Carta do campo potiguar. Pela afirmação da vida no Semi Árido

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Por: Cesar Sanson | 29 Mai 2012

“Temos apreendido a respeitar e conviver com o nosso ambiente semiárido e seus ciclos de estiagem e queremos contar pra todo mundo: ‘o semiárido é lindo e passível de uma agricultura diversificada e sustentável. Nós já vivenciamos esta experiência sócio-ambiental há décadas, mas nos faltam acolhimento e apoio do Estado para universalizá-la’”!

O texto integra a Carta pública divulgada nessa semana por uma séria de organizações norteriograndenses endereçadas à presidenta Dilma Roussef, à governadora Rosalba Ciarlini, aos prefeitos e prefeitas municipais e à população norteriograndense.

Eis a Carta
.

O grande problema não é a SECA, mas a sua mesquinha indústria e suas CERCAS...

Vivemos hoje uma das piores secas dos últimos 30 anos de nosso semiárido brasileiro, que poderá, infelizmente, se prolongar até 2013. Dos 167 municípios potiguares, 139 já decretaram Situação de Emergência. Muitas das populações desses municípios, até mesmo em casos de alguns servidos por adutoras, estão passando sede até na zona urbana com o colapso de seus sistemas de abastecimento. Pais e mães de família estão saindo de suas comunidades rurais, de reconhecidas produções leiteiras, para fazer filas nas mercearias e prefeituras a fim de conseguir 1 litro de leite para seus filhos. Agricultores/as sem o que colher e criadores/as sem o que oferecer para seus animais tentam fazer algum dinheiro com a venda de uma cabeça de gado, por um terço do valor, e muitas vezes não acham quem a compre.

Numa avaliação unânime dos movimentos sociais do campo, é preocupante a falta de iniciativa própria do governo do RN. Percebemos a ausência de um plano de enfrentamento dos efeitos da seca (emergencial) e de convivência (estruturante e pedagógico) para a Agricultura Familiar e o semiárido, seus problemas e respectivas propostas de soluções às reivindicações apresentadas pelas representações dos trabalhadores/as. A postura é exclusivamente de pedir e esperar pelo governo federal. Nota-se a falta de planejamento, criatividade e postura pró-ativa!

Mediante este quadro emergencial de estiagem prolongada e de baixa resolutividade das autoridades públicas, no sentido de efetivar um diálogo produtivo com as representações da Agricultura Familiar e fazer acontecer medidas ágeis e eficazes, emergenciais e estruturantes, de enfrentamento aos efeitos cruéis da seca, o conjunto das Forças Sociais reunidas no Fórum do Campo Potiguar - FOCAMPO vem através desta Carta, abrir o diálogo com toda a sociedade norteriograndense e suas autoridades constituídas. Falamos em nome dos que mais sofrem com a seca, aqueles que têm suas VIDAS EM RISCO. Somos nós: agricultores e agricultoras, sem terra, igrejas, associações, sindicatos, federações de sindicatos, ongs, cooperativas... Povo de Deus calejado e organizado. Temos apreendido a respeitar e conviver com o nosso ambiente semiárido e seus ciclos de estiagem e queremos contar pra todo mundo: ‘o semiárido é lindo e passível de uma agricultura diversificada e sustentável. Nós já vivenciamos esta experiência sócio-ambiental há décadas, mas nos faltam acolhimento e apoio do Estado para universalizá-la’!

Há 10 anos atrás esta seca de hoje já teria se alastrado numa calamidade social de grandes proporções, de sede, fome e êxodo frenético para os grandes centros urbanos. Vivemos uma das maiores estiagens de nossa história e não estamos assistindo a cenas de desespero e saques de alimentos. Temos a convicção de que as experiências de convivência com o semiárido que, como sociedade civil organizada, conseguimos gerar e gerir, conquistar e difundir enquanto políticas públicas do Estado brasileiro, como o Programa 1 Milhão de Cisternas, efetivamente melhoraram as condições de vida e de produção das famílias camponesas e estão ajudando a fazer a diferença no enfrentamento deste início de seca. O que demonstra que a convivência com o semiárido e a superação das conseqüências da seca são possíveis, na medida em que há COMPROMISSO DE INVESTIMENTO DOS GOVERNANTES E ABERTURA PARA O DIÁLOGO E A ARTICULAÇÃO com as entidades organizadas do povo do semiárido, propondo e construindo alternativas apropriadas às realidades, às necessidades e às potencialidades das experiências já vividas por este povo.

Na contramão dessas experiências de produção agroecológica e convivência adequada com o ambiente semiárido, estão as propostas intervencionistas e excludentes das grandes monoculturas irrigadas de uso intensivo de agrotóxicos e a implantação das cisternas de plástico. A história dos Perímetros Irrigados nos moldes do atual Projeto do DNOCs para a Chapada do Apodi, comprova a completa inadequação social e ambiental desse modelo de produção e desenvolvimento para o nosso semiárido. As cisternas de plástico constituem-se num dos maiores equívocos do governo brasileiro. Trata-se de uma tecnologia extremamente cara, ineficiente, geradora de dependência externa e de lixo ambiental com extensão de impactos pelos próximos 500 anos. É muito importante destacar nesse momento crítico de seca que não é qualquer pseudo-solução exógena que vai promover o desenvolvimento, a justiça socioambiental e a qualidade de VIDA no campo que tanto almejamos e merecemos para todos e todas.

Assim, movidos por essa realidade adversa da atual estiagem; preocupados com a inoperância e as falsas soluções que permeiam os agentes do Estado; amparados na solidariedade das Igrejas Católica e Evangélica engajadas, e, principalmente, embasados nos processos e resultados animadores da experiência prática e teórica das tecnologias e metodologias socioambientais de agricultura familiar sustentável e convivência com o semiárido, já desenvolvido através da ASA Brasil, queremos chamar a atenção das autoridades e da sociedade potiguar para o que propomos:

1. Ampliação da representação da sociedade no “Comitê Estadual da Seca” com a inserção de 05 novos legítimos representantes: igreja católica, igreja evangélica, ASA, FOCAMPO e MST;

2. Divulgação e pressão popular sobre os municípios que ainda não implantaram suas Comissões Municipais de Defesa Civil, impedindo o acesso de seus agricultores a todos os repasses e ações de atendimento pelas políticas federais de emergência. Dos 139 em emergência, apenas cerca de 10 municípios concluíram os devidos procedimentos de habilitação;

3. Abastecimento com água potável das 75 mil cisternas (P1MC) de consumo humano já construídas no estado;

4. Abastecimento das 1.000 cisternas (P1+2) de água para produção já construída no estado;

5.  Liberação imediata pelo governo do RN de recursos próprios para complementação de R$ 280,00 (5 parcelas de R$ 56,00) por família a ser atendida pelo Bolsa Estiagem, de forma a equiparar às atendidas pelo garantia safra;

6. Disponibilização pela CONAB para os agricultores familiares de um kit de ração animal composto por milho, trigo, babaçu, farelo de soja e torta de algodão ao preço de custo na fonte para salvação do rebanho;

7.  Criação de um Programa de Assessoramento Técnico, Gerencial e Pedagógico para a Gestão Produtiva dos Recursos Hídricos, a ser executado em sistema de co-gestão com a ASA Potiguar pelo período de 3 anos ininterruptos.

8. Concretização dos compromissos assumidos pelo governo do estado perante as organizações dos trabalhadores do campo:
a.  Funcionamento autogestionário da Central de Comercialização nos próximos 30 dias
b.  Funcionamento de todos os escritórios da EMATER com o Programa Compra Direta nas próximas 02 semanas

9. Revogação do Decreto do governo federal que desapropria terras de assentados da reforma agrária na Chapada do Apodi para instalação de Projeto de Perímetro Irrigado do DNOCs;

10. Não à instalação das Cisternas de Plástico no estado. Com os recursos públicos destinados a uma cisterna plástica dá pra construir 02 Cisternas com a tecnologia social da ASA e o mesmo volume d água;

11. Que o Estado faça a instalação imediata de todos os poços perfurados, recuperação e manutenção dos existentes, perfuração e instalação de novos para garantir água aos animais e usos diversos para os agricultores familiares de todos os municípios do estado. Inclusive, disponibilizar os equipamentos e máquinas existentes no estado e municípios para os agricultores recuperarem seus açudes e fazerem poços amazonas;

12. Que os Ministérios e órgãos competentes instituam um disque denúncia por onde os cidadãos possam denunciar possíveis práticas viciadas da antiga Indústria da SECA, de manipulação política e de enriquecimento ilícito com os recursos e ações de emergência para “o polígono das secas”;

13. Que o Tribunal Superior Eleitoral crie uma Campanha: “NÃO TROQUE SEU VOTO POR ÁGUA. ÁGUA É DIREITO SEU”. O Brasil tem o dever ético de não consentir que as medidas emergenciais da seca se transformem em instrumentos de moeda eleitoral e desvirtuação das eleições.

Enfim, o que reivindicamos é que o agricultor familiar do semiárido potiguar precisa de justiça, solidariedade e respeito aos seus direitos e saberes. Que Nosso Senhor Jesus Cristo toque mais fundo o coração de nossos governantes para que acolham o clamor e as experiências de soluções apropriadas do Povo de Deus. Agora (na emergência da seca) e sempre (na estruturação de obras e processos pedagógicos de convivência com o semiárido).

Subscrevem este documento:

Arquidiocese de Natal   
FETRAF   
PASTORAL DA CRIANÇA   
COOPERVIDA   
ATOS
Pastor Airton Schroeder   
SEAPAC   
INST. CHAPÉU DE COURO   
TECHNE   
SAR
ASA Potiguar   
TERRA VIVA   
RENAP   
SERTÃO VERDE   
SAUR
FETARN    AACC   
DIACONIA   
PA Laje do Meio   
CEAAD
MST   
CPT   
STTR de Passa e Fica   
PASTORAL DO IDOSO   
CUT-RN
STR de Apodi   
COOPERCACHO

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