Por: Jonas | 14 Dezembro 2013
Mais do que um texto de um chefe da Igreja, como aqueles de seus predecessores, a mensagem do papa Francisco (foto) para a XLVII Jornal Mundial da Paz, que é celebrada no dia primeiro de janeiro de todo ano e que foi divulgada ontem pelo Vaticano, é uma verdadeira análise sociológica sobre a fraternidade e as implicações em nível econômico, político e social que sua existência, ou a falta dela, podem acarretar em qualquer sociedade, não importa em qual continente seja ou em que hemisfério. A mensagem se referiu a todas as situações existentes no mundo que demonstram falta de fraternidade e que colocam a paz em perigo, desde questões aparentemente pessoais como o individualismo e o consumismo, até outras mais sociais como a exploração do trabalho, a prostituição, o tráfico de seres humanos, a especulação financeira, a crise econômica, as guerras e os armamentos.
Fonte: http://goo.gl/JJ3Iyg |
A reportagem é de Elena Llorente, publicada pelo jornal Página/12, 13-12-2013. A tradução é do Cepat.
“Sem a fraternidade é impossível a construção de uma sociedade justa, de uma paz estável e duradoura”, escreveu Francisco, porque a fraternidade é o fundamento e o caminho para a paz, mas também a premissa para vencer a pobreza. “Todas as nações da terra formam uma unidade e compartilham um destino comum”, sublinhou. Porém, hoje, com a “globalização da indiferença” que pouco a pouco nos acostuma com o sofrimento do outro, parece difícil poder acreditar nesse destino comum, disse. Segundo o Pontífice, a falta de fraternidade leva a fenômenos como “o tráfico de seres humanos, com cuja vida e desesperança pessoas sem escrúpulos especulam”, às “guerras feitas de enfrentamentos armados, junto às quais se somam outras guerras menos visíveis, mas não menos cruéis, que se combatem no campo econômico e financeiro com meios igualmente destrutivos de vidas, de famílias, de empresas”. Também leva a “numerosas situações de desigualdade, de pobreza e de injustiça”. “As novas ideologias, caracterizadas por um difuso individualismo, egocentrismo e consumismo materialista, fragilizam os laços sociais, fomentando essa mentalidade do ‘descarte’, que leva ao desprezo e ao abandono dos mais fracos, daqueles que são considerados inúteis”. Por isso, recordando algumas encíclicas de seus predecessores, mais adiante, o Papa fala que “a fraternidade é o fundamento e o caminho para a paz” e “a premissa para vencer a pobreza”.
Embora o mundo tenha verificado uma redução da pobreza absoluta, apontou, houve um “grave aumento da pobreza relativa, ou seja, das desigualdades entre pessoas e grupos que convivem em uma determinada região ou em um determinado contexto histórico-cultural”. Para corrigir isso são necessárias “políticas eficazes que promovam o princípio da fraternidade, assegurando às pessoas – iguais em sua dignidade e em seus direitos fundamentais – o acesso aos “capitais”, aos serviços, aos recursos educativos, de saúde, tecnológicos, de maneira que todos tenham a oportunidade de se expressar e realizar seu projeto de vida”, escreveu. “Também são necessárias políticas dirigidas para atenuar uma excessiva desigualdade de renda”, acrescentou.
O Papa também falou da necessidade de “redescobrir” a fraternidade na economia, porque “as graves crises financeiras e econômicas – que tem sua origem no progressivo distanciamento do homem de Deus e do próximo, na busca insaciável de bens materiais, por um lado, e no empobrecimento das relações interpessoais e comunitárias, por outro – levaram muitos a buscar o bem-estar, a felicidade e a segurança no consumo e na ganância para além da lógica de uma economia sadia”. E acrescentou: “O fato das crises econômicas ocorrerem uma após outra deveria nos levar às oportunas revisões dos modelos de desenvolvimento econômico e a uma mudança nos estilos de vida”.
Francisco não deixou de mencionar a crise econômica que afetou fundamentalmente ao mundo ocidental desde 2008. “A crise atual, com graves consequências para a vida das pessoas, pode ser, no entanto, uma ocasião propícia para recuperar as virtudes da prudência, da temperança, da justiça e da fortaleza”, apontou.
O papa Francisco também acredita que a fraternidade extingue a guerra. “Muitos são os conflitos armados que se produzem no meio da indiferença geral. A todos aqueles que vivem em terras onde as armas impõem terror e destruição, asseguro-lhes minha proximidade pessoal e de toda a Igreja”. E àqueles que espalham guerras dirigiu uma “encarecida” exortação: “Redescubram, em quem hoje consideram apenas um inimigo para exterminar, seu irmão e não levantem a mão contra ele. Renunciem a via das armas e caminhem ao encontro do outro com o diálogo, o perdão e a reconciliação, para reconstruir ao seu redor a justiça, a confiança e a esperança”, disse, fazendo, além disso, alusão ao caso sírio, mas também ao de algumas potências ocidentais, em um chamado a “não proliferação das armas e ao desarme, da parte de todos, começando pelo desarme nuclear e químico”.
Nem os acordos internacionais e nem as leis nacionais são suficientes, “ainda que necessárias e altamente desejáveis” para “proteger a humanidade dos conflitos armados”. “Necessita-se de uma conversão dos corações que permita a cada um reconhecer no outro um irmão com quem se preocupar, com quem colaborar para construir uma vida plena para todos”, escreveu Francisco.
O Papa também teve palavras de reprovação para os que lucram com a droga, com a devastação dos recursos naturais e a contaminação. “Penso na tragédia da exploração do trabalho, na lavagem ilícita de dinheiro, assim como na especulação financeira, que muitas vezes assume riscos prejudiciais e demolidores para sistemas econômicos e sociais, expondo à pobreza milhões de homens e mulheres. Penso na prostituição que a cada dia recolhe vítimas inocentes, sobretudo entre os mais jovens, roubando-lhes o futuro. Penso no abominável tráfico de seres humanos, nos crimes e abusos contra menores, na escravidão que ainda difunde o seu horror em muitas partes do mundo, na tragédia frequentemente desatendida dos imigrantes”.
E, por último, referiu-se à natureza e se questionou como se usam no mundo os recursos da terra e a produção de alimentos. “É de sobra sabido que a produção atual é suficiente e, no entanto, milhões de pessoas sofrem e morrem de fome, e isso constitui um verdadeiro escândalo. É necessário encontrar os modos para que todos possam se beneficiar dos frutos da terra”, enfatizou, recordando a todos o “necessário destino universal dos bens, que é um dos princípios-chave da Doutrina Social da Igreja”.
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Uma análise sociológica de Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU