Mineração em terra indígena pode ser aprovada em 2013

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Por: Cesar Sanson | 22 Fevereiro 2013

O Projeto de Lei 1610, de 1996, de autoria do senador Romero Jucá (PMDB-RR), está em discussão há quase duas décadas na Câmara dos Deputados e prevê regulamentar a mineração em terras indígenas. Deve ser votado no segundo semestre de 2013. Entretanto, os indígenas podem ter pouca voz no resultado final. O deputado Padre Ton (PT-RO) é o presidente da Comissão Especial criada para analisar o 1610. Segundo ele, "a maioria dos deputados da Comissão está comprometida com o setor da mineração. Dos mais de 20 deputados na Comissão Especial, apenas 4 ou 5 efetivamente trabalham para que a máxima participação dos índios seja contemplada".

A reportagem é de Chris Kokubo e publicada pelo sítio O Eco, 22-02-2013.

Próximo à cidade de Cacoal, na fronteira entre Rondônia e Mato Grosso, há um pedaço verde perdido no mapa, delimitado por quadrados desflorestados de cor cinza e marrom. A mancha isolada de floresta preservada é o Território Indígena 7 de setembro, morada dos Paiter Suruí. Debaixo dela, o Departamento Nacional de Produção Mineral mapeou a existência de ouro, estanho, diamante, níquel, granito, manganês e terras raras. O Departamento, conhecido pela sigla DNPM, pertence ao Ministério de Minas e Energia e é o responsável por conceder permissão de mineração no Brasil.

A área verde cercada por desmatamento é a Terra Indígena 7 de Setembro, onde vivem os Paiter Suruí. Fonte: Google Earth

Por enquanto, os Paiter Suruí não têm nada a temer, pois são escassas as chances de se obter permissão para minerar legalmente em terras indígenas. Márcio Santilli, sócio-fundador do Instituto Socioambiental (ISA), explica que “a Constituição permite ao Congresso conceder permissão para pesquisa e exploração da lavra mineral em territórios indígenas”. Ele diz que, no entanto, atualmente não existe atividade de mineração legal nesse tipo de terra. E, segundo o DNPM, o que há são pedidos de autorização de pesquisa.

Mas isso pode mudar, e em breve, se o Projeto de Lei 1610, de 1996, for aprovado. De autoria do senador Romero Jucá (PMDB-Roraima), o PL 1610 está em discussão há quase duas décadas na Câmara dos Deputados e prevê regulamentar a mineração em terras indígenas. Deve ser votado no segundo semestre de 2013.

Além do PL da Mineração, como vem sendo chamado o 1610, tramita outro Projeto de Lei, o da criação do Estatuto dos Povos Indígenas (2057/91). “O PL do Estatuto traz um capítulo de 14 páginas sobre mineração, discutido por três anos entre as lideranças que compõem a Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI)”, diz a assessoria de imprensa da Funai. Os povos indígenas e a Funai querem que a decisão sobre a extração dos recursos em terras indígenas seja dos próprios nativos.

Entretanto, os indígenas podem ter pouca voz no resultado final. O deputado Padre Ton (PT-Rondônia) é o presidente da Comissão Especial criada para analisar o 1610. Segundo ele, “a maioria dos deputados da Comissão está comprometida com o setor da mineração. Dos mais de 20 deputados na Comissão Especial, apenas 4 ou 5 efetivamente trabalham para que a máxima participação dos índios seja contemplada”.

Sob pressão

O governo tem interesse que o PL 1610 tenha um desfecho ainda este ano. “Existe o mito da mineração estar sendo realizada por grandes empresas em território indígena no Brasil. O que há são requerimentos para pesquisa. No entanto, se bem feita, [a mineração] poderia ser uma fonte de recurso para os indígenas. É possível tratar resíduos e atenuar muito o impacto”, afirma Arnaldo Carneiro Filho, diretor de Gestão Territorial da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República.

Santilli, do ISA, explica que há mineração em áreas contíguas a territórios indígenas: “Carajás, concessão da Vale, é vizinha dos Xicrin do Cateté, e é sabido que a empresa tem solicitação junto ao DNPM sobre a terra deles. Mas uma coisa é a exploração mineral em si e outra é o título minerário, que aumenta o valor da empresa e não significa que haja exploração efetiva, apenas o interesse declarado”.

Ele esclarece que o interesse minerário em territórios indígenas na Amazônia brasileira se manifesta por solicitações de pesquisa, não exploração em si: “Pode haver alguma autorização de pesquisa, ou até de concessão de lavra ainda inativa, em casos em que houve definição de limites de TI após a concessão do direito minerário”.

Procurada para comentar o PL 1610, a Vale enviou por sua assessoria de imprensa o seguinte comentário: “A Vale não opera em terras indígenas, mas há povos tradicionais na área de influência de suas operações. No relacionamento com estas comunidades, busca estabelecer uma relação construtiva, de benefícios mútuos, respeito à diversidade cultural e aos direitos destas populações”.

Na página do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) na internet, estão disponíveis para consulta os 20 tipos de requerimentos possíveis junto ao órgão, entre eles o de autorização de pesquisa, o de registro de licença, o de lavra garimpeira e o de registro de extração, cada um com pré-requisitos e tempos de processamento específicos.

O atlas “Amazônia sob Pressão”, documento produzido sob a coordenação do ISA e divulgado no final de 2012, faz uma detalhada análise das ameaças atuais à Pan-Amazônia, e afirma que “entre todas as zonas de interesse minerário que estão em fase de solicitação em territórios indígenas amazônicos, 88% (ou 348.992 km²) estão concentradas no Brasil”. Segundo a publicação, há 348.992 km² em solicitação para mineração; 16.932 km² em pesquisa; e 24.164 km² em exploração.

Nos territórios indígenas dos 8 países amazônicos e da Guiana Francesa, as áreas de interesse minerário espalham-se por 407.320 km², ou 19% da superfície total de territórios indígenas na Amazônia , o que ultrapassa a soma dos territórios da Alemanha e Holanda.

Nova febre do ouro

Nos últimos 20 anos, ainda segundo o atlas, Áreas Naturais Protegidas (ANP) e Territórios Indígenas (TI) da Amazônia vêm sofrendo pressão com o aumento da mineração de ouro em pequena escala e ilegal, realizada nas margens ou leito dos rios. “O garimpo ilegal de ouro é responsável por um terço da contaminação mundial por mercúrio e estima-se que mais de 100 toneladas do produto sejam utilizados a cada ano na Amazônia. O preço do ouro subiu 500% nos últimos 10 anos e a febre se baseia em um modelo extrativista semi-mecanizado, que causa sedimentação dos rios, perda da biodiversidade nos ecossistemas aquáticos, alteração do solo e destruição da floresta”, informa o documento.

Beto Ricardo, também sócio-fundador do ISA e coordenador geral do atlas, afirma que "o garimpo ilegal avança e, além de contaminar ecossistemas por inteiro, gera violência e efeitos colaterais graves. O território Yanomami encontra-se numa região de floresta e montanha e foi palco de invasão massiva oriunda de Roraima na segunda metade da década de 1980, que resultou na morte de 15% dos índios Yanomami no Brasil.”

Ricardo diz que 37% das Áreas Nacionais Protegidas de 7 países sofrem impactos da mineração ilegal. A região de Madre de Dios, no Peru, Guiana, Guiana Francesa, Suriname e o território Yanomami há anos são os mais atingidos pela extração ilegal dos minérios.

“Há muitos conflitos vinculados à mineração no Peru. Recentemente, decidiu-se adotar o Convênio 169 da Organização Internacional do Trabalho, que torna obrigatório o consentimento dos povos indígenas para qualquer exploração de mina ou poço petrolífero. No entanto, os resultados serão somente sentidos em alguns anos”, afirma Nadia Regalado, advogada que trabalha com questões de mineração no Peru.

PL 1610/96

Depois que o texto for texto finalizado pelo relator, deputado Édio Lopes (PMDB-Roraima), o PL não irá a plenário para votação, mas será encaminhado direto para o Senado, que deve analisá-lo no segundo semestre. "Há interesse de muitos que isso seja resolvido este ano”, diz Padre Ton.

“O importante é ouvir as comunidades indígenas e garantir que tenham acesso a todas as informações. A tutela pode ser tão prejudicial quanto a exploração mineral em si”, diz Reinaldo Bulgarelli, consultor e coordenador do curso de Sustentabilidade e Responsabilidade Social Empresarial da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo. Por seis anos, Bulgarelli representou a Unicef em projetos ligados a tribos indígenas na Amazônia. Sobre mineração sustentável, tem ressalvas: “Há avanços e empresas sérias envolvidas, mas sempre será uma atividade de impacto negativo, mesmo que atenuado”.

Santilli concorda: “Por se tratar da exploração de um bem não-renovável, não é tão sustentável assim. Mas os impactos variam a cada caso. A gestão de royalties também deve ser considerada, já que na eventualidade de uma regulamentação, uma quantidade súbita de dinheiro entrará na realidade diária dos índios. Toda hipótese instaura um mundo novo”.

“Se bem conduzido, pode ser um processo de ganha-ganha. Existe o interesse do governo de rever as concessões, de regulamentar o que seja viável e benéfico para os indígenas e para as mineradoras”, afirma Arnaldo Carneiro Filho, da Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência.
O atlas conclui o capítulo sobre a ameaça da mineração alegando que “grande parte dos interesses estão concentrados na periferia da Amazônia, comprometendo sensivelmente as Áreas Naturais Protegidas e os Territórios Indígenas.

O Território Indígena 7 de Setembro, por exemplo, foi invadido por garimpeiros em busca de ouro em 1998. “Como eles não encontraram grande quantidade, desistiram. É uma questão que nos preocupa, pois pode trazer conflito, impactos sociais e ambientais para a nossa terra”, diz Almir Suruí, líder dos Paiter Suruí.

Almir é citado pela imprensa por ter feito parceria com o Google para o monitoramento das terras Suruí. Acostumado a comercialização de créditos de carbono, ele comenta no seu idioma materno a regulamentação da mineração em terras indígenas: “Ixakabigue dana toya õme same e”, ou “A mineração é uma grande ameaça para todos nós”.

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