Dilma capitulou. "Como diz o Keynes, o liberalismo adentrou o quarto das crianças", critica economista

Mais Lidos

  • “Os israelenses nunca terão verdadeira segurança, enquanto os palestinos não a tiverem”. Entrevista com Antony Loewenstein

    LER MAIS
  • Golpe de 1964 completa 60 anos insepulto. Entrevista com Dênis de Moraes

    LER MAIS
  • “Guerra nuclear preventiva” é a doutrina oficial dos Estados Unidos: uma visão histórica de seu belicismo. Artigo de Michel Chossudovsky

    LER MAIS

Revista ihu on-line

Zooliteratura. A virada animal e vegetal contra o antropocentrismo

Edição: 552

Leia mais

Modernismos. A fratura entre a modernidade artística e social no Brasil

Edição: 551

Leia mais

Metaverso. A experiência humana sob outros horizontes

Edição: 550

Leia mais

16 Janeiro 2015

A nova composição da equipe econômica do governo Dilma Rousseff e os ajustes já anunciados não são considerados traição, mas uma capitulação diante das pressões do mercado, diz Luiz Gonzaga Belluzzo, um dos 1.334 economistas que assinaram durante as eleições manifesto pró-Dilma e a favor do desenvolvimento econômico com distribuição de renda.

A entrevista é de Flavia Lima, publicada pelo jornal Valor, 16-01-2015.

Diante dos cortes já anunciados, Belluzzo - que era visto como um interlocutor da presidente, mas que, nos últimos tempos, tem dito que ocupa mais o papel de um amigo - enxerga pela frente um período de recessão, turbinado pela redução da capacidade de empréstimos do BNDES e pelos problemas da Petrobras.

Ao ser questionado sobre o que fazer, ele diz que dá para dizer o que não fazer: "Um ajuste fiscal dessa magnitude", diz o professor da Unicamp e da Facamp. Para ele, a questão central a ser discutida é a perda de posição da indústria brasileira nos últimos trinta anos, algo que tem chance "zero" de ser levado em consideração pelo ministro Joaquim Levy. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Eis a entrevista.

O sr. e um grupo de economistas de perfil heterodoxo assinaram manifesto em apoio à Dilma, que dizia que a população desaprovava políticas que afetavam os trabalhadores. Diante da política econômica atual, o sr. se sente traído?

Não considero uma traição e sim, submissão. Ela capitulou diante das pressões do mercado, assim como os líderes europeus e uma parte do PT. Mas, antes mesmo disso, o debate ficou muito restrito a uma tolice 'liberaloide' acerca do intervencionismo. Eu me recuso a discutir isso porque não conheço nenhuma economia no mundo que não tenha intervenções. A partir dessa interpretação, o mercado exagerou o problema do desequilíbrio fiscal e passou a dizer que o BC foi leniente com a política de metas. Sendo que muitos dos que estavam criticando causaram o maior dano possível à economia brasileira ao usar o câmbio para aplacar a inflação. Mas quando o Bacha [o economista Edmar Bacha] fala do FHC faz uma água turva para esconder que o problema começou com a política econômica dita de estabilização, que segurou a inflação, mas causou danos estruturais à economia. Agora eles dizem que é preciso abrir a economia.

O sr. discorda disso?

É preciso abrir com uma política que favoreça a aquisição de insumo e de peças e componentes, mas dê estímulo à exportação ou à produção doméstica - e a taxa de câmbio pode fazer isso. Quem foi cúmplice de uma valorização cambial prolongada e danosa não pode deixar de considerar os equívocos que cometeu. Agora a economia está caminhando para a recessão, não há dúvida.

Por quê?

Quando o ciclo de consumo dos duráveis começou a desacelerar, o governo tinha que ter estimulado o investimento privado. E isso demorou. Ao mesmo tempo, não é verdade que a crise internacional não tenha contribuído, ela adicionou problemas à indústria. Quando terminou o ciclo de commodities o Brasil perdeu dos dois lados: pela demanda externa e pela dinâmica interna de consumo e, então, a economia resvalou para o crescimento baixo e está caminhando para a recessão.

E o que fazer?

Com certeza, dá para dizer o que não fazer: um ajuste fiscal dessa magnitude. Porque querer reequilibrar a economia com um superávit fiscal quando ela está em recessão parece um desatino. Isso para não falar dos problemas da Petrobras e das empreiteiras.

A Petrobras vai contribuir para esse cenário de recessão?

Esse setor tem participação grande na formação da taxa de investimento. É preciso prender os que cometeram crimes, mas preservar as estruturas. Se tiver um colapso, teremos repercussão no sistema bancário. Hoje o crédito se retraiu para esse setor. Junta-se isso com a tentativa de reequilibrar a economia. O que está na cabeça 'deles' é tentar reequilibrar a economia com o aumento da poupança do governo. Acho que vai ser a maior prova de que essas teorias da poupança não funcionam: não é possível poupar com renda em queda. Mas eles precisam justificar o fato de que é a poupança que financia o investimento, o que é uma brutalidade. Todo mundo sabe que numa economia moderna quem financia o investimento é quem adianta os recursos líquidos. E eles vêm com essa história da poupança. É um misto de estupidez com picaretagem. Para eles, o cara enriquece porque poupou. Não, o cara enriquece porque investiu, produziu para enriquecimento dele e da sociedade. Quem poupa subtrai da renda e reserva isso como riqueza privada. O Keynes tinha horror a esse negócio.

Essa recessão pode durar quanto tempo?

Difícil saber. Essa ideia de que vai se fazer dois anos de ajuste parece que não tem dado certo no mundo. Vamos fazer uma 'austeridadezinha', e aí a gente sai dela em dois ou três anos. Mas ninguém menciona o fato de que enquanto dura uma recessão vai se devastando a vida das pessoas.

Mas olhando as desonerações e as transferências ao BNDES, a gente não precisava do ajuste?

O problema do BNDES é que não há nenhum outro circuito para o crédito de longo prazo. Há um componente histórico de rentismo no crédito do setor privado. Os bancos brasileiros ganham com as operações de tesouraria, em cima da dívida pública, que é outra anomalia no Brasil. Reduzir a capacidade de empréstimo do BNDES vai agravar a recessão.

Mas e as desonerações?

Elas foram importantes na saída da crise em 2009, mas foram prolongadas demais. O governo demorou para mudar o elemento dinâmico da economia - os investimentos - e a economia desacelerou. Mas a questão central no Brasil é a perda de posição da indústria brasileira nos últimos 30 anos. Esse é o nosso problema central e os macroeconomistas não levam em consideração porque para eles esse problema não existe.

Há chances de o Joaquim Levy levar isso em consideração?

É zero. Não existe mais economia industrial nas universidades americanas. Não há essa preocupação com a indústria, eles são macroeconomistas, então raciocinam sobre taxa de câmbio, taxa de juros, dominância fiscal. Alguns ainda admitem que o câmbio é um preço relativo importante e está fora do lugar. Mas isso acontece há 20 anos. Em termos de preços econômicos mal alinhados, o Brasil é campeão mundial.

O que o sr. acha do ministro Joaquim Levy?

Discordo do ele está dizendo que vai fazer. Mas, ao contrário do que disse o [economista] Luiz Carlos Mendonça de Barros, ninguém acha que o Levy é um demônio. A despeito de ser ex-seminarista, não acredito no demônio. Os demônios somos nós mesmos. O nosso amigo Luiz Carlos quis acusar nós, da Unicamp, de considerarmos Chicago e [o economista liberal americano] Milton Friedman demônios. Eu acho o Friedman um idiota que conseguiu angariar apoio de outros.

O que a Dilma pretende tendo optado por uma política econômica de perfil mais ortodoxo?

Acho que ela capitulou diante das pressões do mercado. Das interpretações abstratas sobre intervencionismo. Sem dúvida ela cometeu erros lá atrás, mas não interpreto esses erros como o mercado. Não foi intervencionismo que retirou a eficiência da economia e a competitividade. E essa história do patrimonialismo, francamente, é algo penoso. Não se sabe do que se está falando. Tinha mais patrimonialismo na Inglaterra da revolução industrial do que a ideologia do liberalismo permitia ver. É ridículo fazer essa discussão em termos ideológicos. Querer que o capitalismo funcione sem a coordenação do Estado. Como diz o Keynes, o liberalismo adentrou o quarto das crianças.

O debate econômico está muito simplificado?

Sim. Câmbio, políticas industriais não aparecem na discussão. Quem fala disso é o Yoshiaki Nakano, Luiz Carlos Bresser-Pereira, Julio Sergio Gomes de Almeida e os pós-keynesianos todos preocupados com a situação da indústria. Para o resto, não existe.

O sr. foi um interlocutor do governo Lula. Deixou de ser do governo Dilma?

No Lula as reuniões eram mais frequentes, na Dilma não. Fui professor dela, me considero seu amigo, mas isso não tem nada a ver. Eu posso dar minha opinião, mas não meter o bedelho onde não sou chamado.

Ela conversou pouco com empresários?

Eu espero que isso mude. Agora essa ideia de que, a despeito da recessão, será possível reanimar os 'espíritos animais' dos empresários...Vai ter ânimo para investir só porque o outro está dizendo que vai ter ajuste fiscal?

Podemos ter recuos importantes nos avanços sociais obtidos nos últimos anos?

Acho que ela vai tentar impedir, mas se a economia for para a recessão, vai ser difícil impedir o desemprego. Já existem primeiros sinais. Estou vendo alta da taxa de desemprego e uma situação social um pouco delicada.

Comunicar erro

close

FECHAR

Comunicar erro.

Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:

Dilma capitulou. "Como diz o Keynes, o liberalismo adentrou o quarto das crianças", critica economista - Instituto Humanitas Unisinos - IHU