23 Agosto 2012
Dois meses depois de chegar ao poder com o contestado impeachment-relâmpago de Fernando Lugo, Federico Franco já dá sinais de que, em sua rápida passagem pela Presidência - até agosto de 2013 -, quer conduzir o país em direção oposta à traçada pelo antecessor.
Na política interna, o que se viu foi a rápida aprovação de medidas às quais Lugo resistia - como a autorização para plantio de algodão transgênico - e decisões sobre a gestão de terras já consideradas pelos sem-terra uma "contrarreforma agrária".
A reportagem é de Isabel Fleck e Flávia Marreiro e publicada pelo jornal Folha de S. Paulo, 23-08-2012.
Uma delas foi o pedido de Franco ao Congresso para sancionar uma lei que permite vender, a "preço de mercado", terras que seriam destinadas à reforma agrária.
"É um retrocesso. Os camponeses não vão comprar porque não têm dinheiro. Vai cair justamente nas mãos dos sojicultores", diz o líder da Mesa Coordenadora Nacional de Organizações Camponesas, Luís Aguayo.
Outras decisões que incomodaram os camponeses foram a possível revisão da lei que proíbe a estrangeiros terem propriedades na faixa de 50 km a partir da fronteira e a suspensão, por decreto, da auditoria sobre as terras do brasileiro Tranquilo Favero, maior sojicultor do Paraguai.
"Isso implica abrir a possibilidade de legalizar milhões de terras [irregulares] e põe em risco a nossa própria soberania", avalia José Rodríguez, presidente da Liga Nacional dos Carperos.
Segundo Luis Ortigoza, presidente do Indert (Incra paraguaio), tanto a decisão sobre a venda de terras públicas quanto a revisão da lei sobre a faixa de fronteira ainda não foram "concretizadas".
"Não vamos levar adiante nenhuma medida sem a devida consulta com os setores afetados", assegurou.
Ele ainda explicou que a auditoria nas terras de Favero encontrou apenas "pequenas parcelas de terras públicas", que não justificavam continuar as medições.
Para o empresário brasileiro Aurio Frigueto, que vive há 42 anos no Paraguai, o governo Franco já resgatou, em dois meses, a "segurança jurídica da propriedade privada".
"Agora podemos dormir tranquilos, porque sabemos que, no dia seguinte, vamos ter os nossos títulos respeitados", afirma o brasiguaio.
AMEAÇAS
No plano externo, Franco responde ao isolamento imposto pelo Mercosul e pela Unasul com declarações ambíguas sobre seus compromissos com os países vizinhos.
Na última semana, anunciou a intenção de realizar um referendo nas eleições de 2013 sobre a continuidade do país no Mercosul. No mês passado, declarou que o país não estava mais disposto a "ceder" ao Brasil e à Argentina sua energia excedente das usinas de Itaipu e Yacyretá.
As duas medidas, contudo, não são permitidas. A primeira, pela Constituição, e a segunda, por acordos bilaterais com Brasil e Argentina.
Coube ao chanceler José Félix Estigarribia baixar o tom, esclarecendo que os planos sobre Itaipu são aumentar a industrialização do país para consumir toda a energia a que o Paraguai direito.
O polêmico projeto para instalar uma fábrica da Rio Tinto Alcan no país faria parte deste projeto. "Um governo ilegítimo quer tomar uma decisão que pode afetar o país por décadas", critica Gustavo Codas, diretor-geral de Itaipu na gestão Lugo.
Para o analista Alfredo Boccia, a aliança entre Franco e o Partido Colorado (tradicional agremiação política) para a saída de Lugo começa a perder força. "Os colorados já veem o governo como adversário. Vão começar a bloquear projetos, como faziam com Lugo."
Instalar fábrica de múlti no país vira bandeira
O governo Franco adotou como bandeira um projeto que enfrentava resistência da ala esquerdista da gestão Fernando Lugo: a instalação de uma fábrica de alumínio da multinacional Rio Tinto Alcan.
Decreto de Franco de 16 de julho criou grupo para negociar com a empresa.
Estimado em US$ 4 bilhões, seria o maior investimento do setor privado na história do país.
Um fábrica como a cogitada absorveria o dobro do que o Paraguai consume em energia da usina de Itaipu hoje.
"Estamos continuando um plano do governo Lugo", disse à Folha Diego Zavala, coordenador dos estudos sobre a fábrica na época de Lugo e agora promovido a vice-ministro do Comércio e a chefe das negociações com a múlti. Ele diz que a ideia é viável, pois o Paraguai tem bons preços de tarifa elétrica e baixa carga tributária.
Para Gustavo Rodas, diretor-geral de Itaipu na gestão Lugo, o governo eliminou todas as vozes críticas do debate para impor uma espécie de "maquila" (empresa que monta produtos com base em componentes importados).
Ele acusa Franco de usar o discurso nacionalista sobre Itaipu para justificar a oferta de subsídios na tarifa elétrica em troca de poucos empregos.
Zavala nega que Franco dará subsídios e diz que as condições são tão atrativas que outras 17 empresas, inclusive brasileiras, já assinaram cartas de intenção para se instalar ao lado da Rio Tinto Alcan.
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Em 60 dias, Franco reverte ações de Lugo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU