Bento XVI: constatação de fracasso? Artigo de Jacques Noyer, bispo

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22 Fevereiro 2013

Embora admirando o gesto de renúncia de Bento XVI, Jacques Noyer, bispo emérito de Amiens, na França, apresenta um primeiro balanço do pontificado que chega ao fim.

Segundo ele, "quando ele foi eleito papa, não lhe deixaram escolha: ele devia continuar a obra do seu antecessor e se esforçou para encontrar o seu estilo próprio. Ao contrário, hoje, ele pede para que se tentem outras coisas. Podemos esperar que uma figura nova defina uma estratégia nova".

O artigo foi publicado no sítio da revista Témoignage Chrétien, 19-02-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Certamente, há o corpo que não responde mais, o cansaço que paralisa, a velhice que ameaça... Mas me parece que não fazer injúrias contra Bento XVI dar um espaço ao sentimento de fracasso pessoal que ele pode ter sentido. Mesmo sem ser do seu círculo mais próximo, posso imaginar que o seu gesto de renúncia se explica, ao menos em parte, pela consciência da inutilidade da sua política pessoal.

Por exemplo, sabemos que, depois do início do seu pontificado, ele quis reconciliar a nebulosa tradicionalista, cujo afastamento lhe era penoso. Ele multiplicou as iniciativas. Fez concessões. Ofereceu privilégios a quem voltava ao rebanho. Ultimamente ainda, relançou o diálogo que parecia em um impasse. E nada!

Deve ter sido difícil de se conviver com essa impressão de ter entrado em uma negociação impossível. Ele cedeu em algumas posições e encorajou o adversário. Ele já deu muito e deve dar ainda mais. No fim, deveria dar tudo e renunciar ao Concílio. Como sair desse impasse?

Ele se sentiu no dever de esclarecer os obscuros tráficos das finanças vaticanas. Encarregou homens de confiança para modificar os hábitos e obter a transparência necessária. A resistência dos homens do segredo foi tão grande que ele não obteve nada. As intrigas palacianas chegaram até os seus aposentos privados. Sozinho e impotente, ele não podia evitar que os bancos internacionais se recusassem a trabalhar em confiança com o Vaticano e o tratassem como um obscuro refúgio de fraudadores. João Paulo II havia renunciado a reformar a Cúria. Bento XVI, nessa tentativa, encontrou um osso duro demais para roer.

Ele corajosamente quis enfrentar a chaga há muito tempo escondida que é a pedofilia . Ele acreditou, fazendo que tudo remontasse a Roma, que podia resolver a questão dentro da Igreja, como cabe a uma "sociedade perfeita". Infelizmente, ele logo constatou que era justamente esse princípio que causava escândalo. Ele foi obrigado a renunciar a ele e teve que pedir que os bispos entregassem os criminosos às autoridades locais.

Seus antecessores haviam perdido os Estados pontifícios, tiveram que aceitar a separação da Igreja dos Estados laicos. A ele, coube renunciar ao mito da Sociedade Perfeita, isto é, de uma Igreja que escapa do poder das nações onde está implantada.

Também se pode imaginar a humilhação que ele deve ter sentido quando certas frases incautas como intelectual provocaram agitações tão trágicas quanto as reações dos povos muçulmanos às declarações de Regensburg: o professor universitário havia esquecido que era papa! E ei-lo forçado a ir rezar na Mesquita Azul, em Istambul, seguramente mais distante do que imaginava.

Ele teve que entrar na dinâmica do movimento ecumênico, nas boas relações com o judaísmo, nas orações de Assis. Sentiu-se prudente, hesitante. Sofreu os acontecimentos. Ele não os dirigia mais. Quanto um passo podia parecer como uma vitória, ele o viveu como uma derrota.

É mais difícil imaginar o que ele sentiu na defesa de uma doutrina eterna jogada no turbilhão da modernidade. Em tal combate, todo sucesso é provisório, e inúmeros são os fracassos. Ele teve que defender o dogma contra as críticas do espírito moderno. Teve que defender a moral natural dentro de uma evolução dos costumes sem precedentes. Teve que defender tradições antigas que se tornaram obsoletas aos olhos das pessoas de hoje.

Um combatente como João Paulo II sentia prazer em guerrear e nunca se declarava derrotado. A fineza da inteligência de Bento XVI, nessas circunstâncias, é uma fraqueza. As objeções dos adversários, sem dúvida, lhe atingem mais do que outros militantes blindados de certezas. A fé que o habita não suprime o peso da Razão.

Coirmãos bispos me diziam que sofrimento haviam lido no seu rosto quando haviam evocado diante dele alguns impasses pastorais a que certas regras canônicas os constrangiam. Com a cabeça entre as mãos, ele sofria por não poder dar respostas. Cabe a vocês, in loco – lhes dizia –, encontrar um caminho pelo qual a observância da lei não impeça o anúncio do evangelho.

Os bispos ficaram tocados por um papa tão frágil quanto eles diante das contradições da sua pastoral. Quem sabe em quais insônias se terá prolongado, na pessoa do papa, essa necessidade de coerência?

Esses fracassos poderiam ter levado algumas almas menos santas ao desencorajamento total, a uma passividade resignada. Bento XVI viu neles a oportunidade para um sobressalto de esperança: reconheceu o seu fracasso. Ele sabe que está velho demais para recomeçar de outro jeito. Ele dá lugar a algum outro. Se estivesse certo dos combates travados, teria preparado um sucessor. Ele sente, ao contrário, a meu ver, no segredo do seu coração, que um papa novo deverá proceder de modo diferente.

Quando ele foi eleito papa, não lhe deixaram escolha: ele devia continuar a obra do seu antecessor e se esforçou para encontrar o seu estilo próprio. Ao contrário, hoje, ele pede para que se tentem outras coisas.

Podemos esperar que uma figura nova defina uma estratégia nova. Podemos esperar um papa que tenha qualidades diferentes. Acima de tudo, podemos esperar um papa que faça circular a palavra naquele grande corpo que é a Igreja e que, para isso, descentralize as decisões, que dê confiança ao Povo de Deus, em vez de ser o seu Guardião, que tente o novo onde o antigo está morto.

Essa humildade certamente é um ato de esperança: um outro fará melhor do que eu, proclama ele. Eu rezo para que ele não seja esmagado por aquilo que ele chama de seus defeitos. A esperança não o abandonará.

Ninguém pensa hoje em repreendê-lo por ter feito o que ele considerou bom fazer. Só se pode admirar que ele tenha ousado abrir a porta às iniciativas de um desconhecido que o Espírito Santo e os cardeais do mundo inteiro já estão nos preparando.

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