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13 Outubro 2014

Não faz muito tempo, na visão dos extrativistas da localidade Furo do Gil, no município de Breves (PA), Ilha do Marajó, sementes de murumuru tinham utilidade e valor apenas na dieta de porcos selvagens que as consomem na Floresta Amazônica. A percepção mudou após o grupo ter sido apresentado neste ano a xampus da linha profissional e outros produtos finais fabricados pela multinacional de cosméticos L’Oréal com a matéria-prima típica da região. Para os produtores a experiência reforçou a expectativa de que é economicamente mais vantajoso manter árvores do que derrubá-las para criar gado. Por outro lado, na visita ao trabalho de coleta na comunidade, a indústria reconheceu de perto o valor socioambiental e econômico por trás do insumo que utiliza a milhares de quilômetros dali.

A reportagem é de Sergio Adeodato, publicada pelo jornal Valor Econômico, 10-10-2014.

“É estratégico aproximar as pontas da cadeia produtiva e eliminar barreiras entre o modo de produção na floresta e a lógica industrial, dentro de um processo de transparência”, afirma Daniel Sabará, diretor-executivo da Beraca, empresa que processa frutos e sementes da Amazônia, Cerrado e Caatinga para fornecimento de óleos vegetais a indústrias de cosméticos, principalmente no exterior.

O negócio situa-se no meio do caminho entre a extração na floresta e a aplicação final, absorvendo a produção de 160 núcleos comunitários. Andiroba, cupuaçu, buriti e pracaxi, rico em vitamina E, são carros-chefes que abastecem a unidade de refino mantida pela companhia em Ananindeua (PA), próximo a Belém, com potencial de beneficiar entre 200 e 300 toneladas por ano de ingredientes para cosméticos. A produção atual está abaixo da capacidade porque falta demanda de mercado devido à insegurança de operar na floresta. A alternativa tem sido articular arranjos locais que respeitem a cultura e garantam fornecimento e qualidade da matéria-prima dentro dos padrões exigidos pela indústria.

Com apoio da Beraca, L’Oréal e agência de cooperação alemã (GIZ), os extrativistas de Breves foram incentivados a se agrupar em cooperativa. “A formalização viabiliza a logística e a documentação necessária ao comércio, atraindo novas parcerias e investimentos”, explica Sabará, ao lembrar que no uso da biodiversidade é essencial estabelecer relações de longo prazo. O plano é fomentar o beneficiamento inicial na floresta para agregar valor ao produto e aumentar em dez vezes a atual renda obtida pelo fornecimento de sementes de murumuru e pracaxi. “É importante que os acordos envolvam no mínimo duas espécies florestais para evitar o risco da monocultura extrativista, na qual o interesse econômico concentrado em um único tipo de árvore pode levar à destruição dos demais”, afirma o executivo.

A experiência na Ilha do Marajó reflete o ambiente de negócios que se expande na Amazônia a partir de uma nova força-motriz: o avanço da organização social. “A existência desse quesito, além de maior maturidade de mercado, foi decisiva para o início do projeto com açaí em regiões isoladas do Amazonas”, ressalta Pedro Massa, gerente de negócios sociais da Coca-Cola Brasil, proprietária da marca de sucos Del Valle. Explorado por 48 comunidades nos municípios de Manacapuru (AM) e Coari (AM), o fruto é levado na forma de polpa congelada por longas viagens em rios até a capital, Manaus, para produção do concentrado da bebida. De lá, o insumo é encaminhado para a fábrica de sucos, em Linhares (ES).

“Além da logística, o desafio foi entender as demandas locais e criar um modelo viável e justo, com assistência técnica e certificação dos extrativistas nos padrões da empresa”, conta Massa. A política de merenda escolar do governo amazonense complementa a renda dos moradores que vendem para a agroindústria. Segundo dados do IBGE, o fruto do açaí, hoje bastante consumido no país, já liderava o mercado dos dez principais produtos amazônicos não madeireiros em 2009, com fatia de 23% de um total de R$ 685,3 milhões. Estimativa não oficial aponta que hoje a economia do açaí sozinho supera R$ 500 milhões.

Na Terra do Meio, onde é alto o índice de desmatamento e de conflitos sociais no Pará, a negociação entre comunidades e empresas é mediada por organizações não governamentais, na lógica de valorizar a floresta para que seja conservada. “As indústrias exigem que o produto seja rastreado e tenha garantia de origem e qualidade, enquanto os produtores locais pedem respeito às tradições produtivas”, explica Patrícia Cota Gomes, coordenadora de mercados florestais, do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora).

Juntamente com outras ONGs, a instituição atua como avalista dos acordos entre os dois extremos da cadeia. O principal instrumento de diálogo é o Protocolo Biocultural, documento no qual a comunidade mostra como se relaciona com os recursos naturais, apresenta os produtos de potencial comercial e estabelece como gostaria de se relacionar com o mercado. Atualmente, o grupo testa tecnologia que permite cadastrar os produtores e rastrear pelo celular os lotes de castanha, borracha e copaíba fornecidos por cada um deles nas reservas extrativistas Rio do Anfrísio, Rio Iriri e Xingu. “É preciso desenvolver novos arranjos para se reduzir a pobreza uso da biodiversidade”, recomenda Patrícia, ao lembrar que os baixos preços pagos por atravessadores estimulam atividades predatórias de maior retorno financeiro.

Entre as novidades que saem da floresta para grandes centros está o pirarucu – famoso peixe amazônico que começou ser criado em cativeiro em outras regiões do país e hoje é encontrado em supermercados de São Paulo. Na Amazônia, grande parte da produção provém do manejo comunitário, incentivado para fazer frente à captura predatória que por décadas tornou a espécie altamente ameaçada. “Pescadores viraram agentes de conservação dos estoques”, ressalta Felipe Rossoni, do Instituto Piagaçu, onde coordena o Programa de Conservação e Manejo de Recursos Pesqueiros, com apoio da Petrobras. Nos rios e lagos de Mamirauá, município de Tefé, a população de pirarucu é mapeada com objetivo de repovoar os locais de maior escassez para aproveitamento no futuro.

“É necessário que a região deixe de ser exclusivamente fornecedora de matérias-primas e passe a beneficiá-las, agregando valor no local”, analisa Renata Puchala, gerente de sustentabilidade da Natura. A fabricante de cosméticos incentiva cooperativas a desenvolver estruturas para extrair óleo e manteiga dos frutos, com maior receita, a exemplo da usina inaugurada neste ano na comunidade de produtores de cacau e babaçu de Pacajá (PA), na Transamazônica. Também neste ano, a empresa instalou um parque industrial próprio, em Benevides (PA), onde fabricará 80% do total de sabonetes que vende no país e no mundo, até 2015.

Enquanto a fábrica de pneus para moto e bicicleta Neotec, instalada em Manaus, absorve por ano 2 mil toneladas de látex nativo da Amazônia, a 3M Brasil apostou em outro insumo vegetal para fabricar esponjas de banho: o curauá. O material fibroso de alta resistência é pesquisado no Centro de Biotecnologia da Amazônia (CBA), uma megaestrutura erguida na capital amazonense com investimento de R$ 100 milhões, subutilizada há mais de uma década por razão administrativa. Embora estratégica para a geração de novos negócios com a biodiversidade, a instituição não tem agilidade e autonomia para firmar contratos de pesquisa com empresas, como integrante da Superintendência da Zona Franca de Manaus. “A expectativa é que a questão do perfil jurídico da instituição seja resolvida até o fim do ano”, estima o superintendente Thomaz Nogueira.

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