25 Julho 2012
Os movimentos são "causas", enquanto os partidos são máquinas. Não os confunda: não peça aos partidos mais do que eles possam dar.
A opinião é do filósofo político norte-americano Michael Walzer, professor emérito do Institute for Advanced Study, de Princeton, nos Estados Unidos, em artigo publicado no jornal La Repubblica, 21-07-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Eis o texto.
Os movimentos sociais sobre os quais eu pretendo concentrar a minha atenção são movidos pela paixão moral ou ideológica, mas também pelo interesse coletivo. Eles têm um objetivo, muitas vezes em sentido estrito – o voto para as mulheres, o sindicato para os trabalhadores, os direitos civis para os negros. "Estrito", aqui, não significa com poucos pontos de vista ou irrelevantes. Com efeito, esses objetivos se conectam a fins mais amplos: superar a opressão, obter a igualdade. No entanto, eles se focalizam sobre uma única meta alcançável ou sobre um conjunto de objetivos estritamente conectados: aqui há algo que deve ser feita, agora; aqui há uma luta que pode ser vencida. Os movimentos recebem o apoio das pessoas às quais desejam beneficiar. Muitas mulheres e homens se tornam ativos por conta própria, pelo bem recíproco ou por causa de uma causa mais ampla.
A causa não é monolítica ou exclusiva: os seus defensores podem reconhecer que existem outras causas nobres, algumas das quais estão prontos a defender. No entanto, por causa da sua paixão moral e da sua atenção estrita, e porque servem a um bem comum caro a eles, eles tendem a alimentar entre si um forte sentimento de solidariedade e de compromisso que não aceita o compromisso facilmente. Não pensam em termos de troca entre uma causa e outra. Estão concentrados radicalmente em seu projeto e, portanto, não podem dizer: "Ok, posterguemos as demandas de sindicalização (por assim dizer), se forem abertas novas oportunidades para as mulheres".
Os famosos 99% do Occupy Wall Street não são um movimento, não até que um número significativo deles seja visível em encontros e manifestações. Eu não estou certo sobre como e se isso pode acontecer. Os 99% não têm uma identidade coerente como a dos grupos comprometidos em movimentos anteriores: mulheres, operários, negros. Porém, considerando-se o caráter extremo da desigualdade no nosso país, podemos plausivelmente aspirar a um movimento dos pobres tradicional e dos novos vulneráveis – amplas faixas da população masculina e feminina mobilizadas, em marcha, pedindo mudanças específicas na ordem social, sem admitir nenhum compromisso.
Os movimentos podem tornar o mundo social melhor, mas não pode fazer isso sozinhos. Nas democracias, eles devem trabalhar através das instituições do Estado: o sucesso depende de uma ordem executiva ou de um voto no Congresso. Esse tipo de apoio institucional é mediado pelos nossos partidos políticos, que às vezes podem ser persuadidos ou obrigados a assumir as demandas de um movimento. Mas os partidos têm a característica de estar prontos para o compromisso com relação às suas posições indicadas – o atual GOP [Grand Old Party, os republicanos] é apenas uma exceção temporária –, e por isso o que eles obtêm é sempre menos do que o esperado pelos militantes do movimento. Portanto, como os movimentos sociais deveriam se relacionar com os partidos políticos?
Às vezes, estes últimos são criados pelos movimentos sociais, como os partidos socialistas do fim do século XIX na Europa. Eles eram o exército eleitoral de um movimento sindical, forçado a tomar posição sobre uma ampla gama de questões com relação àquelas que o movimento havia inicialmente abraçado, pela perspectiva de governar.
Idealmente, nesses casos, a coerência das posições é garantida pelos interesses coletivos e pela paixão moral dos movimentos. Os partidos de esquerda na Europa não são mais assim, e, nos Estados Unidos, nenhum dos nossos principais partidos políticos jamais foi assim. Os partidos norte-americanos são máquinas movidas por um objetivo: vencer as eleições. Eles têm um caráter vagamente ideológico, tanto de direita como de esquerda, o que lhes fornece uma base organizativa, mas eles têm que competir com os votos do centro, e na maioria das vezes a sua verdadeira ideologia é simplesmente centrista (embora o centro não seja um ponto fixo no espaço político: nas últimas três ou quatro décadas, ele se movimentou constantemente para a direita).
Todo partido visa a reunir a coalizão mais ampla possível de organizações, interesses, movimentos, facções e personalidades e, para fazer isso, muitas vezes tem que adotar um conjunto incoerente de posições que reflete a força e o zelo ideológico diferentes dos grupos que ele busca manter unidos. Os políticos são pessoas que firmam compromissos; eles são, consequentemente, desprezados pelos militantes, mas fazem o que deveriam fazer: navegam seguindo o favor dos ventos.
O objetivo dos militantes é mudar a direção das correntes, obrigar os políticos a reconhecer novos eleitores e novas preferências populares. Nas democracias, o povo governa porque os políticos devem prestar atenção a eles, farejar o ar, ler o correio, encontrar-se com os eleitores comprometidos, encomendar pesquisas de opinião. Ao menos, esse é o modo pelo qual a democracia deveria funcionar quando não é distorcida pelo poder e pela riqueza constituídos, como é costume destes tempos. Aqui há uma distinção crítica entre os políticos: os bons pactuam com as suas posições ideológicas por deferência à opinião pública, e os maus, ao invés, se dirigem às pessoas que pagam as suas campanhas. Ambos os grupos são oportunistas, mas os primeiros são, por assim dizer, os nossos oportunistas. Talvez haja um terceiro grupo, o melhor, que convida os seus próprios apoiadores a se mobilizarem por uma causa e os impulsiona a agir.
Os partidos coletam votos; os movimentos mobilizam potenciais eleitores e buscam modificar os termos da coleta de votos. "Se vocês querem estes votos – dizem os militantes aos políticos – é isto que vocês têm que fazer. A recompensa de vocês é o cargo político; a nossa, a política pública". O valor da primeira recompensa é óbvia; o da segunda deve ser justificado ideologicamente. É por isso que os movimentos são "causas", enquanto os partidos são máquinas. Não os confunda: não peça aos partidos mais do que eles possam dar. Muitos na esquerda sonham com um partido-movimento, como na Europa dos velhos tempos, mas isso não é possível nas democracias pluralistas contemporâneas. Vivemos em sociedades fragmentadas e celebramos a fragmentação porque ela é o produto da liberdade de associação, da diversidade étnica de uma sociedade de imigrantes e do pluralismo religioso, e tudo isso joga em desfavor de partidos políticos ideologicamente coerentes.
Militantes e intelectuais podem às vezes produzir um partido com ideias fortes, comprometidos com este ou aquele objetivo do movimento, que olha para a esquerda (ou para a direita). Mas se trata de uma condição temporária, e assim que o objetivo – ou uma versão sua, fruto do compromisso – for alcançado, o partido vai voltar lentamente para o centro, deixando muita coisa a ser feita para o próximo grupo de militantes, e ao sucessivo, e o próximo ainda. Os militantes dos movimentos não devem se permitir ser cooptados pelos partidos; eles devem usar qualquer poder governativo obtido apenas enquanto for realmente útil para a sua causa. E depois devem deixar o governo: manter o cargo não é a sua profissão. Porque até mesmo depois das vitórias, em quem nós (a esquerda) esperamos, ainda haverá pessoas em dificuldades, abusadas, oprimidas, discriminadas, às quais é preciso mobilizar para que possam mudar as suas próprias vidas. A política dos partidos é modulada pelos ritmos eleitorais; a dos movimentos é um trabalho constante.
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Por que a sociedade civil entra em choque com os partidos. Artigo de Michael Walzer - Instituto Humanitas Unisinos - IHU