizia respeito no passado". Assim, enquanto são repassados os nomes dos candidatos à presidência da República italiana, a única coisa que se consegue arrebatar é um aceno de cabeça ou um olhar interrogativo.
Mesmo que, nas últimas semanas, na Civiltà Cattolica, a revista quinzenal dos jesuítas que tem sede na Via di Porta Pinciana, em Roma, tenha havido conversas informais com algumas das pessoas indicadas como possíveis chefes de Estado.
Mas se tratou de encontros de conhecimento, sem a pretensão, nem a vontade recíprocas de exercer uma influência qualquer sobre as decisões do Parlamento. É preciso se esforçar para arrancar um juízo vaticano sobre os candidatos mais credenciados nestas horas.
O alto expoente da CEI, no fim, se desequilibra um pouco. "No plano estritamente pessoal, posso dizer que Sergio Mattarella seria uma ótima escolha, porque é uma pessoa competente e de bem."
A impressão estranha é que, no entanto, o alto prelado está falando no confessionário, quase admitindo um pecado. A lição de Francisco é que "é preciso estar nas ruas, no meio das pessoas, e não nos palácios". E não se misturar em tudo o que diz respeito à política, em sentido estrito.
A sombra longa e controversa do passado se faz sentir, especialmente na Itália: a resposta do conclave de 2013, tão crítico em relação à Igreja italiana, é inequívoco.
Portanto, Mattarella, e que assim seja, se for presidente. Mas regozijando-se em silêncio. E cuidando-se bem para não elencar a sua fé católica entre os dotes que ele tem, ao menos aos olhos do Vaticano: o indício mais visível de que uma era realmente acabou.
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Uma Igreja distante dos jogos de poder - Instituto Humanitas Unisinos - IHU