19 Outubro 2014
Mesmo quem não queria, teve que discutir, expressar-se, escutar. Francisco obrigou todos a aceitarem que a verdade de Cristo não é um talento a enterrar, mas caminho na história, navegação impulsionada pelo vento do Espírito, busca nunca exausta da voz do Mestre.
A opinião é de Alberto Melloni, historiador da Igreja, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII de Bolonha. O artigo foi publicado no jornal Corriere della Sera, 16-10-2014. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
A publicação da relatio sobre os primeiros dias do Sínodo desencadeou um dilúvio de comentários. Em grande parte, vozes entusiasmadas, como a de Dom Bruno Forte, que explicou que a superação de uma cultura do desprezo pelas pessoas homossexuais já era necessária.
Não mais vastos, mas muito visíveis, foram os juízos negativos, que vão do alarmismo de quem está fora do Sínodo, como o ex-presidente da Conferência Episcopal Italiana, Camillo Ruini, a quem dele faz parte, como o presidente da Conferência Polonesa, Stanislaw Gadecki, que apela ao magistério de João Paulo II, considerando-o insuperável.
Quase todos os comentários, em realidade, se debruçaram apenas sobre duas passagens da escrupulosa relatio redigida pelo cardeal Péter Erdö: aquela na qual se fala da homossexualidade a partir do amor e não da natureza e aquela em que se busca uma nova atitude com relação aos divorciados em segunda união.
Outras passagens, por exemplo onde se reitera a condenação à contracepção não "natural" (talvez mitigada por um inciso não claro), ao contrário, não atraíram muita atenção.
Essa transformação de um ato intermediário, como a relatio, em um furo de reportagem tem duas causas. Quem olha para o Sínodo de longe muitas vezes acredita que o seu valor está apenas na adequação à "tendência Francisco" e que a razão pela qual o papa o convocou é de contar os seus poucos antagonistas.
Quem o vive a partir de dentro se afana a negar o porte das divisões, defendendo que, no Sínodo, não se calcula isso: enquanto esse é o instrumento príncipe da assembleia dos bispos (como do Concílio ou do conclave) e o seu banco de testes.
Na realidade, a dialética sinodal mostrou que existe um setor neorrigorista, que tinha um projeto obstrucionista substancialmente fracassado; um setor neolaxista, que desejou na Aula aberturas mais esperadas do que pensadas; e um setor neocasuístico, que busca em alguns virtuosismos canonísticos a resposta a problemas que são o dom e a dor de milhões de filhos de Deus.
Ficou menos visível – na relatio e nos comentários – a posição de quem entendeu que o papa não pensa que a misericórdia está na metade do caminho entre laxismo e rigorismo, mas constitui uma dimensão outra: e foi menos ouvida a voz de quem compartilha com Francisco a ideia de que o problema da Igreja não é dizer "sins" ou "nãos", mas dizer o Evangelho de Jesus e o Jesus do Evangelho a vidas verdadeiras por longo tempo invisíveis à Igreja.
Porque a operação de Francisco no Sínodo não visa a uma reforma do matrimônio e da moral, mas a uma restauração da conciliaridade no catolicismo romano, pelo qual passa o futuro da eclesiologia e do ecumenismo.
Em todos os campos, Francisco disse mais de uma vez que não gosta das "soluções fechadas"; ao contrário, ele acredita que uma nova atitude radicada na conversão do coração é realmente mais eficaz do que modificações normativas confiadas a corações corrompidos pelo imobilismo. Ele aplicou essa ideia de uma "reforma com normas invariadas" no Sínodo, até agora aprisionado dentro de uma consultividade humilhante e no qual não há espaço para fazer com que se sinta vivamente o debate teológico.
O papa, sem fazer decretos reformadores, se limitou a apenas dois passos: prometer que promulgará o documento sinodal como tal e convocar duas assembleias sobre o mesmo tema. Fazendo isso, de fato, pôs a Igreja inteira em estado sinodal.
Com essas poucas medidas, restitui uma dignidade "conciliar" ao Sínodo, do qual os conflitos e os contrastes – fisiológicos, dado que não se fala de amenidades – são a prova de que ele conseguiu isso.
Aquilo pelo qual a minoria do Sínodo e a maioria do Colégio Cardinalício criticam o papa é justamente o sucesso na abertura de uma fase de diálogo ou, em termos técnicos, de um "estado sinodal" da Igreja. Homens do porte político de Ruini sabem que a posição do catolicismo nunca incidirá sobre as leis que regulam a vida das famílias.
Os cardeais que, guiados ou arrastados pelo prefeito da Doutrina da Fé, Gerhard Müller, publicam um livro contra a linha do papa intitulado Permanecer na verdade de Cristo não pedem normas restritivas. Eles defendem que, dentro da Igreja, não há nada para se discutir: que a compreensão do Evangelho não pretende nada mais do que ser repetida.
E é contra isso que o papa reagiu com a sua mansíssima dureza e, já se pode dizer isto, venceu. Justamente porque mesmo quem não queria, teve que discutir, expressar-se, escutar.
Francisco obrigou todos a aceitarem que a verdade de Cristo não é um talento a enterrar, mas caminho na história, navegação impulsionada pelo vento do Espírito, busca nunca exausta da voz do Mestre.
Se ele conseguir, se o catolicismo romano ganhar não apenas a credibilidade evangélica do seu papa, mas também a credibilidade conciliar do seu corpo, então tudo será possível. Exatamente tudo: porque o futuro do cristianismo ou será conciliar ou não será nada mais do que um presente degradado, do qual a Igreja Romana já sentiu o sabor amargo várias vezes nos últimos dez séculos e nos últimos dez anos.
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A vitória de Francisco no Sínodo dos bispos: uma Igreja do diálogo. Artigo de Alberto Melloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU