Um indicativo seguro sobre a/o candidata/o em quem não se deve votar

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15 Setembro 2014

"Cada eleição propicia o exercício de um voto capaz de significar muito bem um veto. A legislação brasileira não faculta às/aos eleitoras/es a possibilidade de cassar um mandato legalmente conferido a alguém, direito conhecido alhures como de recall, no sentido de chamada, retorno, escreve Jacques Távora Alfonsin, advogado do MST, procurador aposentado do estado do Rio Grande do Sul. É mestre em Direito, pela Unisinos, onde também foi professor e membro da ONG Acesso, Cidadania e Direitos Humanos.

Segundo ele, "o ordenamento jurídico de outros países, todavia, admite a possibilidade de esse instrumento legal poder ser utilizado contra políticos eleitos que demonstrem comprovada infidelidade e, ou, abuso de direito relacionados com o mandato recebido. No site jusbrasil, por exemplo, há uma definição bem clara disso: “O recall é o instituto de direito político, de caráter constitucional ou não, possibilitando que parte do corpo eleitoral de um ente político (País ou a União Federal, Estados, Províncias, Distritos ou Municípios) convoque uma consulta popular para revogar o mandato popular antes conferido.”

Eis o artigo. 

Fatos como os que antecedem eleições fazem lembrar uma lição de Milton Santos, o saudoso e querido geógrafo negro brasileiro. Dizia ele que “todo o espaço é uma soma de tempos.” Se isso vale para o espaço físico, talvez caiba também para o “espaço” ocupado ou até invadido, frequentemente, pelo poder político.

Basta recordar-se o tempo imposto pelas negociações partidárias, os ajustes, as alianças discutidas e decididas antes das eleições, procurando espaço para acordos, concessões recíprocas, nem sempre visando o bem público mas sim um cálculo conveniente de soma de votos a favor de um/a ou outro/a candidato/a, esquecidos ou ignorados os programas partidários e compromissos anteriores, assumidos com o eleitorado.

Um exemplo de quanto um tempo propositalmente retardado pode prejudicar injustamente o espaço correspondente à conquista de um direito humano sonhado há décadas, penando ã necessidade do seu reconhecimento em lei, revelou-se durante a votação, pelo Congresso Nacional, do projeto de emenda constitucional sobre o trabalho escravo no país.  

Manobras regimentais e burocráticas de toda ordem, exploradas especialmente pela bancada ruralista, atrasou a votação do projeto durante muitos anos. A proposta de redação original sofreu um sem número de estudos, pontuações, doutas lições de juristas, reparos, quase tudo refletindo o medo de proprietários rurais serem flagrados explorando o tal tipo de trabalho servil da mesma forma que faziam quantos os antecederam na época do Brasil colônia e império.  

Mesmo sob uma tramitação assim tumultuada, a emenda alcançou aprovação no Congresso, ficando assim redigida:

Art. 1º O art. 243 da Constituição Federal passa a vigorar com a seguinte redação:

"Art. 243. As propriedades rurais e urbanas de qualquer região do País onde forem localizadas culturas ilegais de plantas psicotrópicas ou a exploração de trabalho escravo na forma da lei serão expropriadas e destinadas à reforma agrária e a programas de habitação popular, sem qualquer indenização ao proprietário e sem prejuízo de outras sanções previstas em lei, observado, no que couber, o disposto no art. 5º.

Parágrafo único. Todo e qualquer bem de valor econômico apreendido em decorrência do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e da exploração de trabalho escravo será confiscado e reverterá a fundo especial com destinação específica, na forma da lei."

É muito difícil, para não dizer-se impossível, medirem-se os graus de insensibilidade social, de indiferença pelo drama vivido por trabalhadoras/es sobrevivendo sem liberdade, de recalque do sentimento ético e da mais elementar noção de responsabilidade pública, explicar-se uma resistência tão poderosa, contrária a um projeto de emenda constitucional de importância e urgência vitais para o povo necessitado de emprego e renda. Com mais o inconveniente de, pela força do poder econômico presente na referida bancada ruralista, mesmo com essa emenda, seus efeitos reais ainda terem de ficar pendentes de um futuro incerto, na medida em que é “na forma da lei” como determinam o “caput” e o parágrafo desse artigo, que ela poderá alcançar regulamentação definitiva e efetividade.

Mesmo assim, mesmo pelas limitações a que ficou sujeito o art. 243 da Constituição Federal, tanto o voto de quem optou por opor-se à emenda, como o dos congressistas que se ausentaram da sessão deliberativa de aprovação ou rejeição dela, passam a gravar uma conduta de tal tipo como vergonhosa, inaceitável.   

Um exemplo disso é emblemático. Entre os que votaram contra, apareceram dois deputados gaúchos, Luís Carlos Heinze e Alceu Moreira, cujo passado autorizava prever-se o pior.  Ambos já tinham ficado péssima e irremediavelmente famosos, por manifestações feitas em fevereiro deste 2014, numa audiência pública reunida em Vicente Dutra. Conforme a transcrição feita por vários sites e outros meios de comunicação, o primeiro, seguido pelo outro disse o seguinte: “Agora, eu quero dizer para vocês: o mesmo governo, seu Gilberto Carvalho, também é ministro da presidenta Dilma. É ali que estão aninhados quilombolas, índios, gays, lésbicas. Tudo o que não presta ali está aninhado. E eles têm a direção e o comando do governo”.

É desnecessária a formulação de qualquer juízo de valor ou de fato para se concluir sobre quanto de indignação e repulsa causa uma afirmação leviana, falsa, preconceituosa e irresponsável como essa. Mais do que uma não disfarçada homofobia, mais do que criminosa - ali está presente injúria grave contra grupos de pessoas bem identificadas, não sendo de se excluir até o crime hediondo de racismo, de acordo com o art. 5º, XLII, afinado com o 4º, inc. VIII da Constituição Federal - ela não deixa dúvida sobre a inidoneidade desses candidatos representarem o povo que os elegeu, bem como de quaisquer outras/os que concordem com eles, seja de forma expressa seja disfarçada. Trata-se, no caso, da mais grave falta que um político pratica; a de ser infiel ao mandato que recebeu, pois a eleição não dá licença à/ao eleita/o de menosprezar, injuriar, humilhar, agredir a honra e a dignidade das pessoas.

Quem manda, num Estado democrático de direito, sabe que só pode mandar obedecendo, como determina, aliás, de forma expressa, o parágrafo único do primeiro artigo da nossa Constituição.

Por isso, cada eleição propicia o exercício de um voto capaz de significar muito bem um veto. A legislação brasileira não faculta às/aos eleitoras/es a possibilidade de cassar um mandato legalmente conferido a alguém, direito conhecido alhures como de recall, no sentido de chamada, retorno. A palavra é muito mais conhecida nas relações mercantis, quando um determinado fornecedor de mercadoria (automóvel, por exemplo) convoca publicamente quem tenha comprado um determinado produto com defeito, para retornar ao fornecedor ou quem o represente, seja para substituir o referido produto, seja para sanar o tal defeito.

O ordenamento jurídico de outros países, todavia, admite a possibilidade de esse instrumento legal poder ser utilizado contra políticos eleitos que demonstrem comprovada infidelidade e, ou, abuso de direito relacionados com o mandato recebido. No site jusbrasil, por exemplo, há uma definição bem clara disso: “O recall é o instituto de direito político, de caráter constitucional ou não, possibilitando que parte do corpo eleitoral de um ente político (País ou a União Federal, Estados, Províncias, Distritos ou Municípios) convoque uma consulta popular para revogar o mandato popular antes conferido.”

Agora, pelo menos, enquanto o Brasil não alcançar a tão sonhada quanto prorrogada reforma política, não parece existir outra alternativa para as/os brasileiras/os, nas próximas eleições, que não a de fazermos o recall do nosso jeito. Se a árvore é bem conhecida pelos seus frutos, por mais repetida que seja tal advertência, impõe-se impedir, pelo voto, a eleição de alguém cujo passado prova ter traído a confiança de quem o escolheu, ter sido infiel às liberdades, às garantias, às reivindicações e aos direitos do povo, especialmente do mais necessitado e pobre.

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