Escola de Frankfurt: rumo aos 90 anos

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18 Junho 2012

Dois livros sobre o famoso instituto da "teoria alemã" que, em 2013, festejará os 90 anos. Mas hoje a cidade onde Horkheimer lecionou é, acima de tudo, a capital das finanças.

A análise é do filósofo italiano Maurizio Ferraris, professor da Università degli Studi di Torino, em artigo publicada no jornal La Repubblica, 08-06-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Eis o texto.

Frankfurt não é só a sede do Banco Central Europeu, ou a cidade onde sempre em outubro se realiza a feira do livro, mas também legou o seu nome a uma das mais famosas escolas filosóficas do século XX, o Instituto para a Pesquisa Social. A sede, um edifício em estilo racionalista, faz parte da feira. O diretor, desde 2001, é Axel Honneth (nascido em 1949), expoente da terceira geração da escola e autor de uma teoria do reconhecimento em que confluem a dialética de Hegel, a psicologia de Winnicott e de Mead, e a biopolítica de Foucault. Com uma particular abertura com relação às pesquisas de Luc Boltanski, com quem compartilha o interesse sobre os paradoxos do capitalismo, que se apresenta, ao mesmo tempo, como sociedade do conhecimento muito acolhedor e como força criadora de progressivas formas de exclusão.

Assim, os temas de pesquisa vão desde a desigualdade social à sociologia e a psicologia da família, da teoria da sociedade à sociologia do direito, da teoria do trabalho à das mídias e da estética. Aconteceu-me de ver os dois grupos em trabalho em Sofia, em 2010, em um congresso internacional sobre o futuro da teoria crítica, e pareceu-me assistir ao final feliz de uma história filosófica muitas vezes caracterizada por fortes incompreensões entre Alemanha e França.

Mas convém dar alguns passos atrás, fazendo duas interrogações elementares. Que continuidade existe entre o instituto e o fundado em 1923 por Felix Weil (1898-1975) e depois dirigido, a partir de 1930, por Max Horkheimer (1895-1973), ao qual chamaram a atenção dois livros publicados na França, ambos intitulados L’Ecole de Francfort, de Jean-Marc Durand Gasselin e de Paul-Laurent Assoun? E, além da coincidência cronológica e temática, que talvez provocaria alguma reflexão a Theodor Wiesegrund Adorno (1903-1969, que entrou no Instituto em 1938) sobre a indústria cultural e a sua tendência à padronização, o que é esse movimento (do qual se poderá encontrar uma excelente apresentação de Enrico Donaggio, La scuola di Francoforte, Ed. Einaudi)?

Enquanto isso, são precisamente três gerações, decisivamente menos do que a escola de Atenas, mas mesmo assim muito, 89 anos. Com a ascensão de Hitler ao poder, o instituto teve que emigrar para Genebra, daí para Paris e, por fim, para os Estados Unidos, primeiro na Columbia University (onde foi cunhada a expressão "teoria crítica", para não dizer "marxismo"), depois na Califórnia. Alguns dos seus componentes não voltariam, como Marcuse, capturado pelo fascínio californiano de La Jolla. Outros nem mesmo chegariam, como Walter Benjamin (cuja pertença ao "inner circle" da escola ainda é controversa), que cometeu suicídio em 1940 na Catalunha, por temor de ser entregue aos alemães. Outros, justamente como Horkheimer e Adorno, voltarão no pós-guerra, depois de terem escrito no exílio norte-americano um livro epocal, a Dialética do Iluminismo, que serve de companheiro ao Doutor Fausto de Thomas Mann, vizinho de casa de Adorno em Pacific Palisades.

Ainda na primeira geração, as diferenças eram grandes. Horkheimer (que no pós-guerra será reitor de Frankfurt) era um chefe, fumava charutos e mandava em Adorno, como me contou Gadamer há muitos anos, recordando que, quando eles (ele, Karl Löwith e outros), de Friburgo, onde estudavam com Heidegger, foram para um congresso em Frankfurt, se sentiram como uma massa de provincianos. A questão do "provincianismo" dos friburguenses é talvez a melhor via para acessar a característica fundamental da Escola de Frankfurt. Heidegger escrevera em 1934 um texto intitulado "Por que ficamos na província", em que se orgulhava de ter recusado um convite para Berlim. Já pouco inclinados pela província, os frankfurtianos foram condenados pela emigração a um cosmopolitismo muito mais amplo.

O fio condutor que une todas as tendências e personagens dispersos no espaço e no tempo da Escola de Frankfurt é justamente o fato de refletir a alma invertida da Alemanha, a da civilização europeia contraposta ao sangue e ao solo. O também significa uma abertura ao jornalismo e ao ensaísmo. Habermas (nascido em 1929), o expoente mais ilustre da segunda geração, colabora há exatamente 60 anos com o jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung, em que no início dos anos 1950, ele publicava não só artigos sobre as experiências de Huxley com a mescalina, mas acima de tudo, em 1953, condenava abertamente os aspectos inquietantes de Heidegger nos anos 1930. E é a um aluno de Adorno como Rüdiger Safranski que devemos Heidegger e o seu tempo, a biografia que no original alemão leva o título dos versos de Celan "A morte é um mestre alemão", ao qual hoje é preciso acrescentar um texto fundamental como Heidegger, a introdução do nazismo na filosofia de Emmanuel Faye (editado por Livia Profeti, Ed. L'asino d'oro).

Além da política, é uma questão de estilo. Heidegger se compraz em ver o intraduzível no alemão, enquanto Adorno defende que "as palavras estrangeiras são como os judeus na língua", e se desdobra generosamente em expressões inglesas e francesas. Em tudo isso há também muito radical-chic. Veja-se as Lições da sociologia da música, de Adorno, que me convenceram não só do dato de que eu nunca tinha ouvido música, mas que eu nunca a ouviria no futuro, porque, no fim, o único ouvinte competente era alguém como o Barão de Charlus, na Recherche. Férias em Silvaplana, mas em hotéis de primeira classe, não nos ninhos de ratos por onde Nietzsche andava, o que dará o direito a György Lukács a ironizar sobre o marxismo à la ocidental dos frankfurtianos em um ensaio intitulado "Grand Hotel Abismo".

Tendo que escolher, no entanto, muito melhor o radical-chic do que o sangue e o solo.

O jargão da autenticidade (1964) é o ensaio de Adorno onde se mira na obsessão do autêntico reduzida a uma maneira e a uma mania em Heidegger. Um tema que se encontra em A mão de Heidegger (1991), de Derrida. Aqui se abre um capítulo importante para o cosmopolitismo frankfurtiano. Longamente ignorando-se mutuamente, os frankfurtianos e os filósofos franceses, como justamente Derrida ou Foucault, eram objetivamente unidos pela referência à tríade Nietzsche-Freud-Marx. No fim, se conheceriam. Habermas encontrará Foucault em Berkeley pouco antes da morte, Foucault declarará a sua proximidade à Escola de Frankfurt, e Habermas definirá o pensamento de Foucault como "uma flecha disparada no coração do presente".

As incompreensões, porém, não estavam nada resolvidas. Em 1985, Habermas publica O discurso filosófico da modernidade, muito crítico contra Derrida, com quem, no entanto, terá todo o tempo para se reconciliar. Eu fui testemunho do que eu acredito que foi o primeiro encontro entre Habermas e Derrida em 1999 em Nova York, propiciado por Giovanna Borradori, que depois os colocará em diálogo sobre o pós-11 de setembro (Filosofia do terror, 2003).

Eu também assisti a conciliação solene, no dia 22 de setembro de 2001, em Frankfurt, no dia da conferência do Prêmio Adorno. Derrida profere, diante de Habermas, um discurso sobre Benjamin e acrescenta 20 linhas, escritas no último momento, em que condena a reação de Bush ao ataque às Torres Gêmeas e o seu hiperbólico pedido de uma "justiça infinita".

Depois da paz em Frankfurt, Habermas e Derrida apareceram juntos em A Europa em busca da identidade perdida (La Repubblica, 4 de junho de 2003), com Derrida já gravemente doente. Quando eu o vi, ele me disse que havia se limitado a assinar o texto de Habermas (não conseguia mais escrever), mas que aprovava tudo. E, hoje, quando Frankfurt é, para todos, só o Banco Central Europeu, isto é, a capital das finanças, a Europa poderia, filosoficamente, relê-lo.

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