Mudou o tripé da política econômica?

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26 Setembro 2012

No dia 30 de agosto, ao explicar os parâmetros utilizados na elaboração da proposta de Lei Orçamentária Anual, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, destacou que estimar 4,5% para o crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) de 2013 não era uma previsão, e sim uma meta a ser perseguida. Mesmo diante dessa "confissão", oito economistas que compõem a rede de consulta do projeto de coleta de indicadores do Valor Data não consideram que o governo tenha adotado uma meta implícita, ou mesmo explícita, de crescimento para o país.

A reportagem é de Denise Neumann, Francine De Lorenzo e Tainara Machado e publicada no jornal Valor, 25-09-2012.

Esse consenso desaparece quando os mesmos economistas foram convocados a opinar sobre a mudança ou não do tripé macroeconômico adotado ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB), composto por metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário. Para parte dos economistas (a minoria), esse tripé mudou, seja porque o Banco Central não persegue mais o centro da meta definido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), seja porque o câmbio deixou de ser flutuante.

A maioria dos economistas, contudo, não sanciona a tese da mudança. Para o grupo majoritário, o mix da política econômica foi "aprimorado", "adaptado às novas realidades mundiais", ou está sob uma "condução menos rigorosa". Para esse grupo, a essência continua a mesma.

Dentro do projeto de coleta de projeções dos principais indicadores econômicos do país, o Valor Data começa a fazer, de tempos em tempos, consultas mais "qualitativas" junto às consultorias e departamentos econômicos de instituições financeiras participantes.

Para essa rodada "qualitativa", o Valor Data apresentou três questões aos participantes. O objetivo central das perguntas era entender se os economistas avaliam que há mudança no tripé que tem norteado a condução da política econômica brasileira há mais de uma década, e se o governo passou a mirar uma meta implícita de crescimento. Em resumo, os economistas não consideram que o governo passou a perseguir uma taxa específica de crescimento, a maioria acha que o tripé se manteve, mas a condução é hoje "diferente". Para a maioria, também, BC e Fazenda atuam hoje de forma mais integrada.

Na avaliação de Marcelo Arnosti, economista-chefe da BB DTVM, o governo não tem uma meta de crescimento, mas julga que o potencial do país para crescer está hoje "em torno de 4,5%, 5%, bastante acima do ritmo apresentado no primeiro semestre", que ficou abaixo de 1%. Por isso, diz Arnosti, "com margem para utilização de política fiscal e outros instrumentos, o governo tem buscado estimular a economia e trazer a taxa de crescimento para um ritmo mais próximo ao potencial."

O diretor do departamento de pesquisas e estudos econômicos do Bradesco, Octavio de Barros, lembra que "o crescimento do PIB é uma variável endógena, portanto ter meta de crescimento é uma impossibilidade técnica". Metas de expansão do PIB, diz ele, "são praticamente impossíveis de serem cumpridas, uma vez que a política econômica não consegue controlar todas as variáveis que influenciam o crescimento, tanto pelo lado da oferta, quanto pelo da demanda, domésticas e externas."

Barros reconhece, contudo, que "existe uma preferência revelada de política econômica por um crescimento maior, o que é legítimo e positivo diante do complexo cenário global". E essa preferência, diz ele, tem como contrapartida um "grau de tolerância maior com um patamar um pouco acima do centro da meta [de inflação]". É essa tolerância, acrescenta, que faz com que uma taxa de 5% a 5,5% de IPCA não gere hoje "a mesma reação de política monetária que ocorria no passado, quando o regime de metas estava se consolidando".

Braúlio Borges, economista-chefe da LCA Consultores, argumenta que, se houvesse uma meta de crescimento, a taxa Selic "já estaria perto de zero". Ele vê "uma maior coordenação entre as políticas monetária, fiscal e parafiscal com o objetivo de obter o maior crescimento possível, com inflação estável (no intervalo de 4,5% a 5,5%) e buscando nível real de juro civilizado. Ou seja, estabilidade macroeconômica, e não apenas estabilidade de preços.

O economista-chefe do banco Santander, Maurício Molan, também não avalia que o governo persiga um dado crescimento para o PIB, mas avalia que "o desconforto com o ritmo de expansão do PIB abaixo de 3% parece ser muito grande na conjuntura atual, ainda que esse crescimento mais moderado esteja associado a desemprego baixo e estável e inflação acima do centro da meta".

Para três economistas, entre os oito consultados, o tripé de política econômica adotado há mais de dez anos mudou. Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, diz que "a meta de inflação não é a escrita pelo CMN [Conselho Monetário Nacional], e sim em torno de 5,5%; o câmbio decididamente deixou de ser flutuante e voltamos a trabalhar com bandas, entre R$ 2 e R$ 2,1, e cada vez mais há vontade explícita do governo de baixar o superávit primário." Para Vale, "ter mudado o mix em nada ajudou o crescimento. Pelo contrário, assusta os investidores, porque coloca, de novo, um governo excessivamente intervencionista".

Ao lado de Vale, Juan Jensen, da Tendências Consultoria, também diz que "claramente o tripé mudou". Ele relaciona a existência de "bandas informais" para o câmbio, a atuação do BC, que "trata de maximizar o crescimento com restrição de que a inflação não extrapole o teto da meta (6,5%)" e mesmo o superávit fiscal ("ainda a variável mais robusta do tripé"), que começa a dar sinais de mudança. Para ele, a chamada "contabilidade criativa", pela qual o governo faz um superávit fiscal sem esforço, usando, entre outras medidas, a antecipação de dividendos por parte do BNDES e da Caixa Econômica Federal, após as instituições serem capitalizadas pelo Tesouro, significa que "está ruindo a última perna do antigo tripé".

A "contabilidade criativa" também é o argumento usado por Fernando Genta, da MCM Consultores, para justificar que a perna fiscal do tripé foi abandonada, mas ele também considera que o câmbio deixou de ser flutuante e o governo passou a trabalhar com "um piso explícito de R$ 2 para o dólar". Quanto à inflação, Genta não classifica a mudança como um abandono, mas identifica "uma maior tolerância com inflação acima do centro da meta".

Molan, do Santander, não acredita que houve uma mudança radical no modelo. "A novidade está em uma conjuntura global muito mais complexa, que levou os formuladores de política a utilizar um conjunto mais amplo de instrumentos, de forma a atingir objetivos múltiplos", diz ele.

O cenário externo e as teses defendidas por Olivier Blanchard, economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, sobre o papel que deve ser desempenhado pela política monetária e a necessidade de que ela concilie várias metas e instrumentos, foram apontados por Barros, do Bradesco, e Borges, da LCA, como elementos do atual mix, que não mudou (na avaliação deles), mas passou a dar pesos diferentes para cada componente do tripé e os "adaptou" aos novos parâmetros das economias local e mundial.

Dentro dessa "filosofia", Barros e Borges veem de forma diferente a condução da política fiscal no atual governo. Um superávit primário de 2%, diz o economista do Bradesco, já estabiliza a relação da dívida como proporção do PIB. Borges - que concorda que a política de capitalização do BNDES e de outros bancos públicos não pode ser uma política permanente, embora tenha sido válida na ação anticíclica de 2008/2009 - diz que o governo está usando o "espaço fiscal" construído ao longo de mais de uma década de ajuste (viabilizado por aumento da carga tributária) para finalmente desonerar o setor produtivo e melhorar sua produtividade. E concorda que juros menores abrem espaço para superávits primários menores sem comprometer a trajetória de queda da relação dívida/PIB.

O economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, também não considera que o mix de política econômica tenha mudado. "O que não tem sentido é fingir que não ocorreu uma crise aguda, que ainda não acabou em sua fase crônica, e que ainda pode voltar a ser aguda. Desconsiderar isso é irresponsável e leviano. Não venha comparar [o Brasil] com "comparáveis".

Para ele, a meta de inflação continua em 4,5% -"mesmo não tendo sido atingida em cheio faz três anos". Todo mundo, argumenta, "sabe que a inflação tem um componente de choques, indexação e serviços", e que o aumento na demanda por serviços com influência nos respectivos preços "decorre da mudança na distribuição de renda e em seu nível real nos últimos anos". Também o câmbio, diz Lima Gonçalves, é "sujo" no mundo todo. "Ele surgiu como solução pragmática para o colapso de Breton Woods e vale até hoje. Todo mundo usa, do Japão à Suiça, principalmente em situações de fortes deslocamentos de liquidez em mercados abertos".

Arnosti, do BB DTVM, também está no grupo de economistas para quem é válido afirmar que o tripé permanece de pé, porém "sob uma condução algo menos 'rigorosa' ou 'conservadora'". A coerência do regime, diz ele, é mantida, mas sua condução ocorre "no limite de suas possibilidades".

Entre as contradições que surgem nessa condução, Arnosti ressalta a flutuação da taxa de câmbio, mais "suja" que no passado. E administrar essa flutuação traz riscos, diz ele, como o de importar inflação externa. Para ele, em uma situação extrema, o governo "limitaria seu 'intervencionismo' para preservar o tripé econômico.

Economistas veem Banco Central e Fazenda mais alinhados

Há um objetivo comum que une Ministério da Fazenda e Banco Central: o desejo de reduzir e manter os juros reais no país mais baixos, em patamar compatível com o cenário internacional. Para isso, o BC deve usar de forma mais intensa as medidas macroprudenciais, que ganharam relevância a partir de 2010 e hoje estão consolidadas como instrumento de política monetária do BC, na opinião dos economistas consultados pelo Valor Data. Alinhada a esse mesmo objetivo, a Fazenda também tem adotado uma política fiscal que, via desonerações, pode ajudar o setor produtivo a ser mais competitivo e, de quebra, ajudar a segurar os preços.

Dentro da consulta "qualitativa" ao economistas que integram o projeto de coleta de indicadores, o Valor Data perguntou se a atuação do BC e da Fazenda é mais harmônica e quais instrumentos devem ser mais utilizados na condução da política monetária.

Para Bráulio Borges, da LCA Consultores, "há nitidamente uma maior coordenação entre as políticas monetária, fiscal e parafiscal em relação ao que se observava no Brasil até poucos anos atrás". Para ele, o BC está seguindo o consenso internacional que se formou após a crise de 2008, segundo o qual a política monetária não pode ter apenas uma meta e um instrumento. "É preciso conciliar várias metas (inflação e estabilidade financeira) e, para isso, são necessários mais instrumentos do que somente a taxa de juros básica".

Entre os instrumentos utilizados pelo BC em harmonia com a Fazenda, Fernando Genta, economista-chefe da MCM Consultores, cita a alteração na legislação do compulsório em maio, quando o BC forneceu estímulos aos bancos para que eles expandissem o crédito para a aquisição de veículos, e as operações de swap reverso, aplicadas, diz, "não para reduzir a volatilidade do mercado cambial, mas para impedir que a taxa de câmbio se reduza para um patamar abaixo do piso imposto pelo governo."

Para Octavio de Barros, diretor do departamento de pesquisa e estudos econômicos do Bradesco, a atuação de forma mais coordenada entre Fazenda e BC permitiu a redução da taxa básica de juros de 12,5%, em agosto do ano passado, para os atuais 7,5% ao ano. Essa queda da Selic, diz ele, "praticamente equivale a uma reforma econômica" e foi possível pelo respaldo dado pela política fiscal.

A Fazenda passou a atuar de forma mais alinhada ao BC, diz o economista-chefe do Santander, Maurício Molan, ao adotar estímulos como as isenções tributárias, "que matam dois coelhos com uma paulada: contribuem para a recuperação do crescimento e proporcionam um ganho inflacionário, ainda que temporário". O objetivo do BC é estimular a atividade econômica, desde que a inflação não ultrapasse o teto da meta, de 6,5%, afirma Juan Jensen, sócio da Tendências Consultoria. Para ele, "a Fazenda cria as condições para que o BC não aumente a taxa de juros", por meio de desonerações fiscais.

As medidas macroprudenciais, afirma Marcelo Arnosti, economista-chefe da BB-DTVM, devem ter peso relevante na condução da política monetária nos próximos trimestres, "quando o risco externo estiver em queda e as taxas de crescimento interno mais elevadas". O uso desses instrumentos, diz ele, harmoniza-se com o desejo da Fazenda de redução dos juros reais.

Sergio Vale, economista-chefe da MB Associados, enxerga um grau de intervenção maior do governo em competências que antes eram exclusivas da autoridade monetária, como a taxa de câmbio, por meio da edição de medidas para conter a entrada de capitais, diz o economista.

José Francisco de Lima Gonçalves, do banco Fator, discorda. Para ele, a atuação conjunta vai apenas até o ponto em que a percepção de independência pode ser colocada em xeque, e por isso a harmonia tem limites. Para o economista, Alexandre Tombini deixou claro desde o primeiro dia à frente do BC que perseguiria a redução do risco sistêmico.

Um exemplo, diz Gonçalves, é a intervenção da autoridade monetária no mercado de câmbio em momentos em que o endividamento em moeda estrangeira coloca em risco a estabilidade do sistema. "Às vezes, bate com a intenção do governo, como hoje. Às vezes não, como no início do governo Dilma, quanto o BC restringiu o acesso a crédito externo e, portanto, ao crescimento".

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