Plano Nacional da Educação, o Brasil já tem sua lição de casa

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Por: Cesar Sanson | 10 Julho 2014

Muita conversa com a sociedade civil e obstáculos na Câmara, no Senado e no próprio governo, mas, enfim, o Plano Nacional da Educação (PNE) foi aprovado na Câmara dos Deputados no dia 25 de junho. Tramitando desde 2010, o Plano estabelece 20 metas para serem cumpridas nos próximos 10 anos na educação brasileira, como a destinação de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) para o setor, o aumento de matrículas em todos os níveis escolares e um padrão de qualidade mínimo em todas as escolas do país.

Para Daniel Cara, Coordenador Geral da Campanha Pelo Direito à Educação e um dos responsáveis pela elaboração do texto, a empreitada está longe de acabar. “Temos agora fazer com que o PNE seja um grande texto de impacto social”, disse em entrevista ao Brasil de Fato, 08-07-2014.

Eis a entrevista.

Qual a importância que o PNE terá para o Brasil pelos próximos 10 anos?

A expectativa é que o Plano mude a realidade da educação pública brasileira e que seja um divisor de águas. Um começo é fazer com que todas as escolas brasileiras tenham um padrão mínimo de qualidade, valorizar a carreira docente para que ela deixe de ter uma remuneração muito inferior a das demais profissões, que o magistério seja retomado como uma profissão central para o desenvolvimento do país. O Brasil tem uma dívida histórica com a educação, não vamos conseguir recuperar 500 anos em 10, mas ao final do Plano queremos estar minimamente próximos de respeitar o direito à educação. Além disso, vamos ter que romper muitas resistências dos governos federais, municipais e estaduais e fazer com que todos caminhem juntos. Estou muito esperançoso, mas a caminhada está longe de acabar.

Como foi o caminho que o Plano teve que percorrer até ser aprovado pelo Congresso?

Nós planejamos que era prioridade estarmos no Plano Nacional de Educação quando recebemos o prêmio Darcy Ribeiro da Câmara dos Deputados em 2007, pela nossa incidência do Fundeb. Desde lá, já levantávamos uma série de questões para a educação brasileira como o da importância das cotas e a destinação dos recursos do petróleo para a educação. Falando do PNE mais diretamente, ele começa a tramitar em 2010, quando apresentamos uma carta ao presidente Lula solicitando que ele apresentasse o texto do Plano.

Em abril de 2011, o Ministério da Educação apresenta uma planilha que falava de 7% do PIB para a educação. Para rebater, nós lançamos uma nota técnica provando o quanto que o Brasil teria que investir 10% do PIB exclusivamente para a educação pública. O nosso texto passa na Comissão Especial do Congresso, mas sofre forte resistência do governo. O ministro Aloísio Mercadante, na época da Educação, diz que os valores são absurdos e a ministra Ideli Salvati, apoiada pela presidenta Dilma, diz que isso é uma “gracinha”. No final de 2012, o texto vai para o Senado, que foi a época mais conturbada.

Isso porque tivemos textos muito ruins do Senador José Pimentel (PT-CE), na Comissão de Assuntos Econômicos e um pior ainda do Vital do Rego (PMDB-PB) na de Constituição e Justiça, ambos submissos ao governo. Por incrível que pareça, o texto mais arrojado que tivemos foi do senador Alvaro Dias (PSDB-PR) na Comissão de Educação. Acontece que o texto sai muito enfraquecido e o nosso trabalho na Câmara em 2014 foi recuperar o que foi possível do projeto original.

Qual você acha que é o maior problema do governo com o PNE?

A verdade é que o Plano quebra a relação do poder de submissão dos estados e municípios para com o governo federal. Um dos vetos propostos pelo governo era ligado ao Custo Aluno Qualidade Inicial (CAQi) pois ele não queria transferir recursos federais à estados e municípios para o alcance desse padrão. Nesse ponto, falta uma visão mais política e menos gerencialista para a presidenta. Ela acredita ser a dona da bola, mas existem leis que precisam ser cumpridas. Felizmente o governo recuou nesse veto, pois iria sofrer uma derrota dura na Câmara, in-clusive com votos dos parlamentares do PT, que sabem que esse repasse, inclusive, é garantido pela Constituição Federal no artigo 211.

O que é esse Custo Aluno Qualidade Inicial?

O CAQi é a garantia de que todas as escolas, sigam os mesmos padrões de qualidade. Vão ter professores com salário inicial digno, política de carreira, formação continuada; o número de alunos por turma terá que ser adequado; as escolas terão que ter laboratórios de ciências e de informática, bibliotecas, sala de leitura e quadra poliesportiva coberta. Isso é um salto de qualidade enorme. Hoje só 0,6% das escolas brasileiras têm essas condições.

Na nossa visão, o valor per capita de cada aluno tem que ser medido naquilo que influi na qualidade da educação. Com isso, nós fortalecemos um debate amplo com diversos setores da sociedade: técnicos de gestão orçamentária, pesquisadores do Ipea, consultores legislativos, professores, sindicatos, entre outros para construir o texto final do CAQi. No final, chegou-se à conclusão que, para as matrículas atuais terem esse padrão, o governo federal teria que investir R$ 46 bilhões a mais do que investe hoje.

Acontece que o PNE pretende expandir ainda mais essas matrículas. A grande tensão foi que o governo acha que esse custo a mais com educação pode diminuir a esfera de ação da Dilma num eventual segundo mandato. É decepcionante que um governo do Partido dos Trabalhadores, que sempre esteve na lógica da visão de Estado acima dos mandatos, se paute pelo marketing. Realmente vamos ter que fazer um sacrifício orçamentário para cumprir as metas do CAQi, mas já não passou da hora de fazermos esse sacrifício?

Uma das críticas que a campanha faz ao texto aprovado é que os 10% do PIB não são exclusivamente para a educação pública e beneficiam também iniciativas públicos privadas como o ProUni, o Fies e o Ciências sem Fronteiras. Qual é a sua crítica sobre essa questão?

Em resumo, são três pontos essenciais que embasam nossa defesa pelo investimento público exclusivamente em educação pública. Primeiro porque é a educação pública que deve obrigatoriamente ser gratuita e atender a todos. Aqui no Brasil existe uma realidade, e que sem políticas como as cotas seria ainda mais nítida, que a educação pública só atende a elite. Mesmo assim, defendemos que a educação pública seja gratuita a todos.

O segundo é que o governo federal gerou uma aberração contábil na lei 13005/2014. Ela basicamente dá dois comandos. A meta 20 do PNE diz que se deve investir “dinheiro público na edição pública na ordem de 10% do PIB até o final do decênio”, ele aponta um caminho claro. Nos artigos da lei eles vão dizer que a meta 20 inclui as parcerias públicas privadas pautadas em programas do governo federal. Existe uma contradição jurídica aí que é passível até de questionamento de constitucionalidade.

E o terceiro ponto é que nós só calculamos o Plano Nacional de Educação com base nesse investimento na educação pública. Você tem 19 metas para serem implementadas com um custo de 10% do PIB. Qual é o diabo dessa história toda? Dos 10%, o setor privado já fica com 0,9% e existem previsões do mercado financeiro apontando um mercado de cerca de R$ 50 bilhões da educação privada no Brasil, que tomaria mais 1%. No final das contas, sea gente aprovou um PNE que custava 10, na prática a gente tem um que custa oito. Além de ser uma aberração contábil, a medida ainda inviabiliza algumas metas do plano. Temos que ficar de olho nos próximos planos plurianuais e ciclos orçamentários pra ver quais os pontos que o governo está dando maior ou menor atenção.

O que você espera de agora em diante com o PNE aprovado? Quais são as etapas que estão por vir?

O PNE tem que ser um tema importante nas eleições, já que seria muita ingenuidade acreditar que o governo vai colocá-lo em prática no meio do calendário eleitoral. Outro ponto é fazer com que a sociedade se aproprie dele. Manifestações de rua, movimentos sociais, organizações têm que colocar o Plano na agenda pública e cobrar as autoridades. Além disso, é preciso fazer planos estaduais e municipais. A maior parte da política de educação básica se realiza nesses âmbitos e pressionar para que o PNE entre nos planos plurianuais e no ciclo orçamentário. Se isso não acontecer, ele não vai dar conta de suas necessidades.

No projeto original, alguns pontos falavam sobre o combate ao preconceito de gênero, raça e orientação sexual nas escolas, mas eles acabaram sendo retirados do texto. Qual o motivo para isso ter acontecido?

Falta coragem pro poder executivo, especialmente na questão comportamental. Após uma eleição em 2010, que foi pautada por um debate conservador, a presidenta Dilma negou suas origens de esquerda e fechou os olhos para o direito das minorias. Ainda nos tempos do ministro Fernando Haddad, teve o episódio do kit anti-homofobia nas escolas. Um trabalho sério realizado por instituições ligadas aos direitos LGBT que a presidenta barrou.

Depois disso, a bancada conservadora tanto na Câmara quanto no Senado ganhou muita força e hoje eles tem uma maioria simbólica, que acaba cooptando aqueles que estão no centro, sem opinião formada. No caso específico do PNE, estava se discutindo uma diretriz pequena, mas que significava uma melhora no ambiente escolar, combatendo o preconceito racial, o de gênero e, principalmente, o de orientação sexual. Se fecharmos os olhos pra esse tipo de preconceito nas escolas, estaremos desrespeitando quem sofre com isso. Acabamos perdendo esse debate por conta de hoje o Brasil estar sendo atingido por um tsunami conservador e acredito que essa eleição de 2014 será reflexo da falta de coragem de setores da esquerda em combater o discurso dos conservadores.

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