Em pleno século XXI, as mulheres solteiras ainda sofrem preconceitos na China

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23 Outubro 2012

As manchetes gritam como tabloides sensacionalistas: “Superando os quatro grandes bloqueios emocionais: as mulheres-sobra podem fugir da solteirice”. “Oito passos simples para escapar da armadilha das mulheres-sobra”. E a minha favorita: “Será que as mulheres-sobra de fato merecem nossa simpatia?”

Estes tópicos chamativos não aparecem nas revistas de fofocas nos caixas dos supermercados. São artigos sobre mulheres solteiras, profissionais publicados no site da agência estatal feminista da China, a Federação das Mulheres de Toda China. O Partido Comunista fundou a Federação das Mulheres em 1949 para “proteger os direitos e interesses das mulheres”.

A reportagem é de Leta Hong Fincher, publicada no jornal Herald Tribune e reproduzida pelo Portal Uol, 21-10-2012.

Em 2007, a Federação das Mulheres definiu as mulheres “sobra” (sheng nu) como as mulheres solteiras com idade superior a 27 anos e o Ministério da Educação da China acrescentou o termo ao seu léxico oficial. Desde então, o site da Federação das Mulheres publica matérias estigmatizando as mulheres com boa escolaridade que permanecem solteiras.

Veja esta coluna edificante de março de 2011, que foi publicada logo após o Dia Internacional da Mulher: “Meninas bonitas não precisam de muita educação para se casar com alguém de uma família rica e poderosa, mas as meninas com aparência média ou as feias terão dificuldades. Esse tipo de garotas esperam continuar a sua educação a fim de aumentar sua competitividade. A tragédia é que, elas não percebem que as mulheres valem cada vez menos à medida que envelhecem, então quando chegam a concluir seu mestrado ou doutorado, elas já estão velhas, como pérolas amareladas.”

Depois de oferecer um pouco de bom senso para as mulheres equivocadas que buscam uma educação superior, a coluna acusa as mulheres solteiras instruídas de dormir por aí e ter uma ética degenerada: “Muitas mulheres-sobra com boa escolaridade tem um pensamento progressistas e gostam de ir para clubes noturnos para buscar homens para ficar por uma noite, ou se tornam amantes de algum homem rico ou alto oficial. Só quando elas já perderam a juventude e foram chutadas pelo homem é que decidem procurar um parceiro de vida. Portanto, 'as mulheres-sobra' não merecem nossa simpatia.”

Que bom que isso ficou esclarecido. Agora, por que agência estatal feminista da China faz uma campanha de terror contra as mulheres solteiras e bem instruídas?

Curiosa, procurei o site da Federação das Mulheres e descobri que ele publicou seu primeiro artigo sobre as 'mulheres-sobra' em 2007, pouco tempo depois que o Conselho Estatal da China emitiu um édito para fortalecer o programa de População e Planejamento Familiar para lidar com “pressões sem precedentes sobre a população”. Essas pressões incluem o desequilíbrio da proporção entre os sexos – que “provoca uma ameaça à estabilidade social” – e a “baixa qualidade da população em geral, o que torna difícil satisfazer as exigências de uma concorrência feroz pela força nacional”, de acordo com o Conselho de Estado. O Conselho de Estado afirma que a “melhorar a qualidade da população (suzhi)” é um de seus objetivos principais, e nomeou a Federação das Mulheres como uma das principais implementadoras de sua política de planejamento populacional.

Existe um jeito melhor para incrementar a qualidade da população do que assustar as mulheres de “alta qualidade” para que elas se casem e tenham um filho pelo bem da nação?

Os artigos da Federação das Mulheres sobre as “sheng nu” têm todos o mesmo objetivo: convencer as mulheres solteiras e instruídas a pararem de ser tão ambiciosas e se casarem logo:

“A principal razão pela qual muitas meninas se tornam 'mulheres-sobra' é que seus padrões para um parceiro são muito altos (…) Se as garotas não forem muito exigentes, encontrar um parceiro deve ser tão fácil quanto soprar uma partícula de poeira.”

Algumas das colunas foram republicados diversas vezes ao longo dos anos e listam dicas úteis, como “seduzir, mas não incomodar” e “ser persistente, mas não obstinada”:

“Quando estiver esperando por um homem, se você diz que ele precisa ser rico e brilhante, romântico e trabalhador (…) isso é simplesmente ser obstinada. Será que esse tipo de homem perfeito existe? Talvez ele exista, mas porque ele se casaria com você?”

Desde 2008, as comissões de planejamento populacional de cidades como Nanjing e Ningbo realizaram “intervenções” para lidar com a “crise das mulheres-sobra”. Filiais locais da Federação das Mulheres organizaram eventos para encontrar parceiros para mulheres “com boa escolaridade e de alta qualidade”. Em março deste ano, houve um incentivo em Pinghu, na província de Zhejiang, para que as “mulheres-sobra encontrassem rapidamente a felicidade conjugal.”

E uma vez que a “mulher-sobra” encontra a felicidade conjugal, o que ela deve fazer se seu marido tem um caso extraconjugal? A Federação das Mulheres oferece uma saída, com a manchete: “Diante de uma crise conjugal, as mulheres precisam melhorar a si mesmas”.

“Quando você descobrir que ele está tendo um caso, você pode estar com uma raiva gigantesca, mas deve saber que se fizer um escândalo, está negando o “valor” do homem (…) Nenhum homem é capaz de passar uma vida inteira sendo fiel a uma mulher ultrapassada, que nunca muda (…) Tente mudar o seu corte de cabelo ou o seu estilo de vestir. As mulheres devem sempre mudar para melhor.”

Resumindo, a culpa é da mulher por se se recusar a casar, e uma vez que casa, é culpa dela se o marido tem um caso. É claro.

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