A CTNBio e o pé de feijão

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27 Abril 2013

 Em 2011 a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança liberou o uso comercial do feijão transgênico desenvolvido pela Embrapa. Diferentemente das plantas modificadas até então comercializadas, o novo feijão pretende regular a expressão de genes a partir da modificação de seu RNA visando controlar doença que afeta a plantação. Já o milho, a soja e o algodão transgênicos existentes no mercado tiveram seu DNA alterado em laboratório para produzir novas proteínas que tornam as plantas resistentes a herbicidas ou letais a insetos.

A reportagem é publicada pelo boletim da AS-PTA – Agricultura Familiar e Agroecologia, 26-04-2013.

As avaliações prévias de risco devem ser caso a caso, mas a difusa ideia de um suposto “histórico seguro de uso dos transgênicos” é arroz de festa nos pareceres técnicos que aprovam sua produção e comercialização. No caso do feijão, a ideia do histórico perde ainda mais aderência já que seu mecanismo de modificação genética é outro, buscando uma nova molécula de RNA e não uma nova proteína. Trata-se do RNA de fita dupla (double stranded RNA, ou dsRNA).

Isso é bastante diferente do processo mais comum, em que o DNA é modificado para que, no momento em que uma de suas sequências seja lida e copiada, seja originado um pedaço de RNA mensageiro (mRNA), que participará da formação da nova proteína.

Artigo recente publicado na conceituada revista científica Environment International traz uma revisão sobre o assunto reunindo evidências de que o dsRNA pode silenciar ou ativar genes, e que os genes silenciados podem ser transmitidos aos descendentes de organismos que consumirem ou mesmo inalarem dsRNA. Entre as pesquisas citadas está uma que identificou dsRNA de plantas na corrente sanguínea, sugerindo que o material sobrevive ao cozimento e à digestão. Já se identificou pelo menos um dsRNA de plantas que alterou a expressão de genes em ratos. Sabe-se também que esse material pode ter longa persistência no ambiente.

A partir de casos submetidos às autoridades de biossegurança na Austrália, Nova Zelândia e Brasil os autores do estudo concluíram que a segurança do dsRNA não foi avaliada, ou então que essas moléculas foram consideradas seguras a despeito da inexistência de evidências para tanto. No Brasil, o feijão foi o caso estudado. “Os três órgãos decidiram que não havia risco a ser considerado baseados em suas próprias alegações, incorretas e não comprovadas”, dizem os autores.

O RNA é parte inerente de todo organismo. Os potenciais efeitos adversos do dsRNA são determinados pela sequência de nucletídeos na molécula e não pela natureza química do RNA. Além disso, há diferenças entre a sequência das moléculas de dsRNA nas plantas transgênicas e naquelas encontradas na natureza, fato que torna sem fundamento alegar que todo o dsRNA é seguro.

Há muito ainda a ser investigado e entendido nesse campo, que começa agora a ser explorado em detalhe. Tanto é que os pesquisadores da Embrapa que desenvolveram o feijão transgênico assumem que “Ainda não foi determinado o motivo pelo qual essas duas estruturas em particular conferiram resistência ao vírus, [uma vez que] a estrutura dos transgenes demanda tempo e deve ser investigada”. Ou seja, na dúvida, a CTNBio achou melhor aceitar as incertezas e liberar.

O presidente da Comissão produziu uma resposta aos autores do artigo na Environmental International, na qual descreve uma cadeia de procedimentos usados para análise de risco de um organismo transgênico. A fonte citada não é uma normativa da CTNBio, mas livro publicado pelo International Life Sciente InstituteILSI, uma entidade financiada por empresas como Monsanto, Syngenta etc. - as mesmas que estão entre os patrocinadores de congresso de biossegurança divulgado pela CTNBio em sua página eletrônica.

O pesquisador responsável pelo feijão subiu o tom e disse que a brasileira co-autora das críticas deveria “responder em juízo algumas coisas que estão escritas no artigo”.

Um outro integrante da mesma CTNBio viu nas críticas ao processo de liberação do feijão o dedo de “profetas da catástrofe e arautos do medo [seguidores de uma] tendência que em nossos dias se ancora em pseudo-ciência com a ajuda providencial de uma distorção do que é risco baseada no recém-inventado ‘princípio da precaução’ em interpretação extrema”. Nada muito distante dos argumentos que se ouve na comissão e que guiam os votos que aprovam as liberações de transgênicos.

Diante de casos de decisões que se basearam a priori em pressupostos que dispensaram a avaliação do risco das novas moléculas ao invés de requerer evidências experimentais da ausência de efeitos adversos, os autores - uma brasileira, uma australiana e um neozelandês - propõem um procedimento para a adequada avaliação da segurança de organismos transgênicos que produzem dsRNA antes que estes sejam liberados para produção comercial e comercialização. Proposta razoável fossem as decisões nacionais baseadas em conhecimento técnico e biossegurança.

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