25 Março 2013
Desde o momento de sua eleição em 13 de março, o Papa Francisco tem sido acolhido calorosamente por seu próprio rebanho e até pela mídia e pelo público mais amplo de uma forma em que seu livresco predecessor, Bento XVI, não o foi.
A reportagem é de David Gibson e publicada pelo Religious News Service, 23-03-2013. A tradução é de Luís Marcos Sander.
Pesquisas de opinião mostram que entre 77 e 88% dos católicos americanos dizem que estão contentes com a eleição de Francisco, em contraposição a 60% que ficaram contentes com a escolha de Bento XVI – e muitos desses estão extremamente satisfeitos com o novo papa.
Boas-vindas tão efusivas são uma boa notícia para líderes católicos que passaram anos se defendendo de críticas a respeito da disfunção do Vaticano sob Bento XVI e de uma nuvem de escândalos e crises em seus países. E o bom início para Francisco também é crucial para formar uma reserva de boa vontade que será necessária quando o novo papa se recusar a dobrar-se em relação a ensinamentos impopulares ou cometer, ele mesmo, uma gafe.
Entretanto, enquanto o ex-Cardeal Jorge Bergoglio desfruta dessa ampla aprovação como Papa Francisco, alguns grupos da Igreja Católica estão cautelosos ou até zangados com sua eleição, e a preocupação deles só fez aumentar nesses primeiros dias de seu pontificado.
“Algo está muito errado”
Os principais entre os críticos são os tradicionalistas litúrgicos que se deleitavam com a exaltação dos costumes antigos por parte de Bento XVI e agora estão assistindo horrorizados à maneira como Francisco rejeita as vestes extravagantes e rituais esmerados que estiveram em voga durante os últimos oito anos.
“Dentre todos os candidatos inconcebíveis, Jorge Mario Bergoglio talvez seja o pior”, escreveu um católico argentino num post para o Rorate Coeli, um blog para aficionados dos antigos ritos latinos da missa. “Isso realmente não pode ser o que o Papa Bento queria para a igreja.”
“Algo está muito errado quando os ventos da mudança podem soprar tão rapidamente por uma instituição imutável criada pelo próprio Deus”, concordou Patrick Archbold no Creative Minority Report, outro site conservador.
Tendo em vista que os tradicionalistas são alguns dos mais devotados e ruidosos católicos na igreja e continuam tendo contatos e influência nos escalões superiores da hierarquia, o pessimismo deles poderia prenunciar dificuldades para Francisco.
“Um problema com o Papa Francisco”
O mesmo poderia ser dito a respeito dos católicos politicamente conservadores, especialmente dos Estados Unidos, que desfrutaram de acesso e aprovação em Roma durante décadas tanto sob Bento XVI quanto sob o falecido João Paulo II.
As preocupações deles, embora expressas em tons menos elevados, estão vinculadas a uma série de sinais: primeiramente, Francisco é jesuíta, e, embora seja considerado um membro relativamente conservador da Companhia de Jesus, os jesuítas têm má reputação entre a direita católica.
A lista de supostas falhas dos jesuítas é longa – eles defendem o envolvimento com o mundo, têm se mostrado dispostos a criticar a hierarquia e assumiram um compromisso radical com os pobres. Este último é uma prioridade para Francisco, pois ele criticou fortemente o capitalismo sem freios e a política de austeridade, chegando até a adotar o nome de São Francisco de Assis, o santo padroeiro dos pobres.
De fato, o novo papa “provavelmente seria considerado liberal demais para fazer um dos principais discursos na convenção (do Partido Democrático) de 2016”, escreveu Charles Camosy, teólogo da Fordham University de Nova Iorque, numa coluna do Washington Post intitulada “Os republicanos têm um problema com o Papa Francisco”.
São Francisco também é um ícone do ecologismo, que o novo papa assumiu de modo semelhante. Isso frustra alguns conservadores, assim como o faz o elogio de Francisco expresso por teólogos da libertação como Leonardo Boff e Jon Sobrino. Já correm rumores de que Francisco poderia beatificar o arcebispo salvadorenho Oscar Romero, que foi assassinado por um esquadrão da morte de direita por se manifestar contra a injustiça.
Além disso, Francisco permitiu que o vice-presidente Joe Biden e a ex-presidente da Câmara de Representantes Nancy Pelosi, ambos democratas que apoiam direitos ao aborto, recebessem a comunhão em sua missa de instalação.
Embora Francisco seja tão ortodoxo quanto Bento XVI em relação às doutrinas da igreja sobre a ética sexual, tem mostrado o que, para alguns, é uma disposição desconcertante de buscar soluções pragmáticas para problemas difíceis, por exemplo, quando defendeu a união estável para casais de gays na Argentina num lance malogrado de impedir uma lei que permitisse o casamento gay.
Ceticismo entre a esquerda
Na outra extremidade do espectro, entretanto, alguns católicos de esquerda estão desconfiados de Francisco ou o criticam abertamente por aquilo que consideram seu antagonismo aos direitos dos gays. Eles também questionam o histórico dele na questão dos abusos sexuais cometidos por clérigos e seu papel controvertido durante a “Guerra Suja” na Argentina na década de 1970, quando alguns dizem que ele não foi suficientemente explícito em sua crítica à junta militar.
“A eleição de um papa doutrinalmente conservador, mesmo de um papa com a atraente simplicidade de seu homônimo, é especialmente perigosa no mundo de hoje saturado pela mídia onde a imagem muitas vezes supera a substância”, escreveu a teóloga feminista Mary Hunt em Religion Dispatches.
“Um papa mais amável, gentil que coloca o peso da Igreja Católica Romana hierárquica atrás de esforços para impedir o divórcio, o aborto, a contracepção, o casamento entre pessoas do mesmo sexo – como o Bergoglio fez no país dele – é ... assustador”, disse Hunt.
Em contraposição a isso, os católicos da corrente principal, e democratas católicos em particular, receberam bem a eleição de Francisco não só pelo apelo de seu comportamento comum, mas também porque suas afirmações em favor dos pobres podem conter uma chance de criar condições equitativas de atuação nas guerras culturais internas da igreja.
As palavras do novo papa sobre o combate à exploração econômica e em favor de “ser uma igreja pobre, para os pobres” são tão insistentes que poderiam colocar os ensinamentos da igreja sobre a justiça social de novo no mesmo nível de suas doutrinas sobre o aborto e a ética sexual, que foram tão proeminentes durante tanto tempo que algumas pessoas se queixam de que elas adquiriram mais peso do que quaisquer outros princípios.
Ainda assim, mesmo os progressistas católicos poderiam acabar ficando desapontados à medida que Francisco começar a revelar suas nomeações e políticas, assim como os tradicionalistas e conservadores poderiam se alegrar ou ao menos ficar confiantes de que nem tudo está perdido.
Como diz o Pe. James Keenan, teólogo do Boston College, os jesuítas têm uma lei não escrita de que um novo superior deveria passar os primeiros cem dias em seu cargo aprendendo a respeito da comunidade antes de fazer quaisquer mudanças. Isso quer dizer que os críticos têm de se manifestar agora, porque o relógio está correndo.
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Quanto vai durar a lua de mel em torno do Papa Francisco? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU