O fim da era constantiniana

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23 Janeiro 2013

Retorno ou superação da era constantiniana? Os 1.300 anos do Édito de Constantino repropõem uma reflexão que se refere à relação da Igreja Católica com o Estado e a liberdade religiosa. Falou-se muito a respeito disso a propósito do recente discurso de Santo Ambrósio do arcebispo de Milão, Scola.

Vale a pena retomar o que, em 1953, escrevia o teólogo dominicano Marie-Dominique Chenu.

O texto foi publicado no blog Sperare per Tutti, 19-01-2013. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

A era constantiniana: o que é? Manifestamente, um tempo da Igreja, inaugurado por um certo Constantino, imperador de Roma, no início do século IV. No entanto, não está em questão aqui a sua pessoa e o seu papel, que foi considerável para os cristãos do seu tempo, mas sim a situação permanente que as suas iniciativas determinaram.

De início, portanto, a sua conversão, quaisquer que tenham sido os seus motivos interiores sobre os quais discutem os historiadores, certamente foi um ato de importância capital, um grande acontecimento: o fim das perseguições, a estabilidade institucional da Igreja, o crédito concedido aos fiéis, foram as suas consequências imediatas. Mas seria mais do que um evento: o fato se transformou em algo ideal, suscitando um dinamismo coletivo no serviço das esperanças terrenas do Reino de Deus, penetrando em toda parte, discreta ou indiscretamente, com uma influência anônima sobre o caminho da sociedade.

Portanto, quando se fala de uma "era constantiniana", não se quer indicar um período histórico determinado, como se falaria do período da monarquia capetiana ou da dinastia dos Bourbons. Trata-se de um tempo em que, sob a influência original dos atos de Constantino, se desenvolveu e depois se fixou durante séculos, um complexo mental e institucional nas estruturas, nos comportamentos e até na espiritualidade da Igreja, e isso não apenas de fato, mas também no plano ideal. Assim, somos transportados através de mais séculos, durante os quais esse mito resiste muito além do período constantiniano e além do Império Romano.

É muito significativo que esse mesmo vocábulo do Império Romano tenha ultrapassado, histórica e geograficamente, o tempo e o espaço do império mediterrâneo da Antiguidade: o Sacro Império Romano Germânico (os três epítetos expressam plenamente o emaranhado sociológico que determina o seu conteúdo) depois de ter dominado toda a Idade Média, prolongou as suas formas, a sua ideologia muito além da sua vida real, até Metternich, que o queria restaurar, e até Francisco José II, durante uma guerra (1914-1918) que o cancelou definitivamente, para o desespero de alguns grandes clérigos.

Para além desse quadro, embora ainda homogêneo, a era constantiniana incliu no seu mito o longo período europeu do feudalismo, que fixava, em uma sociedade econômica e política diversa, as aquisições institucionais, mentais, devocionais e cultuais da cristandade, sobretudo segundo um certo tipo de monaquismo. Por outro lado, isso não aconteceu sem contestações, e foi então que o crédito eclesiástico de Constantino já foi posto em discussão.

Com o Antigo Regime na França e na Europa, cujas coordenadas religiosas são estabelecidas pelo Renascimento e pela Reforma, o capital constantiniano permanece, nos seus valores e no seu peso, e também a Contrarreforma do Concílio de Trento, assim como o ideal do Renascimento, endurecem os seus contornos em uma construção jurídica mais defensiva do que criativa.

Tudo isso nos leva, através da Revolução e em meio às revoluções do século XIX, à sociedade burguesa que, embora com a incredulidade voltaireana e em um mundo liberal, apoiava o seu conservadorismo na permanência da herança constantiniana da cristandade.

Em suma, apesar das diversas características, no tempo e no espaço, dessas culturas, apesar das várias rupturas violentas, podemos reconhecer um certo denominador comum em uma zona chamada por comodidade de Ocidente. Um tempo sociológico, portanto, e não unicamente cronológico.

Estaríamos agora, talvez, no fim desse tempo, certamente não de repente, mas sim por uma lenta mutação cultural, política e religiosa, que chegaria hoje ao momento decisivo?

Pronunciar-se sobre esse ponto é algo sério, na medida em que reconhecemos a continuidade humanas e cristã, as tradições da chamada era constantiniana: comportamentos sociológicos novamente postos em discussão, ruptura dos condicionamentos dos cristãos, deslocamento mais ou menos difícil dos problemas, acesso a novos valores para a consciência humana e, portanto, para a consciência cristã. Não se trata de verdades de fé, de dogmas, nem mesmo de doutrina em geral, mas sim, para uma maior profundidade psicológica, da inserção da Igreja em um mundo decisivamente novo, em outra cultura.

Se é verdade que o cristianismo comporta, na própria trama do seu tecido, o compromisso no mundo, e se esse compromisso não é algo marginal, mas sim a própria lei da sua encarnação e a condição da sua existência, é em um mundo ainda não batizado e que apresenta objeções imprevistas ao batismo que se coloca o problema da cristandade atual: o próprio problema do Concílio: a era constantiniana talvez não chegou ao fim?

A Reforma, com o Concílio de Trento que a enfrentou, o Renascimento com a sua cultura clássica, a Revolução poderiam ser apenas episódios – episódios dos tempos modernos, como se diz – diante da mutação muito mais profunda, que se prepara, mutação de dimensões cósmicas de uma nova civilização, que não mede mais os seus investimentos sobre o capital do Ocidente, nem sobre o metro dos seus renascimentos.

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