05 Outubro 2013
Um mundo onde se pode fraternalmente abraçar um papa é realmente um belo mundo.
A opinião é do chef italiano Carlo Petrini, fundador do movimento Slow Food, em artigo para o jornal La Repubblica, 03-10-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
No sábado, 28 de setembro, a vida me reservou uma surpresa que eu jamais poderia imaginar. Por volta das sete horas da noite, eu recebo um telefonema de um número confidencial, respondo com curiosidade, e do outro lado uma voz familiar se declarou: "Sou o Papa Francisco. Recebi o livro, a sua carta e gostaria de agradecer-lhe".
Surpresa e alegria acompanharam uma conversa com uma pessoa que eu sentia como amigo, nos fios de uma terra piemontesa que nos une, no afeto e na estima pela humanidade da Terra Madre, aquela rede de agricultores, pescadores, nômades e artesãos dos alimentos que, a cada dois anos, se reúne em Turim.
De fato, no dia 7 de setembro, dia da mobilização pacífica pela paz, tendo aderido ao jejum, eu pensei em enviar ao Papa Francisco o livro Terra Madre, com os rostos dos delegados, um artigo meu sobre a emigração piemontesa que apareceu no jornal La Repubblica nos dias da visita papal a Lampedusa e uma carta de apresentação minha. Tudo isso foi motivo do nosso extraordinário telefonema.
Nas palavras do papa, a recordação nítida da "pequena" história da sua família: "Os meus familiares se estabeleceram em Turim, vindo de Asti, abrindo um pequeno café em uma casa na esquina com a Via Garibaldi"; depois, a migração para a terra da Argentina: "Meu pai tinha que embarcar no Mafalda, depois, por causa de alguns erros, teve que adiar a partida em um ano". É um sinal do destino? O navio a vapor Principessa Mafalda dirigido a Buenos Aires afundou no dia 25 de outubro de 1927 ao longo da costa brasileira, e centenas de migrantes morreram entre as ondas do mar.
Falando, depois, sobre o mundo agrícola, Francisco quis enfatizar como as boas práticas das comunidades rurais são preciosas para o destino da Terra. Justamente sobre esse tema, o papa proferiu palavras fortes: "O trabalho dessas pessoas é útil e precioso", "acumular dinheiro não deve ser o objetivo principal", "minha avó me dizia que, quando se morre, a mortalha não tem bolso para colocar o dinheiro".
Nesses anos, ouvi muito falar do trabalho dos pequenos agricultores como prática virtuosa mas irrelevante para a economia; por outro lado, muitas personalidades do mundo expressaram solidariedade e compreensão pelo mundo dos humildes e pelo seu papel na defesa dos bens comuns do planeta.
A convicta proximidade a essas últimas teses da mais alta autoridade religiosa do catolicismo é extraordinária. O meu Ermanno Olmi me disse que "a primavera chegou". Edgar Morin defende que "tudo deve recomeçar e tudo já recomeçou". Na minha carta, eu abri o meu coração a esse homem ao contar a minha infância e adolescência na fé cristã, que me foi ensinada por uma avó que eu muito amei. Ela praticava a fé católica e, ao mesmo tempo, compartilhava o espírito libertário e socialista do seu marido. Ela superou com dignidade os tempos da condenação papal contra os comunistas, mantendo-se fiel a Jesus e ao seu marido desaparecido há muito tempo.
Desde os tempos da minha juventude, eu amadureci e mantenho um espírito agnóstico, mas a ausência de religiosidade não me impediu nesses anos de compartilhar experiências e batalhas civis com homens e mulheres de fé. Eu não tenho as capacidades ou os conhecimentos para iniciar um diálogo profundo e culto sobre os temas da fé, mas percebo que, se a humanidade quer sair do deserto de ideias que a circunda, as pessoas que sabem dialogar como o Papa Francisco são preciosas, e eu sinto a necessidade de testemunhar isso.
O instrumento que ele usa, o telefone, sem nenhuma mediação, é sinal de um modo franco e direto, em que os interlocutores são os mais variados, assim como são variadas as motivações e os assuntos; tem-se a impressão de falar com um amigo. É assim que se encerra a nossa conversa telefônica, com os votos de boa saúde e um abraço recíproco: um mundo onde se pode fraternalmente abraçar um papa é realmente um belo mundo.
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O meu telefonema com o papa. Artigo de Carlo Petrini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU